06/09/2007
Sinal verde para a criação de embriões "híbridos"
Governo britânico aprova estudos com produto de material humano e animal. Especialistas querem extrair células-tronco
Depois de clonar uma ovelha e implantar uma orelha nas costas de um rato, a ciência conseguiu licença sem precedentes
para nova façanha: produzir embriões híbridos, frutos da inserção de células humanas em óvulo animal. Apesar dos complexos
debates éticos, os pesquisadores garantem que o propósito da autorização - concedida ontem pela Autoridade de Embriologia
e Fertilização Humana (HFEA) do Reino Unido - é obter uma fonte quase inesgotável de células-tronco, estruturas diferenciadas
capazes de dar origem a vários tecidos.
"Não existe razão fundamental para se evitar pesquisas com embriões híbridos citoplásmicos (...) Essa não é uma luz verde
total para os estudos, mas um reconhecimento de que a área pode, com cuidado e escrutínio rigoroso, ser permitida", afirma
o documento da HFEA. A decisão beneficia dois cientistas que manipulam híbridos citoplásmicos formados por 99,9% de material
humano e 0,1% de componente animal. E atrai a ira da Igreja Católica e de organizações não-governamentais.
Stephen Minger, diretor do Departamento de Biologia das Células-Tronco do King´s College (Londres) e um dos autores da
pesquisa, lembrou que milhares de britânicos usam válvulas cardíacas de porcos. "Misturar células animais e humanas não é
algo novo", disse à rede de TV BBC. Ele e sua equipe pretendem criar embriões em óvulos extraídos de vacas. O material genético
será removido e substituído por células humanas. O objetivo de Minger é produzir células-tronco capazes de imitar células
humanas com doenças neurológicas, como males de Parkinson e de Alzheimer. O cientista Lyle Armstrong, da Newcastle University,
planeja uma investigação sobre o uso de células-tronco extraídas de embriões híbridos. A legislação exige que os embriões
sejam destruídos em 14 dias.
Cuidado
Bioéticos acreditam que as pesquisas serão cuidadosamente monitoradas. "O Conselho Nuffield de Bioética é bastante rigoroso
e dará permissão a um grupo restrito de pesquisadores", explicou Volnei Garrafa, coordenador da Cátedra Unesco de Bioética
da Universidade de Brasília (UnB). Ao considerar os riscos de a ciência criar seres bizarros, ele lembrou que o limite não
é mais técnico, mas envolve ética aplicada. "Se os cientistas quisessem, já estariam dando origem a híbridos sem que soubéssemos",
disse. Garrafa afirmou que a lei britânica controlará o número de embriões, restringirá o tempo de vida dessas estruturas
e proibirá fins que não sejam os de pesquisa.
O norte-americano Arthur Caplan, diretor do Centro de Bioética da Universidade da Pensilvânia, considera válida a decisão.
"As cobaias fornecerão uma base de dados para a pesquisa de doenças genéticas como fibrose cística, anemia falciforme, diabetes
juvenil e distrofia muscular", comentou. "A ciência terá condições de descobrir se essas enfermidades começam logo após a
concepção", acrescentou. De acordo com ele, os clones produzidos terão um tempo médio de vida de sete a 14 dias. "Esses embriões
são apenas uma ferramenta de pesquisa do interesse de uma minoria de cientistas cuidadosos", concluiu.
O termo "ferramenta de pesquisa" preocupa o britânico David King, presidente da organização não-governamental Human Genetics
Alert. O ativista menospreza a justificativa de que os embriões ajudariam a curar graves doenças e sustenta haver uma razão
para que a maior parte dos britânicos se oponha às pesquisas. Ao sublinhar que sua ONG é desprovida de vínculos religiosos
ou políticos, King disse que o embrião não pode ser considerado um nada. "Trata-se de uma entidade pequena e insignificante,
mas que merece respeito."
O Vaticano reagiu com indignação. "É um ato monstruoso que vai contra a dignidade humana", declarou o monsenhor Elio Sgreccia,
presidente da Academia Pontifical para a Vida. Ele exortou a comunidade científica a se mobilizar o mais rápido possível e
afirmou que o governo britânico cedeu diante de pedidos "imorais" de um grupo de cientistas.
Tabu mundial
Pesquisas com embriões híbridos são proibidas por lei em todos os países
A legislação não especifica o caso dos embriões híbridos, mas a Lei de Biossegurança - sancionada em 2005 - autoriza o
uso de células-tronco embrionárias, para fins de pesquisa, obtidas de embriões congelados pelo menos três anos antes da aprovação
da lei
Austrália
O país permite que embriões sejam criados para pesquisas, mas proíbe o desenvolvimento de híbridos. A exceção é para testes
da qualidade do esperma
Canadá
A legislação veta a criação de embriões híbridos
EUA
Verbas federais só podem ser usadas para pesquisas com embriões existentes, usados em tratamentos de fertilização. O país
proíbe a manipulação de embriões híbridos
Outros países
Itália e Alemanha somente permitem o uso de embriões já existentes. Áustria, Noruega e Tunísia vetam quaisquer pesquisas
com embriões.
Fonte: Correio Braziliense