Ingestão de medicamentos para fins distintos dos recomendados pelo fabricante oferece mais riscos do que ganhos para a
saúde
Em setembro, uma matéria publicada pela revista Veja apontando os benefícios do uso do Victoza, um medicamento recém-lançado
para diabete tipo 2, mas que vem sendo usado como facilitador de emagrecimento, promoveu uma corrida às farmácias. Os resultados
do remédio, segundo a reportagem, eram incríveis. Facilmente um paciente poderia perder de dez a quinze quilos em poucas semanas.
A resposta da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), porém, foi taxativa: como a utilização para perda de peso
não estava registrada em bula - o que caracterizaria uso off label (fora da bula, em tradução livre do inglês) -, não era
recomendada a administração do remédio para emagrecer.
Para quem acha o alerta puramente pessimista, a coordenadora do curso de Farmácia da Pontifícia Universidade Católica
do Paraná (PUCPR) e conselheira do Conselho Regional de Farmácia do Paraná (CRF-PR), Cynthia Bordin, explica que a prática
de tomar medicamentos para fins não prescritos em bula realmente não é recomendada, já que os riscos são muito maiores que
os possíveis benefícios.
"Um remédio passa por uma série de testes e só é comercializado se for verificado que seu uso é seguro para tratar uma
doença. Se você opta pelo off label, não sabe quais as implicações para o seu organismo porque não foram feitos estudos para
testar esse uso alternativo", explica. "É um tiro no escuro que tem grandes chances de dar errado."
O principal problema, segundo a médica endocrinologista e presidente da Câmara Técnica de Medicamentos do Conselho Regional
de Medicina do Paraná (CRM-PR), Monica Kastrup, é a falta de conhecimento sobre os possíveis efeitos do medicamento em pessoas
saudáveis em longo prazo.
"A discussão é até que ponto vale a pena usar um medicamento sem a segurança do que pode acontecer. Desde problemas hepáticos,
cardíacos, neurológicos e renais, que podem deixar sequelas permanentes, até casos de parada cardíaca e óbito, nada pode ser
descartado se não temos testes que demonstrem as possíveis reações."
Outra ressalva é que cada organismo reage de maneira única quando é exposto a uma medicação: o que faz bem para um,não
necessariamente vai ter efeito positivo em outro. "Também há o risco da dosagem excessiva, já que, sem estudos, não é possível
saber qual a quantidade de medicamento necessária para cada caso."
Discussões antigas
O farmacêutico e assessor técnico do Conselho Federal de Farmácia (CRF) José Luiz Miranda Maldonado explica que as
discussões sobre o uso off label de medicamentos são antigas e, hoje, influenciam uma "briga" entre as indústrias farmacêuticas.
"Basicamente, se a pesquisa mostra que um determinado remédio oferece efeitos colaterais e eles podem ser comercialmente
mais atrativos que o intuito inicial da pesquisa, muda-se o foco e investe-se nesse efeito colateral como solução para outro
problema."
Um exemplo disso é o Viagra. Inicialmente, o medicamento foi pesquisado como um vasodilatador que poderia revolucionar
o tratamento de hipertensão pulmonar. Durante a fase de testes, verificou-se que um dos efeitos adversos nos pacientes era
um aumento da ereção peniana. "Não deu outra: em algum tempo o uso principal foi deixado de lado e o Viagra virou a sensação
das farmácias por seu efeito, até então secundário, contra a disfunção erétil."
Indicação de Victoza como emagrecedor merece cautela
Para a coordenadora do curso de Farmácia da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), Cynthia Bordin, a
palavra de ordem quanto ao Victoza é cautela. Segundo ela, fica clara a necessidade de mais testes para dar segurança à
prescrição para perda de peso.
"Por ser um medicamento novo, não sabemos ao certo qual o efeito colateral em pacientes diabéticos que o usam por muito
tempo. Nos casos de pessoas sem a doença que o utilizam, o conhecimento é ainda menor e não fazemos a mínima ideia das
implicações em longo prazo."
A presidente da Câmara Técnica de Medicamentos do Conselho Regional de Medicina do Paraná (CRM-PR), Monica Kastrup,
explica que o dia a dia com o medicamento não é tão agradável quanto a revista Veja mostrou há algumas semanas. "Só
o preço já assusta: cada embalagem custa R$ 400. Além disso, ele causa náuseas, enjoo e exige cautela porque altera a quantidade
de hormônios, o que pode render problemas na tireoide."
Para ela, o medicamento virou a sensação devido a uma falsa promessa "milagrosa". "Todos buscam uma fórmula mágica, mas
é fantasioso achar que um medicamento vai fazer a pessoa emagrecer sem qualquer esforço."
Fonte: href="http://www.gazetadopovo.com.br/saude/conteudo.phtml?tl=1&id=1175798&tit=Remedio-vira-vilao-em-usos-nao-previstos-em-bula"
target="_blank">Gazeta do Povo
Publicado em 03/10/2011