07/04/2014
A verba que o Brasil repassou à Organização Pan-Americana da Saúde em 2013 daria para custear quase duas vezes o que foi gasto por seis hospitais federais localizados no Rio de Janeiro, juntos, no mesmo período
O volume de recursos que o Brasil repassou à Organização Pan-Americana da Saúde (Opas) em 2013 daria para custear quase duas vezes o que foi gasto por seis hospitais federais localizados no Rio de Janeiro, juntos, no mesmo período. A remessa feita pelo Ministério da Saúde ao organismo internacional cobriu com folga o destinado aos Hospitais Cardoso Fontes, da Lagoa, de Bonsucesso, de Ipanema, do Andaraí e dos Servidores do Estado, responsáveis por parte considerável dos atendimentos feitos pelo Sistema Único de Saúde junto à população carioca.
A Opas é um organismo internacional de saúde pública que atua nos países das Américas nas áreas de epidemiologia, saúde e ambiente, recursos humanos, comunicação, serviços, controle de zoonoses, medicamentos e promoção da saúde através da cooperação internacional promovida por técnicos e cientistas.
Ano passado, a Opas recebeu o equivalente a R$ 1 bilhão, enquanto as seis unidades hospitalares tiveram um orçamento que, somado, não superou os R$ 562,5 milhões. Os dados constam de um levantamento do Conselho Federal de Medicina (CFM) com base em informações do Sistema Integrado de Administração Financeira (SIAFI). A análise chama a atenção para a distância entre os valores no momento em que assistência oferecida pelas unidades federais do Rio de Janeiro enfrentam uma crise que está afetando milhares de pacientes, conforme aponta relatório da Defensoria Pública da União (DPU).
Em dezembro de 2013, a situação de sucateamento e abandono dos hospitais federais cariocas chegou a um ponto de extrema gravidade. Em relatório divulgado, o DPU denunciou que 13 mil pessoas estavam à espera de cirurgia exatamente nestas unidades. Segundo a Defensoria, a demora pela realização de um procedimento, em alguns casos, chegava há sete anos. Do grupo de pacientes prejudicados, constavam 730 crianças que aguardavam atendimento em diferentes especialidades (cirurgias vasculares, cardíacas, neurológicas e ortopédicas a urológicas, oftalmológicas e torácicas).
Na época da denúncia, o defensor público federal Daniel Macedo disse que a falta generalizada de insumos e medicamentos, o sucateamento dos hospitais e a má administração de recursos contribuíam para esse quadro de calamidade. No entanto, as discrepâncias entre o que foi repassado à Organização Pan-americana de Saúde (Opas) pela União não se limita aos problemas relacionados aos hospitais federais cariocas. Outras unidades importantes para o atendimento da população também ficaram prejudicadas.
Câncer
Outro exemplo que mostra a distância entre o repassado à Opas e o destinado às unidades hospitalares brasileiras também fica no Rio de Janeiro. Com o volume de recursos destinados à Organização Pan-americana, em 2013, também seria possível cobrir as despesas de duas estruturas semelhantes a do Instituto Nacional de Câncer (Inca), sobrando ainda um “troco” R$ 209 milhões.
O Inca é um dos maiores centros de referência e de assistência de alta complexidade oncológica no país, sendo responsável pela regulação e normalização da assistência na área e pelo desenvolvimento de atividades nas áreas de ensino, pesquisa, ciência e tecnologia. No ano passado, ele contou com um orçamento de R$ 404 milhões para cumprir sua missão, cerca de 60% a menos do que foi destinado ao organismo internacional, cuja sede principal fica em Washington, nos Estados Unidos.
Uma terceira comparação também mostra o desfavorecimento das unidades brasileiras diante da Opas. A verba enviada à Opas permitiria custear praticamente quatro estruturas semelhantes ao Instituto Nacional de Traumatologia e Ortopedia (Into) – com “troco” de R$ R$ 208 milhões. Naquele período, as despesas do Into somaram R$ 270 milhões, perto de um quarto do total remetido para Washington.
Assim como o Inca, o Into é uma instituição de referência nacional, no caso para o tratamento de doenças e traumas ortopédicos de média e alta complexidades, prestando assistência na esfera assistencial. Esse Instituto conta com unidade ambulatorial, hospital dia para pequenos procedimentos, unidades de internação (pediátrica, adulto e terapia intensiva), serviços de reabilitação e de atendimento domiciliar, além de uma clínica especializada no tratamento da dor. Como o Inca, também atua nas áreas de ensino e pesquisa. Na tabela abaixo, os números que constam dos relatórios do SIAFI estão disponíveis para verificação.
O fluxo favorável à Opas não se limita às comparações com as unidades vinculadas diretamente ao Ministério da Saúde. Os números são maiores que as despesas com Saúde (função saúde) de diversos estados brasileiros, individualmente. Por exemplo, os repasses de 2013 ao organismo internacional são maiores que o registrado no Acre, Mato Grosso do Sul, Paraíba, Piauí, Rondônia, Roraima e Sergipe.
Os números, que constam nos Relatórios Resumidos de Execução Orçamentária (RREO), também revelam que os valores correspondem a metade do gasto com a função saúde em estados como Goiás, Amazonas e Santa Catarina. Na tabela, abaixo é possível comparar os números oficiais. Neste quadro, não estão ainda os estados que não repassaram suas informações.
Tendências
A análise dos números oficiais também sugere que a tendência de envio de quantidades significativas de valores para Opas, bem superiores ao destinado às unidades hospitalares brasileiras tende a se manter. De acordo com dados compilados de 1º de janeiro a 5 de março de 2014, fica evidente que as despesas somadas dos hospitais cariocas Cardoso Fontes, da Lagoa, de Bonsucesso, de Ipanema, do Andaraí e dos Servidores do Estado, somadas aos gastos do Into e do Inca não alcançam o montante pago à Opas no mesmo período.
Nestes meses, a Opas recebeu R$ 506 milhões, ou seja quase 3,5 vezes a mais que o repassado a estas oito unidades assistenciais brasileiras. No período, elas receberam perto de R$ 150 milhões, sendo que os seis hospitais cariocas ficaram com R$ 95,5 milhões deste total. No caso da Opas, os números são extremamente vantajosos, menos de 90 dias, o organismo viu entrarem em seus cofres a metade do R$ 1 bilhão que recebeu ao longo de 2013 inteiro.
Como mostram os números oficiais, este aporte crescente segue uma linha histórica iniciada em 2011. Naquele ano, a Opas foi o destino de R$ 171 milhões. Em 2012, o valor subiu para R$ 274 (cerca de 60% a mais). Em 2013, as cifras quadriplicaram, chegando a R$ 1 bilhão, sendo que o comportamento desse primeiro trimestre denuncia que o volume deve ser muito maior.
Tudo indica que o ano de 2014 representará um recorde de repasses, pois o Ministério da Saúde anunciou na primeira semana de março o valor do aditivo ao contrato do programa Mais Médicos com a Opas. A previsão é de mais R$ 973,94 milhões para os próximos seis meses. Mesmo considerando que uma parte (R$ 427 milhões) já foi paga e, portanto, incorporada na soma de R$ 506,3 milhões levantada até 6 de março, os valores empenhados de 2014 já somam, até o momento quase R$ 1,0 bilhão.
Fonte: CFM