Os médicos Ronaldo Laranjeira e Raul Caetano, um psiquiatra brasileiro que vive há muitos anos nos EUA e atulamente professor
na Universidade do Texas, escreveu um artigo que foi o editorial de uma importane revista internacional, especializada em
álcool e drogas. Para disponibilizar este artigo original,
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aqui . Abaixo segue a tradução.
Em outubro de 1991, condições de tempo incomuns criaram uma grande tempestade vinda do Atlântico Leste dos Estados Unidos.
Os ventos estavam acima da força de furacão, e ondas de até 30 pés de altura eram comuns na costa da Carolina do Norte
a Nova Escócia. Os danos causados pela tempestade foram além de 200 milhões de dólares. Os serviços de previsão de tempo (United
State Weather Service) concluiram que alguns fatores foram combinados para criar este evento chamando-os de "tempestade perfeita".
Um livro que descreveu a tempestade (Junger 1997) foi bestseller. Um filme que descreveu os efeitos da tempestade, onde os
tripulantes de um barco pesqueiro, (Andréa Gail) se viram às voltas com a mais terrível das tempestades em pleno alto-mar,
apareceu nos USA em 2000.
Após a apresentação do filme nos EUA, o termo ' tempestade perfeita ' tornou-se comum no inglês americano coloquial, significando
um evento desastroso resultado de uma série de fatores agindo por sinergia. É precisamente com este significado que vamos
desenvolver este editorial. Aqui se refere à confluência de uma série de fatores que podem conduzir a um aumento na disponibilidade
do álcool, no consumo do álcool e no enfraquecimento do controle das políticas do álcool nos países em desenvolvimento. Isto
é importante por causa da forte evidência que a melhor abordagem para prevenir os problemas acarretados pelo álcool, na população,
é um jogo harmônico das políticas cujo objetivo final é diminuir a disponibilidade do álcool na comunidade. Avaliações recentes
para conseguir a eficácia das várias políticas de controle do álcool estão disponíveis (Babor et al 2003).
Quais são os fatores que criam ' a tempestade perfeita '?
Primeiramente, este editorial é escrito em uma perspectiva latino americana, e mais especificamente, do país que os autores
melhor conhecem, Brasil. Esta perspectiva não pode ser aplicada a todas as nações em desenvolvimento, por causa da grande
variação de cultura, história e padrão de uso de álcool, e desenvolvimento econômico de cada um. Além do mais, os problemas
do álcool já estão em níveis elevados em muitas nações em desenvolvimento. O peso das doenças atribuídas ao álcool nas duas
regiões das Américas, que inclui a maioria dos países latino americanos (WHO's Americas ' B ' e ' D ') variam entre 8,6% e
17,3% para homens e 2,2% e 4,1% para mulheres (Babor et al. 2003)
Em comparação com a carga no mundo os homens registram 6,5% e as mulheres 1,3%. Com isto em mente, identificaremos nos
subtítulos abaixo, oito fatores que predispõem a uma tempestade do álcool esboçando primeiro como a ameaça pode ser calculada
e diminuída.
CRESCIMENTO ECONÔMICO
Países em desenvolvimento, especialmente na América Latina, tiveram uma tendência mesclada de crescimento econômico nos
20 anos passados. Não obstante, e à parte dos desenvolvimentos específicos na indústria do álcool, a globalização da economia
mundial mais o desenvolvimento econômico interno estão promovendo um crescimento em muitos destes países. Com o crescimento
econômico das nações em desenvolvimento a indústria do álcool local se desenvolve e fica na mira de poderosos produtores de
bebidas alcoólicas. O resultado é um aumento de disponibilidade e de consumo e crescimento de problemas relacionados ao álcool.
No entanto, contrário à tendência ocorrida em países economicamente desenvolvidos, aumento de relato de consumo de álcool
aconteceu no mundo em desenvolvimento (Room et al. 2002). No Brasil, por exemplo, o consumo registrado quase triplicou desde
1960, de 2 litros a quase 6 litros per capita na população a partir dos 15 anos. Além disso, o jornal O Estado de São Paulo,
de circulação importante, no estado do mesmo nome, menciona estimativas da indústria de cerveja que o consumo tem crescido
assustadoramente a uma taxa de 6-7% ao ano (Estado de São Paulo 2005).
