06/02/2020

Revista científica relembra contribuição paranaense à descoberta do gene da Síndrome de Rett

Pesquisa da origem da doença neurológica no gene MECP2 contou com a colaboração de família interiorana e equipe clínica que fazia o atendimento das pacientes em Curitiba

O singular caso de uma família do interior do Paraná com histórico de três irmãs portadoras de uma doença rara, nos anos 90, aliado à percepção clínica e engajamento da equipe responsável pelo atendimento das crianças, realizado em Curitiba, teve elevada contribuição na descoberta do gene causador da Síndrome de Rett, há pouco mais de vinte anos. A história é lembrada pela edição de dezembro da revista Arquivos de Neuro-Psiquiatria, editada pela Academia Brasileira de Neurologia.

clique para ampliarclique para ampliarSecretário-geral do CRM-PR e o Dr. José Luiz. (Foto: CRM-PR)

O artigo é assinado pelos médicos José Luiz Pinto Pereira, neuropsiquiatra de Curitiba; Orlando Graziani Povoas Barsottini e José Luiz Pedroso, ambos do Departamento de Neurologia da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP); e Alex Tiburtino Meira e Hélio Afonso Ghizoni Teive, do Serviço de Neurologia da Universidade Federal do Paraná.

Na nota histórica, é feito um breve relato sobre o conhecimento da síndrome neurológica, que atinge majoritariamente meninas. Responsável pelo comprometimento progressivo das funções motoras e intelectuais dessas crianças, a doença manifesta-se inicialmente a partir dos seis meses até cerca de dois anos de idade. Descrita pela primeira vez nos anos 60 pelo pediatra austríaco Andreas Rett, a patologia somente foi reconhecida internacionalmente quase duas décadas depois.

Identificação de casos

Desde então, a Síndrome de Rett passou a ser estudada por pesquisadores do mundo inteiro. Por ser uma doença sem ligações hereditárias aparentes, sua delimitação genética era um desafio a ser superado. Com milhares de casos já reportados pela literatura, a patologia parecia ser um produto do acaso, dentro das muitas mutações a que o organismo humano está suscetível. Esse cenário começou a mudar com a constatação, por uma equipe de Neurologia Infantil do Hospital do Trabalhador de Curitiba – na época Hospital Geral do Portão –, de que três meninas de uma mesma família eram portadoras da síndrome.

clique para ampliarclique para ampliarArtigo foi publicado na última edição da Arquivos de Neuro-Psiquiatria. (Foto: Reprodução)

“Eu trabalhava na enfermaria de Neurologia Infantil do HT, fazendo o atendimento de pacientes das APAEs de todo o Paraná, quando soubemos dessa família com três casos de irmãs consistentes com o diagnóstico da Síndrome de Rett”, relata o neuropsiquiatra José Luiz Pinto Pereira (CRM-PR 5.829). A família era acompanhada pela APAE de Jaguariaíva e foi encaminhada por um psicólogo da instituição, após o Dr. José Luiz, que havia se interessado pela doença, ter colocado anúncios em diversos jornais com uma breve descrição dos sintomas da doença, em busca de mais casos semelhantes.

Por ainda não haver um marcador biológico para a síndrome, o diagnóstico era baseado apenas na análise do histórico dos pacientes e em exames clínicos. “Com fundamental apoio da chefia da Pediatria do HT, que era exercida pelo Dr. Luiz Ernesto Pujol, nós internamos as três crianças para avaliações”, lembra o neuropsiquiatra.  

Contribuição à pesquisa

Em 1996, apoiado por entidades ligadas às famílias de pacientes com a síndrome, o Dr. José Luiz apresentou o caso das três irmãs em uma conferência médica realizada na cidade de Gotemburgo, na Suécia. O caso chamou especial atenção da neurogeneticista Sakkubai Naidu, que atuava no Kennedy Krieger Institute, instituição voltada ao tratamento e pesquisa de crianças com deficiências e ligada à Universidade John Hopkins, nos Estados Unidos. Pesquisadora da doença havia pelo menos uma década, ela convidou o Dr. José Luiz a levar a família para Baltimore, onde poderiam realizar uma série de exames complementares.

clique para ampliarclique para ampliarMédico paranaense e a neurogeneticista Sakkubai Naidu. (Foto: Arquivo)

A viagem ocorreu no ano seguinte, em outubro, sendo que o Dr. José Luiz acompanhou a família, custeando suas despesas com passagens e hospedagens. Durante quinze dias, o neuropsiquiatra acompanhou a mãe e as duas filhas com a síndrome – a filha mais velha havia falecido no início de 1997, aos 12 anos –, que na época tinham cinco e nove anos de idade. Também foram outras duas meninas da mesma família, de dois e de 19 anos, que não tinham a doença. O fato recebeu grande cobertura da imprensa à época, como a reportagem publicada pelo jornal The Wahington Post.

Descoberta do gene MECP2

Dois anos após a contribuição da família paranaense às pesquisas sobre a Síndrome de Rett, o gene MECP2 foi finalmente descoberto, em novembro de 1999. Doença de herança dominante ligada ao cromossomo X, a maior parte dos casos decorre de mutação nova durante a gametogênese paterna. Dessa forma, ocorre quase exclusivamente no sexo feminino (99,5%), sendo que o risco de repetição da síndrome na mesma família é considerado muito baixo.

No caso das três irmãs de Jaguariaíva, houve a transmissão materna, em um caso ainda mais raro em que a mãe carregava a mutação no gene MECP2, porém sem apresentar os sintomas usuais da doença. Tal excepcionalidade ocasionou a manifestação da síndrome nas três meninas, abrindo o caminho para a descoberta da origem genética da doença e, quem sabe, uma possibilidade de se encontrar algum tipo de tratamento no futuro.

clique para ampliarclique para ampliarDra. Lara Luiza, lado do pai e do conselheiro Luiz Pujol, ao receber a carteira médica. (Foto: CRM-PR)

No próximo dia 13 de fevereiro, o Dr. José Luiz visitará a Clínica Rett e o Centro Médico para Transtornos do Desenvolvimento Infantil do Kennedy Krieger Institute, anexo ao Hospital John Hopkins. O neuropsiquiatra retornará à instituição após mais de duas décadas, quando acompanhou a família das três irmãs com a síndrome. Ele estará acompanhado de sua filha, a médica Lara Luiza Silvello Pereira (CRM-PR 42.602), que inicia em breve a residência em Radioterapia no Hospital Angelina Caron.

Ao recepcionar o Dr. José Luiz na sede do Conselho de Medicina, o secretário-geral Luiz Ernesto Pujol cumprimentou o médico pelo trabalho persistente e agradeceu a deferência pelo período que esteve na chefia da Pediatria do HT. Aproveitou para destacar o engajamento de outros profissionais no início do processo, como o Prof. Dr. Rui Pilotto, do Hospital de Clínicas da UFPR e que contribuiu em suas áreas de atuação, genética clínica e médica. O conselheiro do ainda congratulou-se com a diplomação da Dra. Lara Luiza e sua ascensão a uma vagas de residência. Na infância, a hoje médica foi paciente do Dr. Pujol.

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