12/12/2017
Estudo da Comission Antimicrobial Resistence indica que resistência a antibioéticos pode matar 10 milhões de pessoas por ano na metade do século
O uso racional de antimicrobianos é de extrema importância para a saúde da população em geral. Nos consultórios e pronto atendimentos, é comum o pedido de pacientes para a prescrição de antibióticos. Mas a prescrição correta é algo fundamental para combater a resistência bacteriana.
O uso indiscriminado pode fazer com que o mundo entre
na “era pós-antibiótica”, que será muito semelhante à “era pré-antibiótica”,
antes da descoberta da penicilina, quando infecções que hoje consideramos simples eram intratáveis e
levavam a óbito. Médica infectologista do Serviço de Controle de Infecção Hospitalar do
Hospital São Vicente (Funef), a Dra. Vanessa Leniev Strelow (CRM-PR 31.201) faz uma análise do tema em material
jornalístico veiculado no portal da instituição hospitalar fundada em Curitiba em 1939. A entrevista
reúne informações úteis ao público leigo e também aos profissionais médicos.
Como surge a resistência das bactérias aos antibióticos?
O uso de antibióticos seleciona as bactérias que são resistentes a eles. Funciona como Darwin explicou: as bactérias têm mutações ao acaso. Alguns desses genes mutantes podem ser benéficos a elas, as deixando, por exemplo, resistentes contra um determinado antibiótico. Ao usarmos esse antibiótico, morrerão as bactérias sem a mutação e sobreviverão aquelas com a mutação. Por isso dizemos que elas são selecionadas. As “bactérias filhas” dessas com o gene de resistência terão também essa mutação, e portanto somente essa linhagem resistente sobreviverá. Essa bactéria pode provocar uma infecção naquela pessoa ou ainda ser transmitida para outras pessoas. Por esse motivo, o antibiótico é uma medicação preciosa e perigosa: deve ser usada de maneira criteriosa, informada e consciente desses riscos, e somente quando prescrito por médicos.
Como podemos interferir para evitar a projeção da pesquisa que estima que em 2050 a resistência a antibióticos irá matar 10 milhões de pessoas no mundo por ano?
Podemos interferir para evitar que essa projeção se confirme através do uso racional de antimicrobianos: usar antibiótico somente quando necessário, usar o antibiótico certo para cada caso, pelo tempo correto, na dose correta. É precisa haver educação da população e dos profissionais de saúde nesse sentido. Outra questão importante é que sejam seguidas medidas de controle de uso de antimicrobiano em agropecuária. Antibióticos não são somente usados em humanos, são também usados em agropecuária em grande quantidade e devem ser fiscalizados para evitar o uso incorreto e excessivo.
Qual o perigo das infecções por bactérias multirresistentes?
O problema das infecções por bactérias multirresistentes é que perdemos os antibióticos que deveriam combater esses agentes, o que nos deixa muitas vezes com opções restritas de drogas para utilização e, em alguns casos, sem nenhuma opção. Somos obrigados a usar antibióticos menos eficazes porque as melhores opções foram perdidas para a resistência. Às vezes temos que usar drogas bastante tóxicas para combater a infecção e, às vezes, simplesmente não temos opção terapêutica. Por esse motivo tememos entrar na “era pós-antibiótica”, que será muito semelhante à “era pré-antibiótica”, antes da descoberta da penicilina, quando infecções que hoje consideramos simples eram intratáveis e levavam a óbito.
Como combater? Eu prefiro usar a expressão “como desacelerar”, uma vez que já estamos vivendo esse processo. São importantes três medidas: uso racional dos antimicrobianos que temos hoje, criação de novos antibióticos (um processo demorado e caro) e medidas para evitar transmissão de infecções, como a higiene de mãos e o consumo de água potável, por exemplo.
Quais são os principais fatores que levam ao desenvolvimento dessas superinfecções no corpo humano?
O uso prévio de antibióticos é o principal fator que predispõe ao desenvolvimento de uma infecção multirresistente. A internação em hospitais também é um fator para o desenvolvimento de infecções por bactérias mais resistentes, uma vez que elas são mais comuns nesses locais pois há mais uso de antibióticos e os pacientes estão mais debilitados e propensos ao desenvolvimento de infecções.
O mundo está preparado para enfrentar uma epidemia de superinfecções? E o Brasil?
Não, eu diria que nem o mundo nem o Brasil estão preparados. As bactérias desenvolvem mecanismos de resistência com maior velocidade que a indústria farmacêutica desenvolve novas drogas para combatê-las. Além disso, o aumento nas infecções por bactérias multirresistentes implica em aumento de hospitalizações, de custos, de complicações infecciosas e de complicações por toxicidade medicamentosa. Tudo isso irá sobrecarregar o nosso sistema de saúde.
Quais são os principais desafios na luta contra infecções resistentes a antibióticos?
É preciso conscientização da população, dos profissionais de saúde e dos governos para a dimensão desse problema, pois só assim todos estarão sensibilizados às implicações da resistência bacteriana. Cada vez que um médico prescrever um antibiótico ele deve saber responder para qual indicação está prescrevendo, se é realmente necessário, se é o melhor agente para aquele caso, se está na dose correta, se a duração deve ser aquela. O paciente, por sua vez, deve seguir as orientações de uso, e não deve nunca pressionar um médico a prescrever antibiótico quando o profissional julgou não ser necessário.