05/09/2019
Evento foi aberto quarta (4) e está sendo encerrado nesta quinta-feira (5), em iniciativa do CFM; ocorreu no auditório da Associação Médica de Brasília, no Distrito Federal e o Conselho do Paraná esteve representado
Pela nona vez consecutiva, o Congresso Brasileiro de Direito Médico organizado pelo CFM contou com ampla participação de médicos e advogados, que lotaram o auditório da Associação Médica dos Médicos de Brasília (AMBr). Cerca de 300 médicos, advogados, magistrados, estudantes e interessados no assunto compareceram ao evento, que foi aberto na manhã dessa quarta-feira (4) e está sendo encerrado na tarde desta quinta (5). A abertura foi feita pelo presidente do CFM, Carlos Vital Tavares Corrêa Lima, e pelo conselheiro Mauro Luiz de Britto Ribeiro, Coordenador da Comissão de Direito Médico.
Os trabalhos nesta quinta foram abertos com o ciclo de conferências debatendo o tema “A implantação plena do SUS nos moldes atuais: é possível?!”, tendo como palestrante o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, e como presidente da mesa a ministra Laurita Vaz, do Superior Tribunal de Justiça, e como debatedora a advogada Lenir Santos. O debate do início da tarde teve como tema em destaque “A autonomia do médico no novo Código de Ética Médica e na legislação em geral”. Foram conferencistas os Livia Callegari e Osvaldo Pires Garcia Simonelli e o defensor público da União Gabriel Faria Oliveira. O juiz João Costa Neto, do Tribunal de Justiça de São Paulo, foi o debatedor.
As atividades do IX Congresso serão encerradas com a proclamação do resultado do concurso de artigos científicos e banners, com entrega dos certificados aos autores presentes. O Conselho de Medicina do Paraná esteve representando por seu presidente, Roberto Issamu Yosida, e pelos conselheiros Laura Moeller, 1ª gestora do Departamento de Inscrição e Qualificação Profissional, Edison Luiz Almeida Tizzot e Alcindo Cerci Neto, que foi eleito e em outubro assume como conselheiro suplente do CFM.
Na abertura, o presidente do CFM, Carlos Vital, ressaltou a importância da interface entre medicina e direito “as primeiras profissões a serem ensinadas com método nas escolas medievais” e o esforço da autarquia em melhorar as interpretações do biodireito. Segundo ele, o Congresso, que tradicionalmente tem sido realizado pelo Conselho Federal, sempre com sucesso, terá um palco de relevantes debates.
O início do Congresso foi marcado pela emoção, com uma homenagem a conselheiros federais falecidos nos últimos anos. Dentre os que tiveram seus nomes citados, estavam os conselheiros Antonio Pinheiro, Luiz Nodgi, Pablo Chacel, Henrique Gonçalves, Julio Rufino Torres e José Fernando Maia Vinagre. Carlos Vital ainda fez um agradecimento ao desembargador Diaulas Costa Ribeiro, que se empenhou na realização do IX Congresso, mas não pôde participar do evento. “Graças ao seu empenho estamos reunidos para celebrar os vínculos entre a medicina e o direito”, disse.
Antes da fala de Carlos Vital, o 1º vice-presidente do CFM, Mauro Ribeiro, falou sobre a importância do Congresso. “Este é o maior evento brasileiro a fazer a interface entre direito e medicina. E muitas das resoluções e pareceres do CFM são baseadas nas discussões realizadas aqui”, afirmou. Após a solenidade de abertura, teve início a sequência de conferências. A primeira foi feita pelo coordenador do Centro de Direitos Biomédico da Universidade de Coimbra, o português André Dias Pereira, que abordou o tema “Conflitos éticos nas leis de procriação assistida: o anonimato do doador e a gestação de substituição – experiências recentes em Portugal e na Europa”.
Consumo terapêutico de cannabis
Aspectos médicos e jurídicos do uso da cannabis e de outras drogas foi um dos temas do Congresso em seu primeiro dia. João Paulo Becker Lotufo, representante da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) nas ações de combate ao álcool, tabaco e drogas, falou sobre o impacto do consumo de inúmeros drogas tanto no Brasil quanto no exterior, como, cigarro eletrônico, narguilé, maconha, álcool, vaporizadores, cocaína, crack, dentre outros.
"O cérebro se desenvolve até os 21 anos de idade e isso explica porque temos que retardar ao máximo o consumo de drogas, inclusive as lícitas. O tabagismo é a segunda causa de morte evitável no mundo; a maconha lesa a memória, reduz a massa cinzenta e diminui o QI em 8 pontos", alertou Lotufo. O especialista destacou que o uso precoce de maconha por adolescente prediz evolução subsequente para transtorno esquizotípico da personalidade.
Como caminhos eficazes para redução no consumo de drogas, o pediatra destacou a importância da regulação e do aconselhamento breve sobre drogas em ambulatório geral de pediatria e em escolas. Segundo ele, “quanto à maconha, é importante destacar que não existe maconha medicinal, o que existe para tratamento é o canabidiol. Fumar não trata e, atualmente, a maconha tem mais THC para viciar mais rapidamente e, quando você libera a droga, dobra o consumo de um negócio rentável, que causa danos irreversíveis".
Como forma de contribuir com a formação de jovens e suas famílias sobre o assunto, o palestrante divulgou o endereço de um site (www.drbarto.com.br), no qual é possível localizar material educativo para realização de aconselhamento sobre o tema em escolas e também em ambulatórios.
