08/01/2009
Triplicam as ações judiciais para obter medicamentos
Levantamento do Ministério da Saúde revela que em 2008 foram gastos R$ 52 milhões. Segundo o governo, 60% dos pacientes
que entram com processos poderiam ser tratados com remédios similares existentes no SUS
Ações judiciais para a aquisição de medicamentos consumiram R$ 52 milhões do Ministério da Saúde em 2008, o triplo do
valor gasto em 2007, revela levantamento do governo federal. Em três anos, o aumento dos custos com a judicialização foi de
quase 2.000%. Nesses valores não estão incluídos os gastos dos Estados. Em 2007, São Paulo despendeu cerca de R$ 25 milhões
por mês para cumprir ordens judiciais determinando a distribuição de remédios que não constam na lista do SUS. No Rio Grande
do Sul, foram outros R$ 6,5 milhões mensais e, em Minas Gerais, quase R$ 40 milhões gastos no ano com essas ações.
Segundo o ministério, 60% dos pacientes que ingressam com ações poderiam ser tratados com remédios similares, disponíveis
no SUS. Os outros 40% pedem drogas de última geração, algumas das quais não estão aprovadas pela Anvisa (Agência Nacional
de Vigilância Sanitária).
É o caso, por exemplo, do Naglazyme, uma terapia de reposição enzimática para tratar uma doença congênita grave (mucopolossacaridose).
O custo mensal do tratamento, por pessoa, é de R$ 133.980. Em 2008, houve 47 ações judiciais pedindo a medicação.
Na avaliação da pasta, muitos dos medicamentos requeridos por meio de ações judiciais agregam baixo ganho terapêutico
em relação aos oferecidos pelo SUS. Para ONGs de pacientes, no entanto, algumas dessas drogas representam a última alternativa
para manter vivo um doente.
"Vemos hoje pessoas [que tinham sido desenganadas pelos médicos] vivendo há cinco, seis anos, graças a medicamentos que
conseguiram via ações judiciais. Nem todo mundo responde da mesma maneira, mas para muitas pessoas essas drogas são cruciais",
diz Marília Casseb, superintendente da Associação Brasileira do Câncer.
Para conter o avanço das ações judiciais, o governo federal aposta na aprovação de um projeto de lei (PL 219/2007) que
tramita no Senado, de autoria do senador Tião Vianna (PT-AC), que estabelece que a oferta de medicamentos pelo SUS aconteça
somente com base em prescrições amparadas em protocolos clínicos aprovados pelo Ministério da Saúde.
As ONGs entendem que, se aprovado dessa forma, o projeto poderá impedir que as pessoas recorram à Justiça para ter acesso
a medicamentos de alta complexidade ainda sem registro na Anvisa. "Defendemos que os protocolos clínicos sejam frequentemente
atualizados e que, uma vez por ano, a lista de novos medicamentos seja revista pelo ministério", explica Marília Casseb.
A polêmica sobre a distribuição de remédios excepcionais também chegou ao Supremo Tribunal Federal, que deve julgar até
o final do ano um recurso definindo como deve ser a oferta de medicamentos não-incluídos na lista de drogas fornecidas pelo
ministério.
Segundo o Ministério da Saúde, o assunto ganhou urgência também pela descoberta de fraudes em ações judiciais para beneficiar
laboratórios. Em 2007, nove pessoas foram presas em Marília (interior de São Paulo) sob a acusação de forjar receitas médicas
para obrigar, por meio de ações judiciais, a Secretaria de Estado da Saúde a comprar remédios para 15 pessoas com psoríase
(doença inflamatória da pele). Em um ano foram gastos em torno de R$ 900 mil.
Inglaterra
O alto custo das medicações, especialmente as drogas oncológicas, tem gerado discussão em todo o mundo. A França, por
exemplo, decide se concede ou não uma nova droga após uma comissão avaliar o perfil do paciente e a eficácia da terapia. Já
a Alemanha define, de antemão, os tratamentos e remédios que são reembolsáveis.
No Reino Unido, é o Instituto Nacional de Saúde e Excelência Clínica (Nice) que aprova os medicamentos aos quais os pacientes
terão acesso. Em 2007, porém, uma decisão do órgão -que foi revogada- causou grande polêmica. Ela estabelecia um limite de
pagamento de US$ 22.750 por uma droga oncológica que oferecia uma sobrevida de seis meses.
Segundo Andreas Seiter, especialista em saúde do Banco Mundial, durante vários anos a Inglaterra foi praticamente o único
país a adotar a relação custo e efetividade para decidir quanto pagar por determinada droga. "Agora, o modelo tem influenciado
políticas de saúde de países como Áustria, Brasil, Colômbia e Tailândia", diz ele.
O secretário de Ciência e Tecnologia do Ministério da Saúde, Reinaldo Guimarães, afirma que o governo brasileiro tem se
espelhado na forma como o sistema de saúde britânico incorpora novas tecnologias, baseado em evidências científicas. "Essa
ideia de que os sistemas de saúde têm que ter uma regra sobre o que pagar e o que não pagar é uma tendência mundial, embora
muito polêmica porque passa pela questão de quanto vale uma vida."
No caso do Brasil, avalia Guimarães, a discussão esbarra na lei que criou o SUS, que estabelece que o sistema deve oferecer
cuidado integral, mas não define o conceito de integralidade. "Esperamos que o projeto de lei regulamente isso."
Guimarães acredita que, mesmo com o projeto aprovado, as ações judiciais vão continuar, já que são um direito constitucional
do cidadão. "Queremos é acabar com a epidemia da judicialização."
Fonte: Folha de São Paulo