Está em curso a campanha "Todos contra a hanseníase", com distribuição de cartilha para orientação e prevenção
A Sociedade Brasileira de Hansenologia-SBH, entidade médica com sete décadas de atuação no país, divulgou uma carta aberta
sobre o cenário da hanseníase no Brasil. O documento analisa o problema e alerta autoridades para somar esforços no sentido
de enfrentar a doença.A Sociedade está com a campanha em curso "Todos contra a henseníase", que ganhou destaque com a passagem
do Dia Mundial do Hanseniano, em 24 de janeiro.
Segue a Carta Aberta da SBH na íntegra:
Há 70 anos trabalhamos no combate à hanseníase no Brasil, conhecemos
e convivemos com uma realidade que preocupa hansenologistas e profissionais de saúde das mais diferentes áreas. Por isso,
queremos e devemos alertar a sociedade brasileira – pais, educadores, autoridades de todas as áreas e esferas, adultos e crianças
– sobre o triste cenário que poucos conhecem, mas que a todos afeta: o Brasil ocupa 2° lugar no ranking mundial da doença,
atrás da Índia. A hanseníase cresce silenciosamente provocando sequelas irreversíveis e afastando do trabalho e do convívio
crianças, jovens, adultos e idosos.
Vários problemas se apresentam neste cenário: médicos despreparados para o
diagnóstico, profissionais da atenção básica sem treinamento adequado, universidades que formam médicos, enfermeiros, terapeutas
ocupacionais, fisioterapeutas e outros profissionais de saúde sem o preparo necessário para lidar com esta doença, educadores,
pais e formadores de opinião que evitam ou desconhecem totalmente o assunto, falta de recursos e interesse para pesquisa,
cobertura insuficiente da população pela estratégia saúde da família, além da problemática jurídica em torno dos direitos
das pessoas vítimas da hanseníase – doentes que passaram a vida em leprosários e filhos de pacientes que viveram internados
em preventórios mesmo sem ter a doença, sendo todos privados de seus direitos básicos e hoje esquecidos em antigas colônias
e dependendo de dedicados profissionais de saúde e da boa vontade de abnegados voluntários.
Pergunta-se então: que cura é esta que livra o doente do bacilo causador da hanseníase, mas deixa o paciente com incapacidades
que o afastam do trabalho e da sociedade? Nós, profissionais da saúde, um exército – que poderia e deveria ser bem maior –
que trabalha no combate à hanseníase neste país de alta endemicidade, nos indignamos com isso. O tema tem de voltar à escola
e a toda sociedade. Negar o assunto é conferir força a uma sucessão de erros gravíssimos para todo o Brasil: é estigmatizar
o paciente que acaba diagnosticado tardiamente, ou que nega a própria doença, é reforçar o preconceito, é contribuir para
que a hanseníase vitime mais seres humanos. O bacilo não escolhe raça, condição econômica ou cultural.
Alertamos
para o contingente altíssimo de doentes que sequer têm o diagnóstico e sabe-se lá quando cairão nas mãos de um agente comunitário
de saúde, um enfermeiro, médico, ou um amigo que os alerte e os encaminhe ao serviço especializado para devido tratamento.
Sabemos que o diagnóstico da hanseníase é difícil. Exames de laboratório conseguem identificar menos da metade dos
casos; o diagnóstico depende do preparo e treinamento do médico. Mas o médico capacitado reconhece a doença e isso basta para
que o paciente seja tratado e curado. O que não aceitamos é que doentes sejam "desdiagnosticados" e percam o direito a um
digno tratamento. Desdiagnósticos estes feitos por exames clínicos pouco acurados e, às vezes, baseados apenas na presença
exclusiva de lesões cutâneas, sem dar importância aos sintomas e também ao exame neurológico essencial para o diagnóstico
da hanseníase.
Por isso, alertamos toda a sociedade brasileira para que volte seus olhos para este tema que apresenta
índices ainda preocupantes em nosso país. É hora de assumir um problema e somar esforços para combatê-lo. Afinal, hanseníase
tem cura, temos medicamento gratuito em todo o país e profissionais de saúde capacitados e comprometidos com a causa – precisaríamos
muito mais, é verdade. E estamos comemorando o fato de o Brasil poder contar agora com mais 35 médicos hansenologistas que
passaram no Exame de Suficiência para obtenção do Título de Especialista em Hansenologia, realizado durante o 14° Congresso
Brasileiro de Hansenologia, que aconteceu de 8 a 11 de novembro de 2017, em Belém do Pará.
Além disso, contamos
com a campanha nacional Todos Contra a Hanseníase, uma estratégia de comunicação que criamos para "falar" com educadores,
pais, doentes de hanseníase que convivem com o preconceito, crianças, autoridades de Educação e Saúde, instâncias do Judiciário
brasileiro, políticos, imprensa e formadores de opinião em geral. Queremos que o assunto volte às salas de aula, que a hanseníase
seja ensinada como uma doença curável transmitida por um bacilo. Queremos que o Brasil tenha mais profissionais de saúde formados
e sensibilizados para diagnosticar a doença. E queremos, sim, aumentar os diagnósticos da doença, pois apenas assim podemos
contribuir para transformar um cenário doloroso no Brasil.
Temos, ainda, uma dívida impagável com as vítimas de
hanseníase e os filhos, muitas vezes sadios, de pacientes internados em instituições e segregados do mundo por longos anos.
São cidadãos que desconhecem suas origens e até hoje procuram pais, irmãos, filhos ou amigos. Países como o Japão reconheceram
o horror com que foi tratada esta população e buscaram reparar sua história com indenizações às vítimas do sistema segregador
e com preservação da história. Aqui chamamos a atenção da classe de advogados, Judiciário e Ministério Público.
A Sociedade Brasileira de Hansenologia está aberta a conversar com todos os públicos de interesse e continuará promovendo
treinamentos gratuitos a profissionais de saúde no Brasil. Não basta diminuir o índice de notificações oficiais. Precisamos
chegar a todos os doentes, quebrar a cadeia de transmissão do bacilo causador da hanseníase e, só então, começar a reverter
este triste cenário.
E aqui lançamos nosso último alerta, especialmente para secretários de Saúde dos municípios,
prefeitos, autoridades em geral e professores municipais: não é porque o índice de prevalência da hanseníase é baixo em suas
localidades que a doença não existe. Nossa experiência, em todo o Brasil, mostra que basta promover ações de busca ativa de
casos que o número de doentes se multiplica. Crianças são vítimas desta doença que leva de 5 a 10 anos para se manifestar.
Hanseníase é uma doença de lenta evolução, e esta criança se infectou pelo contato com alguém próximo, geralmente um familiar,
e também está transmitindo para seus amigos, parentes, vizinhos, podendo tornar-se incapacitada muito cedo. Por isso, é essencial,
digno e humano diagnosticar precocemente.
Reafirmamos nosso compromisso em combater a hanseníase no Brasil com
diagnósticos, treinamentos para profissionais de saúde e diálogo com a sociedade civil. Além disso, em 2018, vamos abrir diálogo
com outros públicos, a começar pelos educadores e o sistema judiciário. A sociedade civil brasileira pode também fazer o seu
papel e transformar este cenário. Convidamos vocês, público citado aqui, a falar sobre a hanseníase, a conhecer a cartilha
educativa "Todos Contra a Hanseníase", compartilhar este conteúdo, perguntar para o seu médico, conversar na escola e, finalmente,
respeitar o paciente vítima de hanseníase. Cada um tem um grande papel a fazer. Só assim podemos evoluir como sociedade.
Somos todos contra a hanseníase!
Claudio Guedes Salgado, Presidente SBH