12/05/2008
Redução de mortalidade materna exige tratamento amplo do problema
O Brasil só poderá reduzir em 75% a mortalidade materna até 2015, como prevê a Organização das Nações Unidas (ONU) nos
Objetivos do Milênio, caso enfrente o problema em todas as suas dimensões, inclusive as relacionadas ao direito sexual e reprodutivo.
A opinião é de Télia Negrão, secretária-executiva da Rede Nacional Feminista de Saúde, Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos.
Segundo ela, houve avanços significativos no país desde a criação, em 2004, do Pacto pela Redução da Mortalidade Materna
e Neonatal, que envolve governos e sociedade civil. Entre esses avanços ela citou a criação de mecanismos para prevenção,
como os Comitês de Mortes Maternas, as políticas de humanização do parto e a obtenção de dados mais precisos sobre as causas
dos óbitos maternos.
Para a secretária-executiva, no entanto, só haverá resultados mais significativos quando outros aspectos do problema forem
enfrentados. "Se não for adotada uma política muito séria de educação sexual, planejamento familiar, melhoria do atendimento
durante a gestação, parto e puerpério [pós-parto], e de legalização do aborto, não conseguiremos, reduzir as mortes maternas
no Brasil e atingir as Metas do Milênio. A esse conjunto de medidas se agrega também o enfrentamento da feminização da aids
[aumento da contaminação de mulheres pelo HIV] da violência contra as mulheres" avaliou.
Adson França, coordenador de Ações Estratégicas do Ministério da Saúde e do Pacto, também reconhece a dificuldade de alcançar
a redução da mortalidade materna nos níveis propostos pela ONU.
"É uma meta muito audaciosa para a maioria absoluta dos países porque envolve vários fatores: o aumento da escolaridade
e do empoderamento da mulher; a melhoria das condições de saúde, da atenção ao parto e ao nascimento; a qualificação de profissionais;
a legislação relacionada a complicações no contexto da violência contra a mulher".
A redução de 75% prevista pela organização internacional tem como base a taxa de mortalidade materna nos países em 1990,
que no caso do Brasil era de 64 óbitos a cada 100 mil nascidos vivos.
A taxa no país, levantada a partir de dados de 2005, está em pouco mais de 53 óbitos. O número é 2,1% maior do que registrado
em 2000 quando as metas da ONU foram lançadas, mas segundo o coordenador, o aumento reflete a melhoria na notificação de óbitos
maternos que antes estavam subestimados.
Ele aponta, dados positivos que "seguramente" estão contribuindo para reduzir as mortes maternas, como por exemplo, o
a ampliação da cobertura dos exames pré-natal no país, que passou passou de 22% das gestantes em 1990, para 76% em 2005.
"Estamos otimistas. Vamos reduzir bastante a mortalidade materna até o ano de 2015. Estamos buscando isso de forma persistente
e se não chegarmos lá vamos ter a consciência tranqüila de que estamos no caminho, envolvendo gestores e sociedade civil.
Se nós tivermos recursos financeiros e gestores mais comprometidos podemos sonhar pelo menos em chegar perto "afirmou.
França cita a experiência de Fortaleza, onde além de ser ampliado, o pré-natal passou a ser articulado com o atendimento
durante e depois do parto. Segundo ele, em quatro anos a medida fez cair, de 70 para 40, o número de óbitos maternos a cada
100 mil nascidos vivos na capital cearense. "A mulher tem que fazer o pré-natal e saber onde vai parir. Não pode ficar peregrinando
atrás de um leito", destacou.
O técnico do Ministério salientou, no entanto, que também é preciso aumentar a qualidade do pré-natal no país, pois em
muitos lugares a consulta não avalia aspectos necessários para garantir a segurança da gestante e do bebê e nem sempre consegue
oferecer exames importantes. Segundo ele, um resultado de VDRL, exame que possibilita diagnosticar a sífilis, às vezes demora
até dois meses para ser disponibilizado e das 4500 maternidades brasileiras só 1200 fazem o exame que detecta o vírus da aids.
Além disso, França apontou a ainda a necessidade de qualificar os profissionais que vão atender as mulheres na hora do
parto."Ela precisa chegar nesse local e ter profissionais qualificados em urgências e emergências obstétricas e neonatais
para dar continuidade ao processo. Porque se ela faz um bom pré-natal e não tem profissionais qualificados durante o parto
o risco de morrer persiste".
