10/02/2010
Rojões, indicadores e o futuro do SUS
Os resultados da Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE) e do estudo Vigilância de Fatores de Risco e Proteção
para Doenças Crônicas (Vigitel 2008) - ambos financiados pelo Ministério da Saúde e divulgados recentemente - indicam caminho
promissor para o país no que se refere à promoção dos hábitos saudáveis e à prevenção de doenças. Por exemplo, a PeNSE mostrou
que 76% dos estudantes brasileiros nunca experimentaram um cigarro na vida. Revelou, ainda, que 80% dos alunos da rede pública
aprenderam a evitar a gravidez precoce em sala de aula.
Já o Vigitel 2008 apontou queda de 20,5% nas mortes por doenças cardiovasculares num período de 16 anos (de 1990 a 2006).
Na população de 20 a 74 anos, observou-se que o risco de morte caiu de 187,9 por 100 mil habitantes, em 1990, para 149,4 por
100 mil habitantes, em 2006, ou seja, menos 1,4% ao ano. Isso sem contar com a queda de 30,9% das mortes especificamente por
doenças cerebrovasculares (AVC) no mesmo período.
Diante de quadro estatístico tão alvissareiro, as autoridades brasileiras se apressaram a assumir a paternidade (a esquerda
e a direita) dos indicadores e atribuí-los à adoção de políticas e programas governamentais. Lembraram-se, inclusive, de reconhecer
o papel da assistência à saúde pela expansão da atenção básica, hoje ancorada no Programa Saúde da Família (PSF), peça chave
no repasse de informações e no diagnóstico precoce de doenças crônicas que, nos tempos modernos, insistem em engrossar os
dados de mortalidade.
Falou-se que o Ministério da Saúde está no caminho certo e em condições de combater os principais problemas enfrentados
pela população. Se, por um lado, como cidadãos, nos regozijamos com o êxito nacional, por outro sentimos a necessidade de
fazer um alerta: o tom ufanista, o clima do já ganhou - tão comum às torcidas antes dos grandes embates - não faz bem à saúde
e deveria ser substituído urgentemente.
Não podemos negar que o Brasil da atualidade está anos-luz à frente daquele que se debatia com a ausência de uma política
pública eficaz no campo da assistência. Em 1988, o Sistema Único de Saúde (SUS) trouxe esperança de acesso universal, integral
e equânime a milhões de pessoas que dependiam da filantropia. O modelo tornou o Brasil referência internacional e deu norte
ao conjunto de atividades de promoção, prevenção, diagnóstico, tratamento, capacitação de profissionais, vigilância e assistência
farmacêutica. Mas como manter tais políticas e programas enaltecidos pelo Ministério da Saúde na sua rota de sucesso?
Essa resposta se configura tão complexa quanto o enigma que encerra. E, como provocadores dessa reflexão, nos sentimos
obrigados a apontar ao menos duas saídas. A primeira é a definição de uma fonte de financiamento estável para o SUS. A regulamentação
da Emenda Constitucional nº 29, que há anos se arrasta pelo Congresso Nacional, clama pelo engajamento do governo e pela união
de forças políticas e de diferentes segmentos da sociedade que a levem à aprovação definitiva. A existência do SUS depende
diretamente de recursos nos três níveis de gestão (federal, estadual e municipal), sem os quais se torna inviável manter seus
princípios (universalidade, integralidade, gratuidade, equidade, controle social) e ampliar sua linha de cuidados.
A segunda saída se relaciona ao reconhecimento do papel dos profissionais da saúde, especialmente dos médicos, sobre
os quais repousa a responsabilidade de colocar em prática as propostas desenhadas pelos sanitaristas de Brasília. Para tanto,
a criação de uma carreira de Estado para esses profissionais permitiria levar assistência aos brasileiros de todos os cantos
do país. Tal compromisso implica assegurar aos que fazem a saúde nossa de cada dia boa infraestrutura de trabalho, uma rede
integrada capaz de absorver os casos mais graves e salários compatíveis com a responsabilidade e as exigências pertinentes.
Ora, sem recursos assegurados e no vácuo de uma política de reconhecimento da mão de obra em saúde, entre outras providências
também urgentes, o tempo dos festejos pode estar perto do fim. As autoridades e a sociedade devem impedir que esses projéteis
atinjam em cheio a maior política social do mundo, e mude o rumo do SUS, fazendo-o marchar, sem escalas, para o abismo.
Roberto Luiz D Ávila - Presidente do Conselho Federal de Medicina