Novas plataformas, surgem a todo instante e, com elas,
novas trends, maneiras de produzir conteúdo e de interagir com o público, cada vez mais distraído
e menos fidelizado. Se antes era comum entregar cartões de visitas a potenciais clientes, hoje o que se vê pelas
redes sociais são formas completamente diferentes de atrair – ou, ao menos, tentar atrair – a atenção
dos usuários.
Afinal, quem nunca
ouviu falar sobre as tão populares dancinhas do TikTok ou do Reels, a já não tão nova assim aba
de vídeos curtos do Instagram? Junto ao nascimento desses conteúdos, surgem inúmeras questões
que vão desde a necessidade de se estar presente essas plataformas até o impacto que, literalmente, dançar
na internet pode trazer para a credibilidade profissional. Se antes, ser produtor de conteúdo era uma profissão
única, hoje, a tendência é que todos nós nos tornemos uma espécie do que o marketing chama
de prosumer – consumidores que também produzem conteúdo, ou seja, uma função
que vai além da nossa profissão de formação.
O debate é delicado em qualquer área profissional. Assim como citamos os talvez
já ultrapassados cartões de visitas, atualmente os especialistas dos mais variados setores se desdobram para
criar redes sociais atrativas, com informação de qualidade e que gerem a tão desejada conversão
de usuários em clientes. E na área médica não tem sido diferente. Cada vez mais médicos
têm apostado nas tendências digitais como o principal meio de comunicação com seu público
– mesmo que isso signifique, em alguns casos, fazer dancinhas, embarcar em trends e apostar no bom humor para abordar
termos relacionados com a saúde. “Não podemos demonizar esse tipo de plataforma e atuação
de forma generalizada. Eu, particularmente, entendo que toda forma de comunicação é válida”,
pontua o médico Afrânio Benedito Silva Bernardes, membro da Comissão de Divulgação de Assuntos
Médicos (Codame) do CRM-PR.
A velocidade
com que as redes vêm e vão, conforme explica Bernardes, muitas vezes não é acompanhada pelas normativas
médicas. “A resolução que trata da publicidade médica é de 2010/2011, e veja o quanto
as redes evoluíram nos últimos 10 anos. As pessoas buscam, hoje, cada vez menos informação escrita
e muito mais áudios e vídeos, assim como a informação traduzida em entretenimento”, diz,
em referência às tendências digitais estabelecidas pelo TikTok e pelo Instagram.
Para o médico, toda vez que o profissional repassa à
sociedade uma informação de utilidade pública, sem se basear em sensacionalismo, inverdade ou autopromoção,
é uma atitude válida, independentemente do meio. “Se por meio daquele vídeo, gero um bem para a
sociedade, sem me valer de concorrência desleal, eu estou produzindo um conteúdo importante. Pois uma vez que
levo a informação generalizada, incentivo o usuário, mesmo que indiretamente, a buscar seu próprio
médico, beneficiando, inclusive, a comunidade médica. E, além disso, quando utilizo minha imagem, também
estabeleço uma relação com meus seguidores e torno esse contato mais próximo, mais palpável.
E, se isso vem por meio de uma dança, qual é o problema?”.
A linha tênue entre informação e sensacionalismo
Assim como em qualquer novidade, é
natural se sentir perdido em como administrar essa exposição nas redes. Conforme Bernardes, a recomendação
do CRM PR é que o médico tenha dois perfis distintos nas redes sociais, um destinado à sua vida pessoal
– e, se possível, privado -, e o outro exclusivamente voltado às questões profissionais. “Assim,
o médico pode deixar clara a sua atividade profissional, sem recair em exibicionismos íntimos ou interligados
à sua vida pessoal, fugindo de uma possível relação celebridade x fã, comum nas redes atuais”,
comenta.
De acordo com o médico,
quando o profissional começa a querer trilhar um caminho de celebridade, há o risco de mudar o foco do conteúdo
para algo mais sensacionalista, relacionado com a autopromoção e à concorrência desleal, o que
é vedado pela ética médica. “A premissa da Medicina é oferecer o melhor para a saúde
do paciente, então é necessário respeitar esse tripé que proíbe o sensacionalismo, a inverdade
e a autopromoção”.
Esse
cuidado com a informação repassada também é pontuado pelo diretor de Mercado e Comunicação
da Unimed Paraná, Alexandre Gustavo Bley. “O mais importante é o conteúdo a ser divulgado, mesmo
que a forma seja questionável ao gosto das pessoas. Porém, o que vejo e me preocupo, é vivenciarmos um
aspecto caricato, em que o “humor” é explorado para uma relevância pessoal e social, com ares sensacionalistas,
muito mais do que uma forma lúdica de promoção à saúde. Para alguns, valem mais os números
de seguidores, compartilhamentos e likes, do que propriamente o que é necessário repassar à população”,
ressalta.
