14/09/2016
Distribuição desordenada, vazios de acesso e falta de capilaridade compõem a realidade brasileira. CRM-PR sediou evento sobre o tema na última terça (13)
Em 2016 o Brasil completa 10 anos de uma política cujo objetivo primordial é garantir à população acesso aos chamados serviços de verificação de óbito (SVOs), estruturas oficiais responsáveis pela realização de necropsias em pessoas que morreram sem assistência médica ou com diagnóstico de moléstia mal definida. Em uma década, não foram atingidos nem dois terços da meta de 74 SVOs de diversos portes, instalados, com apoio financeiro do Ministério da Saúde, em todas as unidades da federação – meta definida pelo próprio órgão do Poder Executivo federal para ser alcançada em quatro anos. Muitos dos estados mais populosos do país, como Bahia, Minas Gerais e Rio Grande do Sul, por exemplo, continuam sem serviço integrado à rede, ou, até mesmo, sem nenhum serviço disponível.
Os SVOs são peças fundamentais para a agilidade na liberação da declaração de óbito (DO), documento imprescindível para o encaminhamento burocrático da morte e para o sistema de vigilância epidemiológica no País. A política nacional sobre o tema foi definida pela Portaria do Ministério da Saúde GM/MS 1.405/2006, cujo objetivo era formar uma rede de informações epidemiológicas e fazer a gestão de uma rede nacional de SVOs no Brasil. O documento afirmava a necessidade da implantação de SVOs em todas as capitais de estado e no Distrito Federal, e em municípios de maior porte, bem como o cadastramento e a regulamentação dos serviços já existentes.
O levantamento do CFM sobre o tema, no entanto, mostra que tal meta ainda ficou longe de ser atingida. A porta A portaria basilar de 2006 foi revogada em 2009 e substituída nos anos seguintes por outras diretrizes que tratavam não mais de uma política específica de SVOs, e sim de políticas mais abrangentes de incentivo para ações e serviços de vigilância em saúde, que incluem os SVOs.
Aloísio Souza Felipe da Silva, pesquisador da Universidade de São Paulo (USP) e membro da Sociedade Brasileira de Patologia (SBP), explica que a ausência do serviço e seu controle gera uma lacuna importante na definição das causas de morte, com repercussões em vários âmbitos, como epidemiológico legal, de cidadania e direitos. Segundo ele, “as causas do óbito nos atestados são uma enorme fonte de informação epidemiológica para a gestão da saúde pública. Uma porcentagem alta de óbitos de causa indeterminada prejudica o direcionamento de recursos”.
Sem SVOs, médicos e população padecem
Quatro dos sete estados da região Norte não possuem nenhum serviço de verificação de óbito – nem integrado, nem independente da rede –, o que significa um vazio assistencial que atinge mais de 6 milhões de pessoas. A região, já marcada pela desassistência geral em saúde, também sofre com a pior situação em termos de acesso a SVOs.
No entanto, conhecer e analisar o potencial assistencial na área é um desafio. O próprio Ministério da Saúde afirma que sua função é somente manter o cadastro dos SVOs que compõem a rede nacional, ou seja, dos serviços que se habilitaram para o incentivo financeiro nos termos da Portaria GM/MS 1.405/2006 e normas correlatas.
O CFM encontrou, com o auxílio dos Conselhos Regionais de Medicina (CRMs), cinco casos de SVOs fora da rede e administrados localmente. Eles estão em Campo Grande (MS), Criciúma (SC), Cabo Frio (RJ), Poços de Caldas (MG) e Curitiba (PR).
Além disso, há locais onde o serviço de verificação de óbito é realizado de maneira improvisada ou extraoficial, como em Porto Alegre (RS), município onde o Samu cumpre essa tarefa. O conselheiro que representa o estado no CFM, Cláudio Franzen, reforça que essa tarefa não é atribuição do Samu. “Nós cobramos constantemente do governo que disponibilize o serviço institucionalizado, e até agora os gestores não se organizaram”, alerta.
Outro desafio que persiste é o fato de o Ministério não ter fixado o SVO como estabelecimento de saúde detectável em pesquisas no Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES), ferramenta essencial para propiciar o conhecimento real da rede assistencial brasileira e o exercício do controle social.
Os números apontam: São Paulo e Goiás concentram quase 40% dos serviços brasileiros, com 19 deles. Contudo, estados com alta densidade populacional estão muito distantes da meta traçada pela portaria que inaugurou a política de SVOs no País em 2006. No Rio de Janeiro, por exemplo, o Ministério listou apenas um SVO integrado à rede, em Campos dos Goytacazes, no norte do estado. O Conselho Regional de Medicina do Rio de Janeiro (Cremerj) apurou outro em Cabo Frio. Os dois destinam-se a atender a toda a população fluminense, a terceira maior do País, e nenhum fica na região metropolitana.
Fonte: CFM