26/02/2009

SUS completa 20 anos, mas não implanta seus princípios fundamentais

O Sistema Único de Saúde (SUS) e suas bases doutrinárias foram geradas na 8ª Conferência Nacional de Saúde, que aconteceu em 1986, durante o processo de redemocratização do país e nas vésperas da realização da Constituinte de 1988. Portanto, as resoluções de 1986 embasaram na Constituição, as formulações do SUS, que foi regulamentado pela Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990.


Antes da criação do SUS, existia um sistema de saúde que atendia, no setor público, os pacientes que tinham direito aos Institutos de Assistência, que já haviam sido centralizados no antigo INAMPS.
Então, quem não tivesse direito e acesso ao INAMPS, tinha que ser atendido em outro sistema paralelo, que eram os sistemas públicos estaduais e municipais. Aqui no Rio de Janeiro, isso se exemplificava pelos antigos hospitais federais, que eram do INAMPS, e pela rede de postos de atendimento e hospitalar, que até hoje estão sob gestão do Município e do Estado. O Sistema Único de Saúde, como o nome diz, unificou o acesso da população a tudo isso e, a partir de alguns princípios, como o da universalidade, tornou o sistema aberto a toda e qualquer pessoa, sem a necessidade de comprovação de vínculo com alguma instituição. Por isso, ele tornou-se universal.


Outro dos seus pressupostos, o da hierarquização, baseava-se na idéia de que se criaria todo um sistema que abrangesse desde a saúde básica, passando pela atenção primária e secundária, até a hospitalar de alta complexidade, facilitando o acesso do paciente em qualquer um desses níveis. Assim, a população estaria integrada no sistema, recebendo atendimento de forma geral. Todas as patologias e doenças estariam cobertas pelo SUS.


O que aconteceu desde a Constituição de 1988 até agora, no mundo e no Brasil, é que foi implementado um tipo de política econômica batizada de neoliberalismo. Esta política pressupunha que a atuação da economia e das políticas de governo na sociedade fossem balizadas predominantemente pelos chamados mercados, retirando o caráter universal das políticas públicas e tornando-as pontuais, para cobrir problemas de desníveis sociais específicos.


Desta forma, o SUS, já no seu nascedouro, enfrentou uma realidade política e econômica adversa, que gerou o seu desfinanciamento progressivo, com a conseqüente falta de recursos, uma vez que a Constituição de 1988 previa que a verba para o SUS seria de 30% do orçamento da seguridade social. Esse percentual significaria atualmente, pelo menos, o dobro do orçamento atual do SUS. No entanto, com o tempo, foram encontrados artifícios legais para que o orçamento fosse diminuindo. Hoje, 20 anos depois, o SUS, já saindo da adolescência, ainda está em processo de afirmação, uma vez que ainda não conseguiu estabelecer regras adequadas e permanentes de financiamento.


O SUS atende a 80% da população brasileira, aproximadamente 150 milhões de pessoas, e consome 45% do total de gasto com saúde no país. Enquanto o setor de saúde suplementar, representado pelos planos de saúde, tem 40 milhões de usuários, que representam 20% da população e consomem 55% desse total de gastos. Esses dados demonstram sobejamente a necessidade de um financiamento melhor para o sistema público.


Nos últimos 20 anos, a União diminuiu sua participação total nos gastos com a saúde de 75%, em 1980, para 49%, em 2005, enquanto que os municípios e estados saíram de 25% para 51%. Com isso, podemos constatar que a União, proporcionalmente, diminuiu significativamente o seu financiamento para a saúde nesse período.


Hoje, o Brasil investe menos na saúde do que a Colômbia, Venezuela, Argentina, Cuba e Uruguai, isso em se falando de America Latina, pois nos países desenvolvidos se investe muito mais. Este quadro de desfinanciamento do sistema público começou a gerar impasses naturais para o crescimento do SUS, da infância à adolescência, não conseguindo a implantação das suas propostas iniciais.


Várias tentativas foram feitas para minimizar esse problema, como por exemplo a CPMF, reivindicada com bastante empenho, a época, pelo Ministro Adib Jatene, que foi aprovada pelo Congresso e acabou tendo a sua finalidade desvirtuada.


A constituição do SUS gerou ainda a possibilidade de um sistema complementar, que são as clínicas privadas conveniadas e remuneradas pela tabela SUS. Principalmente, no interior do Brasil, as clínicas conveniadas são responsáveis pela maioria dos atendimentos do SUS. Elas são pagas pela tabela SUS, que está completamente defasada, o que está levando clínicas e hospitais conveniados a uma situação de sérias dificuldades e desassistência à população. Os valores pagos pela tabela não cobrem as despesas das unidades de saúde conveniadas.


Na assistência pública, propriamente dita, o dia-a-dia tem mostrado os problemas decorrentes do baixo financiamento do sistema, como a sua não expansão, a falta de reequipamento das unidades e a remuneração vergonhosa dos profissionais, o que gera dificuldades para a própria gestão do SUS. Sem dinheiro ninguém faz milagre. De qualquer forma, a gestão do SUS pode e deve ser mais competente. Sem uma gestão profissional, começam-se a criar mecanismos exóticos e heterodoxos para tentar fugir dos problemas. Daí surgiram as propostas de Organizações Sociais, de Fundações e de precarização do trabalho médico.


Em relação aos impasses do SUS, uma questão muito importante é a interferência política na implantação do sistema. Um sistema único, que deveria funcionar como rede, não resiste a comandos políticos, às vezes, antagônicos, nos municípios, estados e no próprio governo federal. O exemplo disso é o Rio de Janeiro, onde historicamente a falta de entendimento político entre os três níveis de governo tem prejudicado bastante a implantação do SUS.


A questão dos recursos humanos hoje é a pedra de toque da viabilidade do SUS. O sistema público não tem conseguido uma aderência dos profissionais de forma permanente por causa da má remuneração e das precárias condições de trabalho. Se não houver a solução da questão dos recursos humanos, o SUS não se viabiliza. É necessário, portanto, a criação de um PCCS - Plano de Cargos, Carreiras e Salário, que estimule o médico e a adesão dos profissionais ao sistema.


Dentro da formulação do SUS, também foi criado, o chamado controle social, através dos Conselhos de Saúde, e construida uma visão utópica de que estes conselhos exerceriam o controle e a fiscalização necessários ao sistema. O que se viu foi o afrouxamento desses mecanismos pelo Ministério da Saúde ao longo do tempo, gerando, inclusive, a perda de controle da situação, como ocorria ao tempo da intervenção do governo federal na saúde do Rio de Janeiro.


Agora com 20 anos, o SUS, para dar certo, precisa se firmar definitivamente com um financiamento adequado, uma gestão profissionalizada e compartilhada entre todos os níveis de poder e com uma política de recursos humanos que valorize efetivamente os profissionais.


O desafio do nosso país é tornar a saúde uma real prioridade de governo, pois todas as pesquisas de opinião mostram que a saúde é o principal problema na visão da população. Um país, que se dá ao luxo de gastar R$ 150 bilhões/ano com juros da sua dívida pública, certamente pode, diminuindo o superávit primário, face à grande arrecadação de impostos gerada pelo desenvolvimento econômico, abrir o caminho para que o Congresso Nacional e os governos respondam aos anseios da população brasileira, aumentando significativamente o orçamento da saúde e fazendo a sua regulamentação definitiva.


Autor: Aloísio Tibiriçá Miranda - conselheiro do CFM e do CREMERJ

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