FATORES MÚLTIPLOS QUE CONCORREM AO AUMENTO DO CONSUMO
O aumento do consumo é devido a muitos fatores, incluindo, propaganda, preço e disponibilidade. Em nações em desenvolvimento,
a produção de bebidas alcoólicas tende a ter um preço baixo. Esta é em parte uma estratégia de marketing devido a baixa renda
da população local, e isto é possível porque os custos com os gastos de fabricação são mais baratos. O resultado é acesso
e consumo aumentados. No Brasil, um frasco de 1litro de bebida alcoólica local, chamada pinga, com concentração de (álcool
de 40%), custa $0,50, e uma lata de 350 ml da cerveja custa $0,20. Comparando, uma lata de 350 ml de cola (refresco) custa
$0,40, e um frasco 1 litro do leite custa $0,90. A disponibilidade física é também importante. Os dados da indústria do Brasil
indicam que há 1 milhão pontos da venda de bebidas alcoólicas no país, aproximadamente um ponto de venda para cada 170 habitantes
(Seligman 2005).
AS DEMOGRAFIAS
Os países em desenvolvimento são também alvos da expansão do mercado por causa das características demográficas de sua
população. Com população caracterizada por pirâmide invertida, o consumo maior ocorre entre adultos na faixa dos 30 dos anos
para baixo, estes países oferecem melhor estrutura de idade para o marketing de bebidas alcoólicas. Por exemplo, nos Estados
Unidos, o grupo 18-29 anos de idade corresponde a 16,5% da população e consome aproximadamente 45% de álcool (Greenfield &
Rogers 1999). No Brasil, o mesmo grupo de idade compreende 35% da população do país (não há nenhum dado específico de consumo
de álcool a este grupo).
AS CORPORAÇÕES FOCALIZADAS EM PAISES EM DESENVOLVIMENTO
A expansão do mercado de bebidas alcoólicas, nos países em desenvolvimento, geralmente é conduzida por conglomerados internacionais
que têm posse parcial da indústria local. Um exemplo é a aquisição parcial da Bavária, o segundo maior fabricante de cerveja
da América Sul, pela SABMiller. A Bavária é o principal fabricante de cerveja na Colômbia, no Peru, no Equador (com mais de
90% do mercado em cada um destes três países) e no Panamá (com 79% do mercado). As previsões indicam que na região andina
da América Sul, onde estes países estão localizados, haverá uma taxa de crescimento anual de cerveja excedendo a 4% nos próximos
5 anos, excesso da média global da indústria de aproximadamente2%(http://www.sabmiller.com/SABMIller/Financial).
Um segundo exemplo, esta vez no Brasil, é o da Companhia de Bebidas das Américas (AmBev), que têm cerca de 66% do mercado
de cerveja no Brasil e que tem 60% de propriedade da belga InBev o maior fabricante de cerveja do mundo, com o 13% do mercado
global (http://www. corporate-ir.net/ireye/ir_site.zhtml?ticker? 25240&script? 11976&layout? 8&item_id? ' ShareholdingstructurePor.
html '). Esta porcentagem de propriedade, entretanto, mantém-se em crescimento porque a maior parte do lucro obtido pelo conglomerado
da Bélgica é realizado agora no Brasil e em outros mercados sul americanos nos quais a AmBev está muito ativa. Por exemplo,
de acordo com relato de Bonvoisin & Bilefsky (2005), a InBev deu um salto de 23% em seus lucros líquidos, em 2004 conduzidos
na maior parte pela AmBev, que se transforma rapidamente no motor de crescimento de maior fabricante de cerveja do mundo em
termos de volume.