Conforme o diretor, o conservadorismo
e os padrões na medicina refletem nessa linguagem própria que, por muitas vezes, gera distanciamento. Por esse
motivo, Bley destaca que acessar os canais disponíveis é, sim, extremamente importante, mas os profissionais
não podem deixar de lado a responsabilidade exigida. “A Medicina não precisa ser sisuda, mas está
longe de ser entretenimento, e sua relevância social e seu grau de responsabilidade exigem o combate à autopromoção
e ao sensacionalismo, que podem induzir a população de forma inadequada”.
Um novo cartão de visitas
Sob a ótica do médico e presidente da Associação
Médica do Paraná (AMP), Nerlan Carvalho, a profissão exige uma postura mais séria, de comprometimento
com os pacientes e com a saúde. “Eu vejo com bastante preocupação uma exposição excessiva
de alguns profissionais, banalizando uma profissão que é bastante séria e cuidadosa, e que necessita
ter um vínculo de respeito, responsabilidade e confiança. E não é por meio de brincadeiras que
você conquista a confiança”, afirma.
Essa preocupação, para Carvalho, não significa que os médicos não devam se
atualizar e se adequar às novas tecnologias, mas sim fazê-la com cautela. “Devemos nos atualizar e utilizar
esses novos veículos de comunicação, mas sempre com cautela quanto ao modo que nos portamos”. O
presidente reforça, ainda, a necessidade de fugir do que chama de uma “massificação” da profissão,
que leva à uma “Medicina imediatista, superficial, baseada em inúmeros exames laboratoriais que nem sempre
chegam ao diagnóstico necessário”.
E se a presença assídua nas redes sociais não deve ser “demonizada”, como diz
Bernardes, também não deveria ser obrigatória, ou uma chancela de “bom médico”. “O
que a população talvez tenha que aprender, como isso ainda é muito novo, é separar o entretenimento
da ciência. Eu não posso usar a melhor performance de um profissional como produtor de conteúdo como um
motivo para valorizá-lo mais do que os demais, anulando o conhecimento e a experiência daqueles que não
estão nas redes”, detalha.
Conforme o profissional do CRM-PR, não é o médico
mais bonito ou com melhor desenvoltura que é, de fato, o melhor médico. “As redes sociais são apenas
um novo modelo de cartão de visitas. Isso atrai pacientes, claro, mas não sustenta a relação dentro
do consultório. O que vai sustentar é o profissionalismo médico, a experiência, a fidelização,
a confiança e a dedicação profissional”.
Essa separação entre entretenimento e qualidade médica também é
defendida pela sócia-fundadora da Central Press e especialista em Gestão de Reputação e Crises
de Imagem, Lorena Nogarolli. “A presença do médico, de forma séria e bem conduzida, nas redes sociais
e em outros meios de mídia, aumenta a autoridade do profissional, tornando-o referência na especialidade em sua
cidade, seu estado e até mesmo no país”, reforça, ao lembrar que autoelogio, porém, não
constrói credibilidade. “É claro que o profissional precisa ter qualidade, acima de tudo. Porque a qualidade
dos serviços prestados é que vai determinar se ele será indicado pelos pacientes ou não. E é
inegável que o depoimento de um paciente satisfeito é a melhor propaganda para um profissional da saúde.
É ética, não requer grandes investimentos e gera credibilidade”.
Redes Sociais:
O que fazer e o que não fazer
1. Posso trazer dicas daminha especialidade médica por meio de danças, memes
e trends?
Sim! Desde que a informação
seja de utilidade pública, verdadeira, e não gere autopromoção ou concorrência desleal.
Bernardes recomenda, ainda, que o profissional utilize do bom senso na hora de citar ou ilustrar procedimentos médicos,
levando a informação de maneira lúdica a seu público.
2. Sou obrigado a estar nas redes sociais?
Não é obrigatório, mas pode ser uma boa estratégia para
conquistar novos pacientes. Lorena lembra que a presença digital aumenta o alcance do médico, uma vez que “a
comunicação integrada do profissional médico é fundamental para dar suporte às recomendações
e elogios dos pacientes e construir o que chamamos de ‘colchão reputacional’”.
3. Devo trazer conteúdos relacionados com a minha vida pessoal
na minha página profissional?
Apesar
de não ser proibido, não é uma estratégia interessante. De acordo com Bernardes, essa mistura
de conteúdos pode tirar o foco da atividade profissional e fazer com que seus seguidores se interessem mais pelas viagens
que você faz, do que pelo conteúdo médico que você apresenta. Além de abalar a relação
médico x paciente, pode diminuir o alcance do objetivo inicial, que é converter usuários em clientes.
O ideal é ter uma página profissional, e uma página pessoal – caso queira.
4. Posso produzir conteúdos que identificam meus pacientes?
Não. Além da obrigatoriedade
do sigilo médico, também está em voga a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD).
“O médico não deve prometer resultados ou gerar essa expectativa em seus pacientes, pois existem situações
adversas e, mesmo resultados satisfatórios, podem não preencher essa ânsia gerada pela publicidade indevida”,
afirma Bernardes.
FONTE: Revista Ampla