15/11/2006
Todo mundo quer ganhar dinheiro com obesidade
Como uma forma de burlar a lei, os médicos estão prescrevendo o anorexígeno em uma receita e a associação de substâncias em
outra e orientando os pacientes a manipular em farmácias diferentes, quando existe uma resolução do Conselho Federal de Medicina
proibindo a fragmentação de fórmulas. Alguns profissionais, inclusive, ainda insistem em receitar o anorexígeno com associação,
ignorando a legislação. Um exemplo desta prática é o recebimento de cerca de 30 prescrições desta natureza, em setembro, por
uma das maiores redes de farmácias do Paraná. Em agosto, esse número foi mais de 50.
"O número caiu bastante nas últimas semanas, mas todas as receitas que chegam até nós com associação são negadas", disse
a coordenadora farmacêutica da rede, Carolina Salles. A endocrinologista Mônica De Biase Kastrup, da Comissão de Divulgação
de Assuntos Médicos do Conselho Regional de Medicina do Paraná (CRM-PR), disse que essa prática será verificada nas fiscalizações.
"A maioria das irregularidades acontecem porque as pessoas são mal informadas. A população favorece essa situação porque,
se tem procura, tem oferta", critica.
"O mundo da beleza é que funciona na cabeça das pessoas e os médicos que abusam de anorexígenos estão em desacordo com
a lei. Todo mundo quer ganhar dinheiro com obesidade", disse Kastrup.
Segundo Kastrup, as fórmulas são um engodo porque as pessoas emagrecem rápido e depois as drogas não fazem mais efeito.
"Não adianta depois aumentar a dose. A vida útil de um medicamento anorexígeno é de 20 semanas. Só ficam os efeitos colaterais,
que podem ser desde constipação, irritabilidade e insônia a taquicardia, parada cardíaca e distúrbios no sistema nervoso",
alerta a médica.
Existem outras substâncias recomendadas para tratamento antiobesidade, que inibem a absorção de gorduras sem provocar
efeito colateral. Outra opção seria a sibutramina. "Essa substância é a mais recomendada e pode ser usada por mais de cinco
anos, sem problemas. Hoje é o medicamento mais moderno para o controle da obesidade e menos agressivo", aconselha Kastrup.
"Eu conheço jovens que queriam emagrecer e morreram disso e não sei como ficou o atestado de óbito. As pessoas não têm
o hábito de buscar justiça no Brasil. Não existem estatísticas informando o número de mortes por uso indiscriminado de anorexígenos",
disse a médica, acrescentando que o Brasil é o maior consumidor de substâncias anoréticas, de acordo com a Junta Internacional
de Fiscalização de Entorpecentes (Jife) da Organização Mundial de Saúde.
Conselho fiscaliza todo Estado
Além de Curitiba, o Conselho Regional de Farmácias (CRF-PR) estendeu a fiscalização às cerca de 400 farmácias de manipulação
do Estado, começando por aquelas que são suspeitas de cometer irregularidades na formulação de medicamentos antiobesidade.
Segundo o presidente do CRF-PR, Dennis Armando Bertolini, a maioria dos estabelecimentos inspecionados até agora possui irregularidades
quanto à associações e dosagens de substâncias anorexígenas, que podem causar dependência física e química e, às vezes, danos
irreversíveis à saúde e até à morte.
A ação, feita em conjunto com o Conselho Regional de Medicina (CRM-PR), Núcleo de Repressão aos Crimes Contra a Saúde
(Nucrisa) e Vigilância Sanitária do Estado começou em maio e já passou por Maringá, Ponta Grossa, Cascavel, Cornélio Procópio,
Bandeirantes, Jacarezinho, Umuarama e Campo Mourão. Os únicos relatórios de inspeção perto da conclusão são os de Maringá
e Curitiba.
A atuação articulada visa conter os abusos e ainda busca cooperação técnica com as sociedades médicas para a uniformização
de procedimentos na formulação de anorexígenos. Em julho, inclusive, o Conselho enviou um documento a todas as farmácias magistrais
do Paraná, reforçando a proibição de manipular derivados da anfetamina - dietilpropiona, anfetramona e mazindol - associados
a outras substâncias que são prescritas para combater efeitos colaterais do próprio medicamento, como laxantes, antidepressivos,
calmantes, benzodiazepínicos, diuréticos e hormônios.
Mesmo diante da proibição, as farmácias continuam a formular os medicamentos. "Isso é fato. Meu médico prescreveu 75 mg
de dietilpropriona em uma receita e em outra pediu triiodotironina, cumarina, cáscara sagrada, rutina, fluoxetina e bisacodyl.
Uma farmácia disse que não poderia formular essa dosagem, que o máximo permitido são 50 mg/dia. Mas aí fui em outra farmácia,
no Centro, que aceitou fazer as duas receitas", relata uma paciente de 26 anos.
A jovem voltou ao médico e questionou as dosagens. "Ele disse que o máximo dessa substância são 100 mg/dia. Eu sei que
não está certo, mas o meu tratamento vai durar entre seis a oito meses, e aos poucos vou diminuir as doses", disse. "Eu sou
uma pessoa esclarecida, faço também exercícios físicos e dieta adequada", justifica. No entanto, ela confessa que às vezes
sente taquicardia e que no início do ano engordou muito depois de terminar um tratamento com anorexígenos.
Existe a recomendação da anfetamina como monodroga industrializada ou manipulada, dentro de um prazo curto de tratamento
e dosagens permitidas pelo Ministério da Saúde (MS). "O nosso objetivo era que os farmacêuticos se atentassem não só à proibição,
mas também às dosagens permitidas para cada droga", explica Bertolini. "O que aconteceu no Estado foi um abuso, causado principalmente
pelo desconhecimento da população quanto aos efeitos que a anfetamina pode provocar".
Fonte: Folha de Londrina (PR)