OS ACORDOS DE COMÉRCIO INTERNACIONAIS
Quando a expansão do mercado internacional colide com a saúde pública refere-se, em particular a um país onde o regulamento
de comércio internacional favorece extremamente a indústria do álcool. Os acordos de comércio internacionais (por exemplo.
General Agreement on Tariffs and Trade and the newer General Agreement
on Trade in Services) vêem basicamente o álcool como apenas um outro produto. A lei destes acordos de comércio (World
Trade Organization - WTO) na área do álcool enfraqueceu os controles de saúde pública do álcool em vários países (Grieshaber-Grieshaber-Otto
& Schacter 2001;McLoughlin & Fairweather 2002; Room et al. 2002). Isto está acontecendo em nações desenvolvidas e em desenvolvimento.
Entretanto, as nações em desenvolvimento têm menos habilidade de mobilizar recursos para lutar contra a WTO e a imposição
de sanções econômicas apresenta sempre uma ameaça maior do que com os paises desenvolvidos. Por exemplo, o Congresso dos Estados
Unidos, aprovou recentemente o acordo de livre comércio com a Republica Dominicana da América Central, (Dominican Republic-CentralAmerican
Free Trade Agreement - DR.-CAPTA). Este acordo foi fortemente apoiado por, entre muitos outros, (Distilled Spirits Council
of the United States DISCUS), porque sob as provisões deste tratado, os países da América Central eliminarão imediatamente
as tarifas sobre o gin e o whisky produzidos nos Estados Unidos. Isto acontecerá na vigília de um crescimento do excesso de
exportações de bebidas destiladas diretas dos Estados Unidos, nos últimos 5 anos de aproximadamente 85% à Costa Rica, El Salvador,
Guatemala, Honduras, Nicarágua e República Dominica. (http://www. discus.org/mediaroom/2002/release.asp?pressid?=223). Uma
exceção a estas políticas internacionais é a do Banco Mundial. Reconheceu que o álcool não é uma mercadoria comum, requer
apoio de projetos que levem em consideração a saúde pública com referencia aos malefícios do álcool. ((World Bank Group 2000).
CAINDO NA ARMADILHA
Países em desenvolvimento tendem a reagir à promessa de crescimento econômico com aceno de boas vindas. A reação interna
ao crescimento da indústria do álcool, que vem geralmente com promessas da criação de trabalho e de uma expansão de imposto,
não é uma exceção. Entretanto, a promessa de criação de trabalho não é necessariamente concretizada. Análises cuidadosas não
sugerem efeito multiplicador real na criação de trabalho em sociedades em desenvolvimento, e o efeito mais provável de aumento
na industrialização do álcool é a perda de emprego direto (Room & Jernigan 2000). Uma expansão de imposto é também ilusória
em sociedades em desenvolvimento porque os preços mais elevados podem conduzir a um deslocamento do consumo de bebidas legais
e para produção ilegal (Room & Jernigan 2000). Para a indústria do álcool, a expansão de mercado é mais barata de conseguir
em países em desenvolvimento por meio de aquisições do que por guerras de propagandas caras em mercados desenvolvidos (The
Economist 2005). Conseqüentemente, não é surpreendente, que a tomada de decisão a respeito do crescimento da indústria do
álcool em países em desenvolvimento destacam-se os ganhos econômicos, ignorando o fato de que o álcool não é um produto ordinário.
O que se ganha no trabalho e nos impostos podem ser perdidos devido ao impacto deletério do álcool na saúde pública.
AS FRAQUEZAS DAS INFRASTRUCTURAS DA SAÚDE PÚBLICA DOS PAÍSES EM DESENVOLVIMENTO
O sistema de controle de bebidas alcoólicas na saúde pública em nações em desenvolvimento, geralmente é fraco. Há razões
histórica, cultural e também econômica para isto ser assim. Os Ministérios de Saúde destas nações, todos com parcos recursos
econômicos, agregam outras prioridades de saúde pública tais como a má nutrição, saneamento básico, e doenças endêmicas, que
não afetam os paises desenvolvidos no mesmo nível. O desenvolvimento e as políticas de controle do álcool não são conseqüentemente
uma alta prioridade. A respeito das políticas de controle do álcool específicas, a maioria destes países não tem monopólio
estatal sobre a produção ou as vendas de bebidas alcoólicas. Os horários de venda, regras de propaganda, limites de idade
e índice de álcool no sangue permitido para dirigir um carro, para mencionar alguns exemplos, podem ser legalmente prescritos,
mas raramente ou eventualmente são reforçados.
