18/10/2015
Donizetti Dimer Giamberardino Filho
Donizetti Dimer Giamberardino Filho*
Ser médico é viver a medicina além de uma profissão. Em outras palavras, a dimensão da técnica não existe se desacompanhada da busca do humano em todas as esferas da vida: plantando uma árvore e criando os filhos, buscando a alegria e a realização pessoal no casamento e na preservação das amizades. A prática da medicina é, sobretudo, atividade de humanização de si mesmo e dos outros e, por isso mesmo, só pode ser exercida em sociedade.
O juramento hipocrático repetido pelos jovens que concluem a graduação em Medicina em nosso país se insere em uma linha de pensamento de mais de 2.400 anos, a qual congloba a alteridade, o respeito, o sigilo e a privacidade, com dever de ofício da beneficência e da não-maleficência. O importante momento da formatura carrega, sempre, a questão da decisão de rumos: viver para a medicina ou usar a medicina para viver?
É sabido como a sociedade de consumo se faz cada vez mais egocêntrica e fundada no egoísmo ‑ uma sociedade “do autorretrato”. Praticar a medicina nestas circunstâncias exige um esforço extraordinário, pois a alteridade e o respeito ao próximo, em compasso harmônico para com as próprias necessidades pessoais e familiares, colocam-se como valores morais quase “desviantes” em relação a determinados projetos pessoais.
De todo modo, a profissão médica tem e sempre terá suas fundações construídas na relação interpessoal e na confiança entre dois seres humanos ali reconhecidos como médico(a) e paciente, o que não muda mesmo diante da intensa fluidez das informações e da comunicação, também na área da saúde, que caracterizam a sociedade ocidental hodierna. A relação entre os médicos e seus pacientes exige comprometimento e vínculo social, e as informações desvinculadas da pessoalidade têm seus benefícios diminuídos de modo significativo. Em suma, o fantástico desenvolvimento do conhecimento e da tecnologia na medicina não afasta a necessidade das atitudes virtuosas, as quais seguem correspondendo aos três pilares formativo do conhecimento, da habilidade e da relação médico-paciente.
Vale o registro da homenagem e da reverência necessária aos médicos formados há 40 anos ou mais: com um olhar de saudade e a sensação de dever cumprido e de preocupação com a velocidade das transformações sociais, são profissionais que fizeram uma sociedade melhor, defendendo o acesso à saúde com equidade para todas as pessoas, como preconiza a Constituição de 1988, promotora e garantidora de direitos sociais.
Somos quase 400.000 médicos no Brasil hoje, exercendo a medicina por meio de um sistema de gestão de saúde que podemos chamar de misto, pois dos 200 milhões de brasileiros cerca de 150 milhões são usuários do sistema público de saúde (SUS). Seus graves problemas de subfinanciamento e de gestão não podem ser atribuídos ao profissional médico, tão vítima de um sistema ineficaz como os demais profissionais de saúde e, principalmente, a população. Estamos certos de que os valores sociais que marcam a profissão médica superam projetos políticos tendenciosos que querem apenas números e não qualidade dos serviços prestados, o que acaba por restringir e violar direitos sociais constituídos da população mais necessitada.
Como qualquer profissional ou pessoa, temos nosso futuro aberto e em construção. Por este motivo, defendemos médicos formados adequadamente em escolas médicas capacitadas para tal atribuição. No mesmo sentido, defendemos a medicina praticada com qualidade e que a quantidade seja consequência da primeira. É inadmissível que o direito à saúde das pessoas seja considerado satisfeito em condições inadequadas e com carência de recursos diagnósticos e terapêuticos, como se estivéssemos em uma guerra. Os médicos anseiam por dignidade em seu ofício e por dignidade para o cidadão brasileiro, o que significa justiça social, saúde de qualidade e políticas públicas de efetivação dos direitos sociais das pessoas.
Por fim, que este 18 de outubro, dia de homenagem aos médicos, traga-nos à reflexão, sempre, a importância da qualidade na relação médico-paciente. Não há medicina sem as pessoas, relacionadas e ligadas pelo melhor remédio já criado: a confiança, com efeitos sobre o corpo e a alma.
Artigo escrito pelo médico Donizetti Dimer Giamberardino Filho, representante do Paraná no Conselho Federal de Medicina, conselheiro do CRM-PR e pediatra do Hospital Infantil Pequeno Príncipe.