27/07/2009
Só 25% dos oncologistas orientam sobre fertilidade
Maioria dos médicos não informa que quimioterapia pode gerar infertilidade.
Novas técnicas permitem preservação de gametas; entidade americana criou uma cartilha que traz informações sobre o
tema
Tratamentos de câncer podem deixar homens e mulheres inférteis, mas apenas 25% dos oncologistas orientam seus pacientes
jovens sobre o risco ou os encaminham a especialistas em reprodução, conclui uma pesquisa com 613 oncologistas americanos
publicada no "Journal of Clinical Oncology".
A constatação levou a Asco (sociedade americana de oncologia clínica) a elaborar um novo guia com orientações sobre a
preservação da fertilidade de pacientes com câncer (leia quadro nesta página).
Alguns tipos de droga quimioterápica, especialmente os usados no tratamento de linfomas, de leucemias e de câncer de mama,
causam taxas de infertilidade que variam de 50% (mulheres) a 70% (homens).
O problema ocorre porque os remédios usados para matar as células cancerosas podem destruir também as células germinativas
(que dão origem aos óvulos e aos espermatozoides).
No estudo, as principais dificuldades relatadas pelos médicos foram a conciliação entre a necessidade do início rápido
da quimioterapia e o encaminhamento ao especialista em reprodução e as eventuais providências e custos desse encaminhamento
-nem nos EUA nem no Brasil há cobertura dos planos de saúde para o congelamento de gametas.
Segundo o oncologista Paulo Hoff, diretor-executivo do Centro de Oncologia do Hospital Sírio-Libanês, hoje há uma série
de manobras das quais o médico pode lançar mão para preservar a fertilidade da mulher ou do homem, embora ele reconheça que
isso só seja aplicado em centros de referência.
"A gente pode propor uma menopausa [interromper a menstruação com drogas, preservando os ovários] antes do tratamento.
Mas, se o caso é um câncer de retroperitônio [atrás da cavidade abdominal] no homem, cujo tratamento pode deixá-lo sem ejaculação,
tem que guardar o sêmen antes."
Raridade
Essa atitude, porém, ainda é uma raridade no país, avalia o urologista Edson Borges Júnior, especialista em reprodução
assistida. Ele estima que menos de 10% dos oncologistas brasileiros manifestam a preocupação com a preservação da fertilidade
dos seus pacientes.
"Ontem mesmo atendi um jovem de 28 anos que teve câncer de testículo e tinha feito quatro sessões de quimioterapia quando
foi encaminhado [para a clínica de reprodução] para congelamento [do sêmen]. Já estava azoospérmico [não produz mais espermatozoides].
É alarmante."
Na avaliação de Borges Júnior, não há mais justificativa para os oncologistas agirem dessa forma. "Para congelar o sêmen,
você precisa de três dias para fazer duas ou três coletas. É muito rápido. Não tem nenhum tratamento médico que vá mudar em
três, quatro dias."
O ginecologista Artur Dzik, diretor do serviço de reprodução do Hospital Pérola Byington, concorda. Ele explica que tanto
as técnicas cirúrgicas como as de congelamento de óvulos, de esperma e de embriões evoluíram muito e que os pacientes oncológicos
deveriam ser orientados sobre isso.
O ginecologista Eduardo Motta, professor da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), explica que hoje há esquemas
mais rápidos que favorecem o processo de estimulação ovariana. "Antes, era preciso esperar a próxima menstruação, o que levava
de um a dois meses e poderia atrasar o início do tratamento oncológico. Hoje, é possível fazer o bloqueio [do ciclo] em três
dias e iniciar a estimulação [que demora em média 12 dias]."
O problema ainda tem sido a garantia de que os óvulos congelados irão resultar em gravidez. Se hoje as técnicas de criopreservação
garantem taxas de 90% de preservação dos óvulos após o descongelamento, as taxas de gravidez ainda são pequenas. "São necessários
ao menos 15 óvulos para uma gravidez viável", diz Motta.
Para Paulo Hoff, à medida que os tratamentos oncológicos têm mais sucesso, aumentando as taxas de cura, as expectativas
de qualidade de vida crescem na mesma proporção. "Quando tínhamos a ideia de que o câncer era uma sentença de morte, qualquer
tratamento que curasse a doença já era abraçado rapidamente. Agora, com chances de cura mais substanciais, as pessoas jovens
querem saber se vão poder ter filhos. Esse é um questionamento cada vez mais comum no consultório."
Ele conta o caso de uma paciente com tumor uterino. "A preocupação maior dela não era nem se iria se curar, mas se perderia
o útero. Felizmente, conseguimos preservá-lo."
Fonte: Folha de São Paulo