05/03/2014
Lya Luft
Não sei quanto a vocês, leitores, mas eu quero em todos os campos o melhor profissional. Eu mereço, vocês merecem, todos merecemos, não importa nossa classe social, cor da pele, ascendência, cultura.
Quando digo todos me refiro também aos moradores dos povoadinhos mais remotos, das aldeias sobre palafitas, das encostas deslizantes de tantos morros e beiras de rio que as chuvaradas levam embora ano após ano – algumas continuam como estavam há muito tempo, pois nada se fez.
Todos merecemos o melhor, começando pelos professores das crianças. Com salário digno, com escola que não esteja em ruínas – onde existirem escolas. O número de abandonados pela educação é incalculável.
Quero os melhores engenheiros: que consigam projetar e fiscalizar a construção de pontes sólidas, edifícios firmes, casas confiáveis – também casas populares, porque todos, incluindo os menos favorecidos, merecem o melhor. Estradas transitáveis, e mais que isso, boas – ligando até cidadezinhas afastadas: todos precisamos do melhor, e disso devem cuidar os governos.
Quero políticos ótimos, interessados no bem de seus eleitores, quando forem eleitos, pois muitos conseguem seu lugar sem um voto sequer, por artes de regras bizarras que tanta coisa regem no Brasil.
Quero os melhores policiais, bem preparados, bem armados, psicologicamente bem orientados, e apoiados pela sociedade e pela Justiça, para poderem cumprir o seu dever.
Mas na medicina, ah, na medicina, é que eu quero os melhores profissionais: depois do árduo curso de seis anos, mais uma residência de dois, eventualmente mais especialização, e mestrado, e quem sabe doutorado, para saberem mais e cuidarem melhor de nós, seus pacientes. Mas que sejam valorizados em sua carreira, e que tenham locais onde seja possível trabalhar: outro dia um profissional atuando em uma área menos privilegiada se queixava na imprensa de que não havia nem aspirina nem água no local de trabalho, e foi embora.
Muitos estão nessas condições. A mais alta autoridade em saúde no país declarou (estava na imprensa) que não se importaria de ser atendida por médicos reprovados no Revalida. Fiquei pasma. Então para que médicos? Para que cursos de medicina? Para que essa profissão sacrificada e exigente, se dá na mesma sermos atendidos por aqueles que não passaram num exame básico?
Será mais simples largarmos esse luxo de profissionais formados e aprovados: vamos recorrer só a curandeiros, pajés, benzedeiras – com todo o meu respeito por eles. Dispensar as faculdades de medicina, de direito, de engenharia e outras mais.
E quem sabe as escolas, já que o estudo por aqui é cada vez mais negligenciado, dos primeiros anos às universidades: em lugar de exigentes, os currículos estão mais para brincadeira, os professores, atemorizados, não querem reprovar ninguém, muito menos suspender ou expulsar, por pior que seja o delito cometido por algum aluno – quem sabe vai um processo de algum pai contra o mestre ou a escola.
Fica a indagação que nos pode fazer qualquer menino de quem exigimos que cumpra sua tarefa: preparar-se para a vida e alguma profissão. A pergunta é: para que estudar se posso entrar na universidade alegando fatores favoráveis ao não estudo? Se cada vez mais o nível do ensino é rebaixado em lugar de ser elevado desde os primeiros anos escolares para que todos cresçam e possam ter uma vida melhor, sejam mais capazes e felizes e o país progrida e cresça na única maneira real, pela educação de todos, e não pela ilimitada tolerância ao medíocre e ao insuficiente?
Questões que anos atrás seriam inusitadas povoam nossas perplexidades e conversas: onde vamos parar? Que nível de profissionais teremos dentro de pouco tempo, em todas as áreas? Certamente não os bem preparados, aprovados, confirmados, que possam atender às naturais e legítimas expectativas de quem, como todos nós, merece o melhor.
Artigo de Lya Luft publicado na revista Veja.
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