22/12/2015
CRM-PR expressa seu repúdio a qualquer ato de violência física ou psicológica que possa alcançar os "calouros"
Neste período em que muitas escolas de formação anunciam os estudantes aprovados em seus vestibulares de Medicina e, ainda, às vésperas do início do novo ano letivo, o Conselho Regional de Medicina do Paraná vem mais numa vez expressar o seu repúdio a quaisquer atos de violência física ou psicológica que possam revestir a recepção aos ingressantes nos cursos. Mais que isto, o conselho de classe recrimina qualquer forma de “trote” que possa incorrer em humilhações, preconceitos, assédios ou outras formas de agressões, reiterando a sua posição de que, sob incentivo das próprias faculdades e/ou universidades, as comemorações pela vitoriosa conquista tenham o apelo da solidariedade e respeito à dignidade humana.
Diante de histórico de violência perpetrado contra calouros, notadamente no Sudeste do País, o CRM-PR vem cumprindo o seu papel de, ao lado de outras instituições, estimular o corpo docente das escolas formadoras para que não se descuidem da conscientização dos alunos sobre os valores éticos inerentes à profissão que escolheram, conduzindo a uma cultura de repulsa a atitudes que incorram no desrespeito aos “calouros”. Assim, dirige especial elogio às escolas paranaenses que se alinham a este novo modelo de “trote social”, que apressa a integralização dos novos acadêmicos com a universidade que o acolhe e desperta para condutas de ética, solidariedade, beneficência, dignidade e justiça que se esperam daquele que vai ingressar no mercado de trabalho sob expectativa de fazer o melhor de si em prol da atenção à saúde da população.
HISTÓRICO
Com as primeiras referências ainda na Grécia Antiga, os “trotes” a estudantes têm raízes históricas, tendo ganhado corpo com a criação das primeiras universidades na Europa, ainda na Idade Média. Nos moldes atuais, os primeiros “trotes” violentos que se têm registro ocorreram na Universidade de Paris, França, em 1342, e na Universidade de Heidelberg, na Alemanha, em 1491.
No Brasil, esse tipo de “batismo” aos estudantes chegou ainda no século 19. Filhos de uma classe privilegiada, que cruzavam o Atlântico para completar seus estudos nas universidades europeias, voltavam com a prática na “bagagem”, ajudando na sua popularização. Por aqui, a primeira morte que se tem notícia foi a do calouro Francisco Cunha e Menezes, em 1831, durante a recepção aos novos alunos da Faculdade de Direito de Recife, atual Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Ele foi agredido até a morte ao se recusar a participar da brincadeira cruel imposta pelos veteranos.
Entre acadêmicos de Medicina, um dos registros com morte data de 1962, na Católica de São Paulo. Um estudante foi obrigado a entrar em barril cheio de água misturada com cal e teve boa parte do corpo queimada e acabou morrendo. Três anos depois do episódio, a PUC proibiu trote na instituição. Um dos casos mais emblemáticos de trote violento data de 1999, na USP. Um dia após a festa de recepção, o calouro Edison Tsung Chi Hsueh foi encontrado morto no fundo da piscina da instituição. Após ser pintado, Edison seguiu, junto com outros calouros, para a atlética da USP, onde teria sido forçado a entrar na piscina sem saber nadar. Quatro estudantes foram acusados pela morte do rapaz. Eles foram denunciados pelo Ministério Público, mas o caso foi arquivado pelo Superior Tribunal de Justiça por falta de provas e os estudantes foram inocentados.
Inúmeros casos foram registrados no País desde então, muitos com morte. No ano passado, a Assembleia Legislativa de São Paulo chegou a instaurar uma CPI para investigar os trotes violentos nas universidades do Estado. Muitos episódios vieram à tona, inclusive de violências sexuais. Entretanto, sem impedir as recepções humilhantes aos calouros ou a realização de festinhas de veteranos dentro das áreas das universidades, com a complacência ou negligência de diretores e professores.
Autor de três livros e estudioso sobre o tema desde 2001, o professor da faculdade de agronomia na USP Antonio Ribeiro de Almeida Junior afirma que lei do silêncio ajuda a mascarar os atos violentos e concorda que a prática tem respaldo até de reitores de universidades. Para ele, trote universitário não é tradição, é relação de poder. Assim, mostra-se cético sobre a minoração do problema: “Vejo o aumento da violência e não da consciência”. Para ele, ainda, o assédio sexual e até a violência também estão colocados dentro da cultura trotista. “Eu não diria que são trotes. Isso é crime mesmo. Mas a cultura trotista é permeada por crimes”, reforça, entendendo que a impunidade é um dos fatores a influenciar.
PUNIÇÕES
No trote estudantil, a ação vexatória é crime pelo Código Penal. Em Estados e municípios onde não há lei específica, quem pratica o trote violento pode responder por infrações como lesão corporal, injúria, ameaça, constrangimento ilegal e até homicídio.
Desde 1999, os trotes promovidos sob coação, agressão física, moral ou qualquer outra forma de constrangimento que possa acarretar risco à saúde ou à integridade física dos alunos de escolas superiores e universidades estaduais são proibidos em São Paulo. No Paraná, a lei nº 12.857 (de fevereiro de 2000) proíbe a prática do trote para alunos das instituições da rede pública de ensino fundamental, médio e superior.
Assim como no Distrito Federal, também em Minas Gerais, por força da lei nº 21165/2014, passou a ser vetado o trote estudantil violento nas instituições de ensino médio, públicos e privados, e nas universidades públicas estaduais. Municípios como Pelotas (RS), Adamantina (SP) e Barretos (SP) também possuem leis que proíbem o ato. Além disso, algumas universidades também regulam o tipo de trote e proíbem a violência, incentivando os trotes solidários em que os calouros doam sangue ou arrecadam alimentos, por exemplo.
Um projeto de lei (PLC Nº 9 de 2009) chegou a tramitar no senado no final de 2014, teve parecer aprovado pela Comissão de Educação, mas foi arquivado ao final da legislatura.