Falhas no atendimento de saúde são responsáveis por mortalidade materna, afirma ativista
A má qualidade no atendimento de saúde antes, durante e depois do parto é responsável pelas quatro maiores causas da mortalidade
materna no país - hipertensão na gestação, hemorragias, infecções pós-parto e complicações em decorrência de aborto. A avaliação
é da secretária-executiva da Rede Nacional Feminista de Saúde, Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos, Télia Negrão.
"Um pré-natal não feito ou mal realizado; o atendimento inadequado na hora do parto, quando muitas vezes a mulher perambula
de hospital em hospital para conseguir uma internação, dando à luz fora do serviço de saúde ou tendo descolamento de placenta
por estresse; a má qualidade do atendimento, isso agrava a sua condição de saúde da mulher, levando ao óbito", afirmou, lembrando
que cerca de duas mil mulheres são vítimas de mortalidade materna por ano no Brasil.
Além da falta de leitos, Télia apontou o despreparo dos profissionais para atender adequadamente às gestantes na hora
do parto. "Profissionais despreparados não conseguem enxergar que a mulher está em sofrimento, ou então, no caso daquelas
que provocaram aborto e chegam aos hospitais, ao invés de serem acolhidas, muitas vezes são punidas com o sofrimento, já que
o aborto é crime" disse.
Segundo a ativista, a má qualidade do atendimento também contribui para as infecções no pós-parto, já que muitas vezes
não são detectadas a tempo de serem tratadas. Ela salientou que, de acordo com dados da Organização Mundial da Saúde, 96%
das mortes maternas são preveníveis e evitáveis.
"Na medida em que a gestação é uma vivência da sexualidade e não uma doença e que 96% das mortes maternas poderiam ser
evitadas, é inexplicável que no Brasil mais de duas mil mulheres morram por razões ligadas à maternidade".
Para ela, os números demonstram, além da má qualidade do atendimento de saúde, graves problemas de planejamento familiar.
"Muitas das gestações sequer foram desejadas ou planejadas levando as mulheres a abortar e a morrer".
Télia destacou que, apesar da tendência de estabilidade nos indicadores de mortalidade materna no país (52,36 mortes por
100 mil nascidos vivos em 2000 e 53,34 em 2005) o quadro pode ser alterado para pior com a feminização da aids.
De acordo com ela, o aumento do número de casos da doença faz com a aids já seja a segunda causa de morte entre as mulheres
no Brasil, perdendo apenas para as doenças circulatórias.
"Se uma doença como essa não encontra uma barreira, políticas fortes bem direcionadas, principalmente à mulheres em situação
maior de vulnerabilidade, é bem possível que a Aids passe a constituir uma razão muito forte de mortalidade materna no Brasil".
Telia apontou destacou ainda a violência contra a mulher como responsável por um grande número de mortes maternas.
Só 13% das mães conseguem vagas em creches públicas
Divididas entre a maternidade e o sustento da casa e sem ninguém para cuidar dos filhos enquanto trabalham, muitas mães
não terão muito o que comemorar hoje (11).
Há poucas informações sobre a oferta de vagas nas creches e na pré-escola gratuitas, destinadas a crianças com até 3 anos
de idade, já que a educação infantil não é obrigatória.
Mas segundo a presidente da União Nacional dos Dirigentes Municipais em Educação (Undime), Justina Silva, apenas 13% das
mães conseguem de fato ser atendidas. "A demanda reprimida é altíssima, chega a 87%", aponta.
Aurineide Souza, 27 anos, é uma dessas mulheres. Moradora de Areal, na cidade satélite de Águas Claras, ela trabalha como
babá cuidando de duas crianças, mas não conseguiu vaga em creches públicas para o filho Samuel, de 1 ano e seis meses. A solução
encontrada foi pagar uma creche particular, que consome 25% do salário mínimo que recebe.
"Voltei a trabalhar quando ele tinha três meses e deixava com essas mulheres que cuidam de criança em suas casas", lembra.
Como o marido dela está desempregado há um mês, o aluguel, a alimentação e outras despesas ficam a cargo dela.
A mensalidade da creche compromete o orçamento. No ano que vem, quando Samuel completar 2 anos, ela tentará uma vaga em
uma creche pública próxima à sua casa, que atende crianças a partir dessa idade. Segundo o Censo Escolar de 2006, das 13.312
vagas existentes em creches no Distrito Federal, menos de 700 estavam na rede pública.
