22/05/2007

Reforma nos serviços de saúde

Convite para uma análise sobre o sistema de saúde americano



A maioria dos americanos pensa que seu sistema de saúde está falido - e eles estão certos. Isto foi tido como um truísmo entre os democratas por anos. Recentemente, os republicanos também se converteram. Na condição de governador de Massachusetts, Mit Romney, um concorrente à indicação presidencial do Partido Republicano, patrocinou uma reforma que ampliou o acesso ao seguro saúde em seu Estado, e o Legislativo lhe conferiu apoio bipartidário avassalador. Na Califórnia, Arnold Schwarzenegger (outro republicano), propôs um plano semelhante. Todos os candidatos presidenciais deverão sofrer pressões em torno dos seus planos de saúde.


Quais princípios deverão norteá-los? A cobertura universal do seguro deve ser uma prioridade. Está além da compreensão que um país rico como os EUA tenha falhado, sozinho entre as economias mais avançadas, em garantir isso. Uma segunda exigência central é um mecanismo eficaz para conter custos - lembrando que o sistema de saúde dos EUA, apesar das grandes disparidades em cobertura, é de longe o mais caro do mundo. Uma terceira exigência, desejável por si só e que também é política, é a promessa de que a qualidade do serviço não poderá cair para aqueles que já estão cobertos (a maioria).


Alcançar estes três quesitos simultaneamente, ainda que seja possível, será difícil - bem mais difícil do que alega a maioria dos defensores da reforma. Acordos precisarão ser pactuados. Por enquanto, poucos políticos da esquerda ou da direita se dispuseram a enfrentar isso. Os reformistas dizem que procuram o melhor serviço possível ao menor custo possível para todos. Este é um lema simpático, mas os seus dois primeiros componentes constituem um objetivo sem sentido; é como dizer "corra o mais longe que puder, o mais rápido que puder".


Nos planos de Massachusetts e da Califórnia, está ausente o necessário mecanismo de controle de custos. O seguro obrigatório, uma característica dos dois programas, deverá provê-lo através da ampliação dos grupos de seguro privados e cuidar dos beneficiários isentos (pessoas que recebem assistência sem pagar). Estas coisas certamente são desejáveis e poderiam custear parte dos gastos do acesso mais amplo de uma vez por todas. Olhando adiante, contudo, elas não oferecem nada para pressionar para baixo os custos do crescimento, um aspecto central e agravante do problema do serviço de saúde dos EUA.

Reformadores mais ambiciosos da esquerda, por outro lado, têm um mecanismo de controle de custos em mente: supervisão central, exercida pelo governo. Será que isso comprometerá a qualidade? De forma alguma, reza o argumento. A Europa indica o caminho. Simplesmente expurgue o tema lucro - tire as gananciosas seguradoras privadas de cena - e coloque um governo hábil no comando. Resultado: acesso universal, menores gastos e excelentes resultados sanitários serão obtidos simultaneamente. Simplesmente pergunte a qualquer europeu.


Esse zelo por comparação internacional é bem-vindo, na mesma medida em que é incomum (nos EUA), mas as pessoas que estão fazendo as comparações precisam viajar um pouco mais. Todos os governos da Europa têm um papel maior no pagamento dos serviços de saúde na comparação com os EUA, e todos oferecem cobertura universal. Certamente, seus sistemas têm esses grandes temas em comum. Mas em cada outro aspecto eles são bastante diferentes.


Reformadores americanos mais ambiciosos da esquerda têm um mecanismo de controle de custos em mente: supervisão central, exercida pelo governo



Paul Dutton, da Universidade Northern Arizona assinala em uma história comparativa dos dois sistemas, prestes a ser publicada, que a abordagem da França, amplamente admirada, é de muitas formas bem semelhante à dos EUA - e mais próxima à dos EUA que à do Reino Unido ou da Alemanha ("Differential Diagnoses", Cornell University Press, a ser publicado neste outono). Em outras palavras, não existe nenhum "modelo europeu", quanto mais um que seja estável e popular. Nem todos os europeus estão satisfeitos. Os sistemas de serviços de saúde estão submetidos a pressões fiscais por toda a parte, passando por reformas em todos os lugares e protagonizando disputas políticas por todos os cantos.


O sistema francês, no entanto, é inegavelmente sedutor. Encabeçando a classificação elaborada pela Organização Mundial do Comércio, o país ofereceu cobertura universal desde 2000, combina um grande número de seguradoras públicas e privadas (como nos EUA), confere uma grande autonomia aos pacientes na escolha dos fornecedores de atendimento básico e/ou especialistas (como nos EUA) e faz isso tudo por aproximadamente 10% do Produto Interno Bruto - caro pelos padrões europeus, mas mais barato que os 14% dos EUA. Há poucas décadas, antes de as reformas terem ampliado sua cobertura, o sistema parecia ser ainda mais americano do que é hoje. Portanto, será que a França indica o caminho para os EUA?


Há dois obstáculos. O sistema francês solucionou o equilíbrio entre acesso, qualidade e custo, mas não chegou exatamente a revogá-lo. Ele controla os gastos não só por meio do racionamento do serviço, mas também pela restrição da escolha de medicamentos e, principalmente, refreando pagamentos. À exceção do acesso, esta é a maior diferença isolada entre os sistemas francês e americano: os médicos franceses ganham cerca de um terço do que seus pares americanos recebem.


Como assinala Dutton, os sistemas de atendimento à saúde são institucionalmente incorporados. Os médicos franceses participam com sua remuneração minguada porque eles precisam, em parte porque saem das escolas de medicina livres de dívidas e, em parte, porque o regime de contencioso médico não representa um grande ônus. Alcançar a solução francesa na sua plenitude não seria uma incumbência modesta: comprimir os honorários médicos, mudar a forma como os médicos são treinados e tirar os ferrões do regime contencioso médico.


A ordem reinante, apesar disso, está condenada. Pouco a pouco, um novo sistema será estabelecido. O seguro de saúde universal, assegurado independente de condição de emprego ou de saúde, precisa ser uma parte disso. Por isto, valerá a pena pagar - e pode ficar sossegado: se isso acontecer, alguém deverá pagar por ele. Candidatos?



Fonte: Jornal Valor Econômico, 18 de maio de 2007, por Clive Crook.

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