A conselheira federal Rosylane Rocha reforçou que “o termo maconha medicinal causa uma percepção equivocada sobre os riscos de consumo gerados em crianças e adolescentes, principalmente. Vemos que países com legislação mais tolerante arrependeram, pois tiveram resultados muito ruins”.
Por sua vez, o desembargador George Lopes Leite chamou
a atenção para dilemas morais e éticos relacionados ao uso terapêutico da maconha. "Recentemente,
casos envolvendo a atuação médica me chamaram a atenção. O erro de um juiz causa dor, pois
a injustiça é muito dolorosa. Mas, o erro do médico causa uma dor ainda maior porque pode tirar a vida",
refletiu o palestrante, que é membro do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT).
Ao analisar questões relativas a um
caso concreto – de uma adolescente de 16 anos, portadora da Síndrome de Silver-Russel, que faz uso terapêutico
de derivados de maconha -, o magistrado informou que aos pais da jovem foi concedida tutela preventiva para evitar prisão
em flagrante, pois o casal passou a plantar maconha para extrair seu óleo e outros elementos.
"As decisões são baseadas na lei, mas não somente na letra desta como também em princípios, como os direitos à saúde; da criança e do adolescente; e à dignidade humana. E como ficar insensível à angústia, à dor e ao desespero de pais que assistem à luta estoica da filha contra sofrimento físico e moral indescritível?", destacou o desembargador.
"Eu não sei se o cultivo e o uso da maconha devem ser liberados, mas, quero que isso seja discutido e estudado, pois remédios alopáticos disponíveis não resolvem os problemas de todos os cidadãos. É razoável afirmar que o estado de necessidade justifique a conduta dos pais para produzir um insumo necessário ao tratamento de grave enfermidade. Portanto, é admissível o habeas corpus preventivo que autorize o cultivo, à luz do artigo 24 do Código Penal”, concluiu George Lopes Leite.
Já o presidente do Instituto de Cooperação Jurídica Internacional, o português jurisconsulto Manuel Monteiro Guedes Valente, destacou que "os bons juízes vão além da letra da lei, porque é preciso ter coragem para garantir os princípios e encarar as adversidades que virão com a decisão".
O professor detalhou o panorama português sobre o consumo de drogas naquele país, o qual envolve sanções administrativas, penalidades, tipificação do consumidor (toxicodependente, múltiplo, agravado e traficante), natureza e circunstâncias do consumo, aferição de quantidades, controle da atuação policial, tráfico, tratamento, ressocialização, entre outros fatores. “A criminalização do consumo de drogas não está consolidada, mas, há a proibição e cada estado decide sobre sua jurisdição”, afirmou.
Direito ao anonimato na reprodução assistida
A gestação de substituição é permitida na Europa e, especialmente, em Portugal? Há o direito ao anonimato para o doador de espermatozoides ou doadora de ovócitos? Esses questionamentos foram respondidos pelo coordenador do Centro de Direito Biomédico da Universidade de Coimbra, português André Dias Pereira, na primeira conferência do IX Congresso de Direito Médico.
Na conferência “Conflitos éticos nas leis de procriação assistida: o anonimato do doador e a gestação de substituição – experiências recentes em Portugal e na Europa”, Dias Pereira explicou que os países têm posições divergentes. Enquanto Espanha e Alemanha são contra, o Reino Unido e a Grécia são favoráveis, com algum regramento, e países como Rússia e Ucrânia são mais liberais. Em Portugal, o parlamento aprovou uma lei permitindo a prática, mas o texto foi considerado inconstitucional pela Corte Constitucional.
Para Dias Pereira, é preciso fazer uma distinção entre a barriga de aluguel gratuita e a onerosa. A tendência na Europa é que seja permitida a gestação gratuita, chamada de altruísta, sendo proibida a onerosa. A gestação altruísta estaria de acordo com o princípio da não mercantilização da vida, prevista na Carta de Direitos Fundamentais da Europa e na Convenção de Direitos Humanos e também defendida pelo Conselho Médico Português.
Em 2016, o Parlamento aprovou uma lei permitindo a gravidez por substituição. Porém, o presidente da República vetou o texto integralmente. Em 2017, foi aprovada nova lei que não foi vetada, mas, posteriormente, foi considerada inconstitucional. Enquanto esteve em vigor, essa lei permitiu que pessoas de outros países europeus, principalmente da Espanha e da França, fossem a Portugal realizar o procedimento, possibilitando o que o palestrante chamou de turismo reprodutivo.
A lei aprovada em 2018 estabelecia que a gestação de aluguel é permitida, mas a gestante tinha o direito de se arrepender após o nascimento, tendo a necessidade de dar um novo consentimento. “Neste ponto, a Resolução do CFM é muito melhor, pois exige algum vínculo entre doadora e beneficiários, fazendo com que a probabilidade de conflito seja baixa”, opinou Dias Pereira.
Na Europa também há uma discussão sobre o anonimato do doador de esperma. Em julho deste ano, o Congresso português aprovou uma lei estabelecendo que o filho teria o direito de saber quem é o pai biológico. “O doador é anônimo, mas deve ser identificável”, explicou o conferencista.
No debate, Dias Pereira elogiou a Resolução do CFM nº 2.168/17, que regulamenta a reprodução assistida no Brasil. “A situação brasileira é melhor do que a portuguesa, pois além de vocês terem uma regra, ela está muito mais próxima da realidade”, afirmou.
A apresentação de Dias Pereira pode ser acessada aqui.