De acordo com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), a educação infantil não é obrigatória como o ensino
fundamental e o médio, mas é um direito público que cabe a cada município atender. Desde 1999, ela deve ser oferecida em creches,
para crianças de zero a 3 anos, e em pré-escolas, para aquelas com 4 e 5 anos.
A importância da qualidade da educação infantil na trajetória escolar do indivíduo, é um das questões destacadas no compromisso
Educação para Todos, das Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e Cultura (Unesco).
O acordo firmado em 2000 prevê que até 2015 o Brasil consiga expandir e melhorar a educação e cuidados na primeira infância.
Segundo relatório de monitoramento da Unesco, 10,5% das crianças brasileiras de zero a 3 anos tinham acesso à educação infantil
em 2001. Até 2006, a meta do Plano Nacional de Educação era chegar a 30%, mas o número ficou em 15,5%.
Como os municípios não conseguem sozinhos cumprir a sua parte, o Ministério da Educação (MEC) lançou em 2007 o Programa
Nacional de Reestrturação e Aquisição de Equipamentos da Rede Escolar Pública da Educação Infantil (Proinfância), como parte
do Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE).
Até 2010, o governo federal investirá R$ 800 milhões para ampliar e melhorar as instalações das unidades. Desde o ano
passado, foram conveniadas quase mil projetos e as novas unidades devem ficar prontas até o fim de 2008, atendendo cerca de
140 mil crianças.
"O déficit é muito grande, quando nós abrimos uma chamada de interesse para os municípios no lançamento do programa, 4.300
se inscreveram. Para conseguir melhorar o acesso, vamos ter que trabalhar com esse programa ainda alguns anos", avalia Maria
Fernanda Bittencourt, coordenadora-geral de infra-estrutura educacional do programa.
Além de Samuel, Alrineide tem mais três filhos que moram com a avó no Piauí. Ela veio para Brasília há três anos em busca
de trabalho e condições melhores de vida. Mesmo diante desse cenário, permanece otimista. "O que eu queria de presente no
Dia das Mães é saúde. O importante para mim é ter saúde, tendo força para trabalhar, eu e o meu marido, é o que importa".
Ministério da Saúde terá normas para definição mais precisa de causas da morte materna
Nos próximos dias, o Ministério da Saúde publica uma portaria com normas para melhorar a investigação sobre a morte de
mulheres durante a gravidez, o parto e o período pós-parto, de modo a gerar dados mais precisos sobre a mortalidade materna
no país.
De acordo como Adson França, coordenador do Pacto Nacional pela Redução da Mortalidade Materna e Neonatal, a medida vai
determinar o prazo de 90 dias para que municípios informem ao Ministério da Saúde a causa de morte de mulheres em idade fértil,
de 14 a 49 anos.
Segundo ele, atualmente os motivos exatos que levaram à morte das mulheres nem sempre são conhecidos, já que muitas vezes
os atestados de óbito são preenchidos erroneamente pelos médicos.
"Nós médicos, colocamos [no atestado] quando uma mulher morre, parada cárdio-respiratória, por exemplo, ou falência múltipla
dos órgãos. Mas é claro que qualquer pessoa para morrer tem que ter parada cárdio-respiratória. Então o correto é investigarmos
se essa mulher estava grávida, se morreu no momento do parto, em complicações por aborto ou imediatamente no pós-parto".
De acordo com o coordenador um estudo apontou pelo menos 1.500 mortes ligadas que haviam sido atribuídas a parada cárdio-respiratória.
As informações corretas vão servir de base para que o Ministério da Saúde ajude as secretarias estaduais e municipais de Saúde
e as equipes do Programa Saúde da Família a enfrentar a mortalidade materna, responsável pela morte de duas mil mulheres a
cada ano no país.
O coordenador informou que, nos últimos anos, uma série de ações vêm sendo realizadas pelo ministério para humanizar o
atendimento obstétrico e o parto. Entre elas está a qualificação de 1.800 ginecologistas, pediatras e enfermeiras de 451 maternidades
nas 27 unidades da Federação e a criação do Programa Nacional em Defesa do Parto Natural, lançado na semana passada para desestimular
as cesarianas desnecessárias, que podem aumentar o risco de morte para a gestante.
Fonte: Agência Brasil