09/09/2013

SUS: serviço cada vez menos acessível

Rede pública perdeu mais de 12 mil leitos desde 2010, enquanto a particular ganhou 13.438 vagas

Enquanto o governo lança programas para o setor, o número de leitos na rede pública só cai - foram mais de 12 mil perdas desde 2010. Em contrapartida, a rede particular ganhou 13.438 vagas. Especialistas criticam "transferência" de responsabilidade

Nos últimos três anos e meio, enquanto a rede pública perdeu 12.697 leitos, a rede privada ampliou sua capacidade em 13.438 vagas de internação. A maior perda no Sistema Único de Saúde (SUS) se deu nas especialidade de psiquiatria, com 7.449 leitos a menos. Extraídos de levantamento feito pelo Conselho Federal de Medicina (CFM), os dados enriquecem o debate atual sobre a saúde, impulsionado desde o lançamento do Programa Mais Médicos, ao sinalizar um possível favorecimento do sistema particular em detrimento do SUS, que completa 25 anos de criação em 2013.

“Coincidência ou não (entre o número muito próximo de leitos fechados no SUS e abertos na iniciativa privada no mesmo período), esses dados são um paradoxo. É incompreensível que se transfira uma obrigação do Estado para uma área, por definição, suplementar”, afirma Carlos Vital, vice-presidente do Conselho Federal de Medicina. O Ministério da Saúde, por sua vez, informou em nota que, embora tenha havido queda no número total de leitos, entre 2007 e 2013, houve crescimento de 63% em vagas de Unidade de Terapia Intensiva (UTI), que passaram de 11,5 mil para 18,8 mil e tem tomado outras medidas para desafogar as urgências e emergências.

A interpretação dos dados sobre o número de leitos também divide a opinião de especialistas na área. Para a doutora em ciência da saúde Ana Costa, que é presidente do Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (Cebes), as informações denotam claramente um “percurso na contramão da Constituição”. “Nesses 25 anos de Constituição Federal, que criou o SUS para todos, assistimos a um crescimento paulatino do setor privado e dos mecanismos que o apoia, desde a dedução de gastos em clínicas nos impostos de cada um de nós até o próprio fomento para que os servidores públicos tenham planos de saúde”, afirma.

A redução de serviços públicos, segundo ela, não se justifica no Brasil em nenhuma hipótese. “Se fizermos o dever de casa, é possível que daqui a 30 anos a gente necessite de menos leitos, mas agora não se pode falar isso em qualquer área”, diz Ana Costa. Presidente do Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (Conasems), Antônio Carlos Figueiredo Nardi entende que a redução de vagas para internação no SUS não significa, necessariamente, desassistência. “Muitos leitos que foram desativados estavam em hospitais pequenos sem resolutividade, sem estrutura, servindo apenas de passagem para o paciente, não passavam de uma hotelaria”, defende.

Ele destaca como bem-vindo o fechamento de 7.449 vagas psiquiátricas, conforme a política antimanicomial instituída pelo governo há 12 anos, lembrando que boa parte dos leitos estavam ocupados por doentes crônicos que se tornaram moradores das unidades de saúde. “Muitos foram desinternados, levados para residências terapêuticas para serem tratados como seres humanos”, diz Nardi. Apesar do posicionamento, o médico reconhece que não houve a implantação a contento da rede de saúde mental, em serviço aberto, preconizada pela política governamental. “Não é desabilitando leito que o paciente vai desaparecer. Há dificuldades, sim, no acesso à assistência em algumas regiões”, pondera. De acordo com o Ministério da Saúde, essa é uma nova política que não prioriza a hospitalização de pacientes com agravos de psiquiatria. O atendimento a eles, segundo a pasta, pode ser feito em Centros de Atendimento Psicossocial (CAPS).

Nardi também aponta a área da pediatria — que perdeu 5.992 leitos nos últimos três anos e meio — como uma crítica. “O mercantilismo da profissão tirou a atratividade dessa especialidade, que não traz um retorno financeiro expressivo, além de colocar o profissional de prontidão 24 horas. Sobram vagas de pediatria nas residências”, diz o presidente do Conasems. Para ele, em relação aos leitos, muitos que eram cadastrados como infantis passaram a ser mistos, acomodando também adultos.

Para Vital, do CFM, os padrões de necessidade da rede pública brasileira não comportam a redução de leitos. “Há uma falta imensa de UTIs pediátricas na neonatologia. Nossa carência, em termos gerais, não é só na área primária, na saúde básica. As pessoas ficam seis, oito meses esperando para fazer uma cirurgia”, destaca o médico. O aumento no número de leitos da rede privada corrobora uma pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) que analisou os gastos em saúde no país, apontando que as famílias gastam 29,5% a mais em saúde que o governo. Enquanto as esferas federal, estadual e municipal aplicaram, em 2009, R$ 645,27 per capita, a despesa dos cidadãos foi de R$ 835,65.

Ministério

Como medida para descongestionar as urgências e emergências, a pasta informou que tem investido na criação de unidades de pronto atendimento (UPAs). “As UPAs conseguem resolver até 97% dos problemas dos usuários que as procuram sem necessidade de encaminhamento a um hospital. As unidades podem ter até 20 leitos. Existem também as salas de estabilização com até 30 leitos para tratar o paciente”, disse o ministério, em nota.

A pasta garante que tem buscado aliviar a situação dos hospitais por meio de programas como o Melhor em Casa, que oferece atendimento domiciliar, e o S.O.S emergência, que disponibiliza verba para compra de equipamentos e até leitos para os sistemas. Também existem ações que visam reforçar o atendimento no SUS assim como capacitação dos profissionais na atenção básica e ampliação da rede de cuidado à pessoa com deficiência, pela criação dos Centros Especializados em Reabilitação (CERs).

Fonte: Correio Braziliense

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