13/04/2012
STF autoriza aborto de anencéfalo
O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu ontem, 12 de abril de 2012, por oito votos a dois, que o aborto de fetos com má-formação
do cérebro (anencefalia) não pode ser considerado crime. Os ministros finalizaram o julgamento de um processo da Confederação
Nacional dos Trabalhadores na Saúde (CNTS).
Com esse entendimento, as gestantes que quiserem interromper a gravidez de fetos diagnosticados com a anomalia não precisarão
mais de autorização judicial. Os profissionais de saúde que realizarem o procedimento também não poderão ser responsabilizados
criminalmente.
O Código Penal autoriza o aborto apenas no caso de estupro ou de claro risco à vida da gestante e estabelece penas de
reclusão tanto para a mulher quanto para o médico que realizar a interrupção da gravidez.
O ministro Marco Aurélio Mello, relator do caso julgado pela Corte, defendeu, em seu voto, que o Estado não pode impor
a continuidade de uma gravidez inviável, sob pena de violar o princípio da dignidade da mulher e de aplicar à gestante uma
tortura psicológica. Ele afirmou que o próprio Conselho Federal de Medicina, na Resolução nº 1.752, de 2004, classifica os
anencéfalos como natimortos cerebrais e disse que a gravidez em casos de anencefalia tem índice de mortalidade de 100% para
o feto. Por isso, a interrupção da gestação não pode, segundo Mello, ser criminalizada. Cabe à mulher, e não ao Estado, sopesar
valores e sentimentos de ordem estritamente privada, para deliberar pela interrupção, ou não, da gravidez [de anencéfalos],
disse o ministro.
Segundo Marco Aurélio, o Código Penal não autoriza o aborto de anencéfalos porque, em 1940, quando a lei foi editada,
os diagnósticos médicos não possibilitavam detectar a anomalia. O ministro Gilmar Mendes ponderou, por sua vez, que a falta
de previsão legal não deve impedir a interrupção de gestações de fetos com anencefalia. Não é razoável e tolerável que se
imponha à mulher tamanho ônus por uma falta de um modelo institucional adequado de proteção, afirmou.
Ao longo do julgamento, que durou dois dias, os magistrados não discutiram outras situações, diferentes da anencefalia,
em que o aborto poderia futuramente ser permitido. Não estamos autorizando práticas abortivas nem legitimando a prática do
aborto, disse o ministro Celso de Mello ao explicar a extensão dos debates da Corte.
Em seus votos sobre a possibilidade de aborto de anencéfalos, os ministros também reforçaram a premissa de que a decisão
que tomavam não levaria em consideração crenças religiosas. O Estado não é religioso, tampouco ateu. O Estado é simplesmente
neutro, resumiu Marco Aurélio Mello. A decisão dos ministros foi acompanhada, em Plenário, por representantes de entidades
religiosas. No primeiro dia de julgamento, um bebê supostamente anencéfalo, com dois anos e três meses de vida, foi levado
pelos pais à Corte.
Primeiro ministro a votar em sentido contrário à autorização do aborto de fetos com anencefalia, Ricardo Lewandowski disse
que o Poder Judiciário não pode, por uma interpretação própria, ampliar as possibilidades de interrupção legal de uma gravidez.
Segundo ele, apenas ao Congresso Nacional poderia, se desejar, alterar o Código Penal para incluir novas hipóteses de aborto
legal.
O Congresso Nacional, intérprete último da vontade soberana do povo, poderia ter alterado a legislação criminal vigente
para incluir o aborto de fetos anencéfalos dentre as hipóteses de interrupção da gravidez isenta de punição, afirmou Lewandowski,
que ainda demonstrou preocupação com o fato de a decisão favorável da Corte sobre o aborto de fetos com anencefalia poder
abrir espaço para a interrupção de gestações de fetos com outras anomalias genéticas.
O presidente do Supremo, Cezar Peluso, que também votou contra a autorização do aborto para fetos anencéfalos, disse que
o caso analisado ontem é o mais importante da história da Corte porque se tenta definir o alcance constitucional do conceito
de vida. Ao se manifestar contra o aborto, ele afirmou que o feto anencéfalo não pode ser reduzido à condição de lixo e disse
que classificá-lo como alguma coisa imprestável equivale a uma forma de discriminação.
Fonte: Valor Econômico