14/12/2006
SUScesso?
É essencial defender e melhorar o sistema público de saúde. Os princípios do SUS são adequados, mas ele
requer correções
O SUS (Sistema Único de Saúde) foi concebido para garantir aos brasileiros acesso equânime ao sistema de saúde,
garantindo direito constitucional. Ficou estruturado obedecendo a várias premissas. Nem todas foram viabilizadas, mas queremos
deixar claro nesta introdução que, num país como o nosso, é essencial defender e melhorar um sistema público de saúde e que,
segundo nossa opinião, os princípios básicos do SUS são adequados, requerendo a execução de correções e aperfeiçoamentos.
Deveria garantir ingresso universal, de forma integrada e hierarquizada, descentralizada, valorizando controle
social, como ainda trabalhando em coerência com a referência e contra-referência. Vamos analisar passo a passo tais informações.
- Acesso universal é verdadeiro: qualquer cidadão tem esse ingresso, que é provavelmente o maior sucesso do
sistema.
- Integração e hierarquização são fundamentalmente a mesma coisa, organização. Entendemos que uma pessoa conta
com porta de entrada, que precisaria ser uma unidade básica de saúde ou um serviço de emergência e, a partir daí, recebe atendimento
de acordo com a doença no local justo: desde posto de saúde para problemas menos graves até hospital de alta complexidade,
se for necessário.
O grande problema é a ineficiência do começo, pois nossas unidades básicas de saúde não estão satisfatoriamente
equipadas nem possuem pessoal treinado. O povo não é tolo; procura diretamente os hospitais universitários ou os setores de
saúde especializados, o que os deixa muito sobrecarregados. Maldade, mas a competência é penalizada.
- Descentralização é meta razoável em país deste tamanho e socialmente complexo. Para cumpri-la, torna-se
muito difícil implantar ações de vigilância sanitária ou laboratórios de saúde pública, que obrigatoriamente atuam de maneira
unificada no mundo todo e por excelentes razões, porquanto implicam atividades globais, envolvendo tecnologia.
- Descentralização em nível municipal acaba levando à compra de ambulâncias para jogar no município vizinho
ou no hospital universitário mais próximo os pacientes que a prefeitura não tem capacidade e muito menos vontade de atender.
- Referência e contra-referência são essenciais num planejamento integrado para que haja "feedback". Essencialmente,
quem envia o enfermo a um setor médico mais complexo deve receber de volta a informação sobre a situação dele -e o que foi
realizado. Os esclarecimentos nos vários níveis de atenção devem ser preservados e disponíveis a todos os que prestaram atendimento,
incluindo seu uso para próximas consultas.
Idealmente, conviria haver prontuário informatizado de cada paciente e com todos os dados pertinentes.
Contudo, o Ministério da Saúde não mostrou capacidade de fazer o que, para quem conhece informática, parece
muito simples, ou seja, colocar esses elementos num cartão magnético mantido em poder do paciente. - Controle social é imprescindível,
e os órgãos responsáveis por essa função são os conselhos de saúde em níveis municipal, estadual e federal.
O problema é que, do jeito que estão organizados, não dispõem de ação executiva e foram ocupados por ONGs.
Neles não estão representados todos os tipos de profissionais da área de saúde. Isso significa, entre outras coisas, que deliberam
sobre o que não conhecem tecnicamente, o que não é propriamente uma enorme novidade no Brasil; porém, configura perigo.
Além do mais, os conselhos em questão ganham o poder que o gestor executivo quiser lhes dar -e muitos não
dão nenhum poder nem recursos.
Como é freqüente, nos conselhos é difícil ver o todo, e cada ONG faz lobby para si -o que não está errado,
desde que ocorra de maneira clara, havendo propósitos capazes de compreender fundamentalmente o interesse público geral para
mediar as diferentes pressões legítimas.
Algo que faz muita falta no SUS e em toda a burocracia federal é a ascensão dos funcionários de carreira aos
cargos de chefia, o que cria uma casta de indicados politicamente que quase sempre não mostram competência e conhecimento
suficientes no âmbito da saúde.
Resumindo nossa opinião, o SUS veio para ficar. Precisa ser mais bem organizado e fortalecido. A solução dos
muitos problemas concernentes a ele é, como em tanta coisa, um choque de gestão e despolitização.
VICENTE AMATO NETO , 79, médico infectologista, é professor emérito da Faculdade de Medicina da USP.
JACYR PASTERNAK , 66, médico infectologista, é doutor em medicina pela Unicamp.
Fonte: Folha de S.Paulo - 08/01/2007