WORLD HEALTH ORGANIZATION (WHO) CORRE O RISCO DE SE COMPROMETER
Finalmente, o WHO 's 58th World Assembly reconheceu recentemente a ameaça que o consumo de álcool representa à saúde pública
mundial. Esta atenção dada pelo WHO ao álcool foi bem recebida por todos que trabalham na área da saúde pública. Entre muitas
outras coisas, esta resolução pede aos membros dos estados ' organizar uma consulta aberta com os representantes dos setores
da indústria, da agricultura e do comércio de bebidas alcoólicas a fim de limitar o impacto prejudicial à saúde ocasionado
pelo consumo do álcool ' (WHO 2005). Quando nós prestamos atenção ao que o WHO está propondo ao problema do álcool, ficamos
céticos com relação ao potencial de benefícios que pode trazer. De fato, tememos que no contexto das nações em desenvolvimento
isto possa ser um fator a mais no abastecimento da ' tempestade perfeita '. Isto pode conduzir a indústria do álcool e seus
aliados, na comunidade, a um negócio cientifico intensificador das atividades de lobby sob a aparência de 'consulta 'com governos;
isto pode ajudar legitimar o pedido da indústria do álcool para ter um assento na mesa de discussão das políticas de controle
do álcool quando tais políticas não são de interesse da indústria; e pode fazê-lo mais facilmente nos setores governamentais
não interessados em políticas de controle do álcool e estabelecer parcerias com indústrias que podem eventualmente conduzir
ao enfraquecimento de tais políticas. Tais desenvolvimentos em nações econômicas avançadas podem não trazer danos porque estes
países têm os sistemas de saúde pública relativamente fortes para neutralizar as ações das indústrias. Este não é o caso dos
paises em desenvolvimento, que podem ficar mais vulneráveis à indústria do álcool e a seus aliados.
AS OITO AMEAÇAS E O QUE SE PODE FAZER
A 'tempestade perfeita ' de outubro 1991 pode não ter sido prevenida ou sustada, mas a aqui descrita sim. Apresentamos
a seguir algumas sugestões de ações que podem ser tomadas:
1. Os profissionais de saúde em países em desenvolvimento não devem ser apanhados de surpresa. O conhecimento desta situação
e de seu impacto prejudicial à saúde pública é um passo importante para impedir a tempestade.
2. As informações sobre os fatores identificados acima devem ser disseminadas e discutidas em uma variedade de foro. Isto
também inclui a discussão da evidência científica que apóia a eficácia das políticas de controle do álcool. A inclusão de
organizações da comunidade nestas discussões públicas é essencial.
3. A importância da participação de profissionais de saúde no processo político que conduz ao desenvolvimento e implementação
de políticas devem ser enfatizadas. Este não é um tópico freqüentemente ensinado em escolas profissionais, o que significa
que o treinamento nesta área deve ser fortalecido.
4. A resolução acima mencionada sobre o álcool (58th World Health Assembly-WHO 2005), é um ponto de partida para os trabalhos
de saúde pública no campo do álcool, adotado pelo WHO e por países membros. Muito necessita ser feito para convencer governos
e seus delegados para o WHO começar realmente o trabalho, uma questão, particularmente crucial na América Latina e outros
países em desenvolvimento do mundo dada as ameaças aqui descritas.
5. Esta será uma longa batalha, e uma estratégia sustentada em longo prazo é necessária para executar as políticas de
controle do álcool em países em desenvolvimento. Ao contrário das tempestades reais, esta não partirá uma vez que a estação
muda e o tempo fica claro.