Dados do CFM mostram desigualdades e falta de infraestrutura na rede de atenção básica à saúde
Um quinto (27) dos 122 municípios brasileiros que fazem
fronteira com outros países não possui nenhum leito de internação disponível no Sistema Único de Saúde (SUS). Além disso,
93% deles não contam com leitos em Unidade de Terapia Intensiva. Nessas cidades, também é baixa a oferta de estabelecimentos
e de profissionais de saúde na rede pública, e, de forma geral, é alta a incidência de doenças infectocontagiosas.
As informações compõem a moldura dos debates que
transcorrerão durante o II Fórum de Médicos de Fronteiras, que acontece em Campo Grande (MS) entre os dias 3 e 4 de abril,
e está sendo organizado pelo Conselho Federal de Medicina (CFM). O encontro tem como foco discutir a assistência em saúde
nessa região. Entre os destaques, está a participação de representantes das Forças Armadas, que abordarão a formação do médico
militar; uma análise sobre a cooperação internacional e seu impacto no atendimento nessas áreas; e o respeito à saúde indígena.
“São localidades distantes dos centros urbanos e
muitas vezes de difícil acesso. Nelas vivem uma população que também precisa de ter acesso a diagnósticos e tratamentos. Por
isso, a oferta de serviços públicos de qualidade tem sido um desafio”, alerta Carlos Vital, presidente do CFM. Durante o evento,
ele e a coordenadora da Comissão de Integração de Médicos de Fronteira, conselheira Dilza Teresinha Ribeiro, apresentarão
aos participantes os principais problemas enfrentados pelos médicos nos 15,7 mil quilômetros de fronteiras, onde vivem aproximadamente
3,4 milhões de brasileiros.
Infraestrutura
desigual
No Brasil, 11 estados fazem fronteira com outros países:
Acre, Amapá, Amazonas, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Pará, Paraná, Rio Grande do Sul, Rondônia Roraima e Santa Catarina.
Neles, 122 municípios são considerados fronteiriços. Desse total, 42 (34%) não possuem hospital geral. Nas outras 80 cidades
funcionam 115 hospitais, volume próximo, por exemplo, ao que hoje existe apenas o município do Rio de Janeiro (125). Os dados
são do Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES), coordenado pelo Ministério da Saúde.Pelos dados oficiais, também é possível verificar que os municípios
da região fronteiriça somam, juntos, 5.465 leitos de internação no SUS. Das 122 cidades da área, 27 não contam com leitos
de internação na rede pública e outros 33 tiveram uma redução dessa infraestrutura no período de 2011 e 2017. “Sabemos que
muitos destes municípios não têm estrutura e nem demanda para manter um hospital geral, mas é imprescindível que se ofereça
condições mínimas de atendimento em casos mais graves. Em muitos lugares um paciente tem que esperar dois ou três dias por
um transporte que possa levá-lo ao hospital mais próximo”, explicou Dilza Ribeiro.Também se apurou que as cidades que fazem fronteira possuem 654 Unidades Básicas de
Saúde ou Centros de Saúde, que têm como objetivo solucionar até 80% dos problemas de saúde da população local. Esses serviços
integram a rede de atenção básica. Para se ter uma ideia da distribuição desigual, basta observar que estados como Alagoas,
Piauí e Rio Grande do Norte, por exemplo, cujas populações são equivalentes à soma dos moradores de todos os municípios fronteiriços,
contam com muitos mais estabelecimentos desse tipo: 821, 978 e 841, respectivamente.CONFIRA
AS INFORMAÇÕES DE INFRAESTRUTURAS DAS CIDADES.Consultas
e internações
Entre 2011 e 2017, os dados mostram ainda que 74 municípios
de fronteira reduziram em quase 3 milhões o número de consultas realizadas. Se fossem considerados todas as 122 cidades, o
saldo de consultas nessa área se manteria negativo, com uma queda de 17% na produção desse serviço nos últimos sete anos.Os indicadores revelam também que a cada ano são
registradas cerca de 200 mil internações de moradores das cidades de fronteira. No entanto, em média, quase 16 mil delas acontecem
em munícipios fora dessa zona, ou seja, o paciente é obrigado a se deslocar para ter acesso a atendimento.Em 2017, dos 22.745 partos registrados nas zonas de fronteira
mais de 1.700 aconteceram fora dos limites fronteiriços. O mesmo é observado nas internações para tratamento de pneumonias
ou gripe influenza: das 13.835 registradas no ano passado quase mil tiveram de ser realizadas em outras localidades.CONFIRA A QUANTIDADE DE ATENDIMENTOS REALIZADOS.Médicos e outros profissionais de saúde
Os números apurados pelo CFM revelam ainda que os municípios
limítrofes concentram 3.869 médicos cadastrados no CNES. Esse número representa 0,9% do total de médicos em atividade em todo
o País, segundo registros pelos conselhos de medicina (454 mil). Nos últimos sete anos, o número de médicos aumentou em 46%,
sem levar em conta os intercambistas do Programa Mais Médicos. No entanto, ao contrário da maioria dos municípios, em dez
deles houve redução no total de médicos neste período.Em números absolutos, a população de médicos supera a quantidade de enfermeiros e odontólogos identificados nessas
regiões. Os 122 municípios possuem atualmente 3.309 enfermeiros cadastrados no CNES, o que representa apenas 0,7% do total
de enfermeiros em atividade em todo o País, segundo o Conselho Federal de Enfermagem (Cofen), ou seja, 487 mil. Desde 2011,
o número de enfermeiros nestas cidades aumentou em 94%, porém em sete municípios houve redução no total deste profissional.Por sua vez, os odontólogos na região somaram 1.726
cadastros no CNES, o que representa 0,6% do total de especialistas desse tipo no País, segundo dados do Conselho Federal de
Odontologia (CFO), ou seja, 301 mil. Apesar do aumento de 55% no número de dentistas que atuam na região ao longo dos últimos
sete anos, em 14 municípios aconteceu a redução desse contingente.CONFIRA
A DISTRIBUIÇÃO DE PROFISSIONAIS DE SAÚDE.Doenças
e mortes
O CFM também avaliou a situação epidemiológica nas fronteiras.
No caso da tuberculose, dos 122 municípios 92 fizeram registro de ocorrência da doença. Em 38 dessas localidades, essa taxa
de incidência de por 100 mil habitantes foi superior à média nacional (33,83). As situações mais graves foram identificadas
nos municípios de Santa Rosa do Purus (AC), Assis Brasil (AC) e Porto Velho (RO), onde os índices ultrapassaram 100 casos
por 100 mil habitantes.Erradicada em muitos
países, a hanseníase é outra doença presente nos municípios de fronteira. Embora não tenha sido detectado nenhum caso de hanseníase
em 52 municípios de fronteira em 2015, em 60% das 70 cidades onde houve a presença da doença a taxa de detecção ficou acima
da média nacional (10,23 casos novos confirmados por 100 mil habitantes). O quadro mais grave foi registrado no município
de Quaraí (RS), onde consta 100,43 casos por 100 mil habitantes.Em 2015, 71 dos 122 municípios fronteiriços (58%) também registraram uma taxa de mortalidade infantil
– número de óbitos de menores de um ano de idade por mil nascidos vivos – superior à média nacional (12,42 mortes a cada mil
nascidos vivos). Além deles, três outros municípios informaram um aumento nesse índice, quando confrontados com resultados
de 2006.CONFIRA A INCIDÊNCIA DE DOENÇAS NAS REGIÕES.