11/07/2013

Remanejamento forçado

Editorial Gazeta do Povo - serviço obrigatório

Forçar os egressos das faculdades de Medicina a passar dois anos trabalhando no SUS, condicionando a entrega do diploma a essa prestação de serviço, é uma interferência injustificável na liberdade profissional do cidadão

É compreensível a perplexidade do governo petista com as demandas por melhor qualidade na rede pública de saúde, um dos principais motes das recentes manifestações de rua. Afinal, em 2006, o então presidente Lula havia assegurado, em Porto Alegre, que o Brasil “não está longe de atingir a perfeição no tratamento de saúde”. Em 2010, ao inaugurar uma Unidade de Pronto Atendimento no Recife, Lula disse que “dá até vontade de a gente ficar doente para ser atendido aqui”. É de se imaginar o tamanho do choque que as autoridades federais, imersas na realidade alternativa inaugurada por Lula, tiveram ao descobrir que, no Brasil real, a situação da saúde pública é precária. E, assim, para dar uma resposta rápida à sociedade, Dilma e sua equipe passaram a atirar para todos os lados.

Primeiro, no pronunciamento em cadeia nacional feito no auge dos protestos de rua, em 21 de junho, Dilma falou em “trazer de imediato milhares de médicos do exterior para ampliar o atendimento do Sistema Único de Saúde (SUS)”. Era a reciclagem da antiga ideia de trazer milhares de médicos cubanos sem a necessidade de revalidar seu diploma – afinal, dos profissionais cubanos que se inscreveram no Revalida em 2011 e 2012, só pouco mais de 10% foram aprovados. A ideia desse intercâmbio com a ditadura dos Castro foi tão torpedeada que o governo passou a mirar países ibéricos e vizinhos sul-americanos. E, ontem, foram publicadas no Diário Oficial as regras do programa “Mais Médicos”, anunciado anteontem e que contém uma absurda obrigação: para conseguirem seu diploma, todos os estudantes de Medicina que começarem a faculdade a partir de 2015 terão de prestar dois anos de serviço obrigatório no SUS, além dos seis anos habituais de formação.

Obrigar os jovens médicos a trabalhar no SUS por mais dois anos, condicionando a entrega do diploma ao cumprimento desse período de serviço, corresponde a um grau absolutamente injustificado de interferência na vida privada do profissional. O curso de Medicina já é o mais longo entre as carreiras universitárias do país, levando o estudante a iniciar sua vida profissional mais tarde que os egressos de outros cursos, e aquele que completou adequadamente seus estudos tem o direito de definir quando e onde se dará esse início – tanto que esta liberdade é protegida pela Constituição Federal, no inciso XIII do artigo 5.º. A excessiva interferência governamental na carreira dos jovens médicos tem ainda um perigoso efeito colateral: o desestímulo à procura pelo curso de Medicina, agravando o problema que o governo diz querer combater.

É verdade que existe um problema de falta de médicos em muitos rincões do país, criando inúmeras dificuldades para o cidadão. No entanto, a pesquisa Demografia Médica no Brasil 2013, do Conselho Federal de Medicina, apontou a presença de dois médicos para cada mil brasileiros – o Ministério da Saúde fala em 1,8 médico por mil habitantes. A proporção é menor que a observada em vários países desenvolvidos, e mesmo da América do Sul, mas ainda assim é superior à recomendação da Organização Mundial da Saúde (um médico para cada mil habitantes). O problema, então, não é tanto de falta de médicos, mas de sua distribuição desigual.

Se, como argumentamos, é inaceitável atacar a liberdade profissional dos jovens médicos, é preciso buscar outras soluções para não deixar brasileiros desassistidos. Levar profissionais à força para regiões que carecem de médicos – em outras palavras, pessoas que contam os dias para conseguirem a liberdade de trabalhar onde desejarem – ajuda muito pouco a resolver esse problema. Em vez disso, seria excelente que o poder público investisse na infraestrutura mínima para que os médicos tenham boas condições de trabalho em localidades carentes de médicos. Oferecer incentivos financeiros ou usar o aproveitamento do trabalho nessas regiões como critério em concursos públicos também são alternativas muito melhores que a adoção de medidas que restrinjam a liberdade dos médicos recém-egressos de suas faculdades.

Editorial do jornal Gazeta do Povo, publicado em 10/07/2013.

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