02/12/2009
Senadores aprovam projeto que torna legal a ortotanásia
Se não houver recurso, próximo passo será aprovação pela Câmara dos Deputados, seguida pela sanção do presidente.
Pela proposta, médicos poderão deixar de realizar procedimentos de saúde que prolongariam a vida de doentes graves e incuráveis.
A CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) do Senado aprovou ontem um projeto que estabelece limites para o tratamento
de pacientes terminais, tornando lícita a ortotanásia. O termo significa deixar de realizar certos procedimentos que prolongariam
a vida de pacientes com doenças graves e incuráveis, evitando o sofrimento desnecessário.
É preciso haver consentimento do paciente -ou de sua família, se ele estiver impossibilitado- e diagnóstico de dois médicos.
A prática não é uma novidade nos hospitais, mas falta respaldo legal. Em 2006, o CFM (Conselho Federal de Medicina) aprovou
uma resolução que dizia que o médico poderia limitar ou suspender tratamentos, respeitando a vontade do paciente, mas a resolução
foi cassada pela Justiça no ano seguinte.
O novo Código de Ética Médico, que passa a valer a partir de abril, permite que os profissionais não adotem ações terapêuticas
inúteis a pacientes terminais sem chance de cura -ou seja, libera a ortotanásia.
A suspensão dos procedimentos, nos moldes do projeto de autoria do senador Gerson Camata (PMDB-ES), pode ser realizada,
por exemplo, num paciente terminal com câncer que tem uma parada cardíaca. "Existe motivo para reanimá-lo, com entubação,
massagem? Não", afirma o presidente do CFM, Roberto d Ávila.
Segundo Reinaldo Ayer de Oliveira, professor de bioética da USP, a ortotanásia não visa abreviar a morte do paciente,
apenas evita que ele continue sofrendo sem necessidade. O texto aprovado prevê a aplicação de cuidados da medicina paliativa,
que tem por objetivo eliminar a dor e garantir conforto ao paciente terminal ou com doença potencialmente fatal. O parecer
coloca como obrigatório o uso de meios terapêuticos "ordinários e proporcionais" com os pacientes.
O texto não especifica, porém, o que são meios ordinários ou extraordinários, o que poderia abrir brecha para a confusão
com a eutanásia, afirma o advogado Paulo Leão Junior, presidente da União dos Juristas Católicos do Rio de Janeiro.
"Alimentos e hidratação, mesmo que por sonda, são ordinários e devem ser mantidos", diz ele, que trabalha num texto mais
detalhado com a CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) -também favorável à ortotanásia.
Ficam excluídos da abrangência da norma pacientes mantidos por anos ligados a aparelhos -como o caso da italiana Eluana
Englaro, morta este ano após 17 anos em estado vegetativo, depois de retirados os tubos que a alimentavam.
Se não houver recurso, o projeto segue para a Câmara. E depois passa pela sanção do presidente. Na opinião do médico
Clóvis Constantino, conselheiro do CFM, o projeto não deve enfrentar resistência na Câmara. "Ele é muito bem aceito pelos
líderes ecumênicos. A aprovação acaba com essa confusão em torno do sufixo [tanásia vem do grego thanatos, que significa morte],
que confunde ortotanásia com eutanásia."
Desde 1999, no Estado de São Paulo, uma lei sancionada pelo então governador Mário Covas, estabelece o direito de um
doente terminal recusar o prolongamento de sua agonia e optar pelo local da morte. Covas, que morreu com câncer na bexiga,
beneficiou-se dessa lei.
Fonte: Folha de São Paulo