18/02/2021
Dr. Thadeu Brenny Filho
No Código de Ética Médica tem-se a guarida sobre as decisões médicas de independência no agir, já estampada no início do mesmo, onde, nos princípios fundamentais, infere que “a medicina é uma profissão a serviço da saúde do ser humano e da coletividade e será exercida sem discriminação de nenhuma natureza”. E estende-se isso para o médico e para seu paciente, guardando absoluto respeito pelo ser humano e atuando sempre em seu benefício.
Logo à frente, copio os incisos:
VII – O médico exercerá sua profissão com autonomia, não sendo obrigado a prestar serviços que contrariem os ditames de sua consciência ou a quem não deseje, excetuadas as situações de ausência de outro médico, em caso de urgência ou emergência, ou quando sua recusa possa trazer danos à saúde do paciente.
VIII – O médico não pode, em nenhuma circunstância ou sob nenhum pretexto, renunciar à sua liberdade profissional, nem permitir quaisquer restrições ou imposições que possam prejudicar a eficiência e a correção de seu trabalho.
Citando o artigo 5º da Constituição Federal, questiona-se: “Será que somos, de fato, autônomos nos sistemas atuais? Precisa-se entender que a autonomia é definida a partir de normas e, assim, delimitada – ao que é bom e ao certo à luz da ciência médica“.
Na visão do coordenador da Comissão Nacional Pró-SUS e conselheiro federal do CFM, Dr. Donizetti Giamberardino Filho, a autonomia é a capacidade de pensar, decidir e agir, de modo livre e independente. Apesar disso, há uma série de condições que impõem limites ao exercício da medicina na rede pública e também privada, onde muitas vezes os médicos são colocados como os vilões do sistema. O conselheiro cita, por exemplo, dois recentes levantamentos do CFM que revelam o subfinanciamento e a falta de infraestrutura no SUS.
Um deles mostrou que os governos (em níveis federal, estaduais e municipais) aplicaram, diariamente, cerca de R$ 3,48 per capita para cobrir as despesas públicas com saúde dos brasileiros em 2017. Outro, aponta para uma queda de mais de 34 mil leitos de internação desde 2010. “O exercício da medicina em meio ao caos oferece riscos à segurança do paciente e coloca o médico em situação de vulnerabilidade”, resume.
No art. 32, o CEM expressa ser vedado ao médico “deixar de usar todos os meios disponíveis de promoção de saúde e de prevenção, diagnóstico e tratamento de doenças, cientificamente reconhecidos e a seu alcance, em favor do paciente”.
Mas, voltando ao conceito puro e filosófico de autonomia, citamos Kant: é a capacidade da vontade humana de se autodeterminar segundo uma legislação moral por ela mesma estabelecida, livre de qualquer fator estranho ou exógeno com uma influência subjugante, tal como uma paixão ou uma inclinação afetiva incoercível. É um conceito que determina a liberdade do indivíduo em gerir livremente a sua vida, efetuando racionalmente as suas próprias escolhas. Neste caso, a autonomia indica uma realidade que é dirigida por uma lei própria, que apesar de ser diferente das outras, não é incompatível com elas.
Resume-se: como o fundamento de toda a moralidade das ações humanas consiste na apresentação da razão para si mesma de uma lei moral, que é válida para a vontade de todos os seres racionais. Esta lei moral vai contra as ações que são praticadas por egoísmo, já que ela possui a forma de uma legislação universal que é expressa no imperativo categórico da razão. A partir da determinação de sua vontade pela lei moral, o homem torna-se consciente de sua liberdade.
E, desta liberdade e de acordo com ela, pratica-se o bom senso baseado nos conhecimentos pelo tempo e discernimento adquiridos pela prática médica.
A liberdade, como apontou Sartre, expressa-se na escolha que fazemos durante todo o tempo. Porém, talvez as escolhas que estamos fazendo estejam corrompidas; talvez estejamos agindo sob influência de interesses que não são verdadeiramente nossos.
Tempos difíceis.
*Thadeu Brenny Filho é conselheiro do CRM-PR e membro da Codame – Comissão de Divulgação de Assuntos Médicos.
**As opiniões emitidas nos artigos desta seção são de inteira responsabilidade de seus autores e não expressam, necessariamente, o entendimento do CRM-PR.