13/01/2008
"Procedimentos ficarão mais seguros"
Presidente da Comissão Estadual de Controle de Infecção em Serviços de Saúde fala sobre o surto de micobactéria
Diante dos casos de infecção hospitalar por micobactérias de crescimento rápido em Curitiba, a médica Heloísa Ihle Garcia
Giamberardino aponta que, devido a medidas para conter o surto, os procedimentos cirúrgicos irão ficar mais seguros a partir
de agora. "Os surtos são situações que fazem a gente rever os processos", afirmou.
Presidente da Comissão Estadual de Controle de Infecção em Serviços de Saúde e da Associação Paranaense de Controle de
Infecção Hospitalar, Heloísa acompanha o surto desde o início, em dezembro. Passado um mês das primeiras notificações, ela
afirma que a situação está sob controle e que a maioria dos hospitais mudou os procedimentos de limpeza dos materiais usados
em cirurgias.
Em entrevista à Gazeta do Povo, ela explica o que ocasionou o surto - a possibilidade levantada é a contaminação pela
água -, como os hospitais estão atuando e as orientações para evitar novos casos. "Tenho muita tranqüilidade em achar que
as ações estão indo bem, mas mesmo assim cabe um alerta porque é um procedimento muito utilizado (cirurgia feita com o auxílio
de câmera de vídeo) e que pequenos erros podem resultar grandes problemas", disse.
Como o surto de infecção hospitalar por micobactéria, registrado em 14 estados do país, chegou a Curitiba?
Primeiramente se noticiou em Belém do Pará, em 2004, onde houve grande surto de micobacteriose. Nunca teve no mundo inteiro
um surto como está acontecendo no Brasil. Então alguma situação nossa, da nossa característica, está provocando esse tipo
de problema. No Paraná, começou em 2007, mas o alerta já vinha há algum tempo. Uma das hipóteses, que acho a mais condizente,
é que a bactéria vem da água.
Qual a relação com a água?
O surto aconteceu aqui porque essa bactéria está criando resistência ao produto que utilizávamos para a desinfecção dos
equipamentos, há mais de 20 anos, o glutaraldeído. A bactéria está presente na água, esse produto é diluído na água e a água
de cada região pode ter uma característica microbiológica diferente. E por algum motivo essa micobactéria está criando resistência,
o que não é de se estranhar. Se usa-se por muito tempo o mesmo produto e eventualmente utiliza-se de forma inadequada, vai
fazer com que haja ocorrência de resistência bacteriana.
Qual a orientação aos hospitais?
Cabe a cada serviço de saúde escolher qual processo de esterilização que melhor lhe convém. Se vai ser uso do ácido peracético
ou óxido etileno, ou compra de máquina que faça processo térmico com produto químico. Cabe a cada comissão de controle de
infecção hospitalar estar revendo, contanto que seja a esterilização.
Se os hospitais tivessem substituído a desinfecção de alto nível (que leva 40 minutos) pela esterilização (de oito horas),
será que não se poderia evitar o surto?
Acho que já conseguimos segurar um pouco mais, tivemos bem menos casos que estados como o Rio. Talvez poderiam ter se
evitado algumas situações. Mas não é só produto que é o problema, antes do produto tem a limpeza manual do equipamento. E
nas notas técnicas anteriores não foi tão bem frisada esta questão da limpeza, como primeiro passo para tudo. Pode ser que
se tivesse sido feita muito bem a limpeza, mesmo com o glutaraldeído não íamos ter problema.
No estado do Rio de Janeiro, que registrou 972 casos de micobacteriose, nenhum óbito aconteceu, segundo o superintendente
de Vigilância em Saúde da Secretaria de Estado da Saúde e da Defesa Civil, Victor Augusto Berbara. Em Curitiba, com 19 casos
confirmados, há suspeita de óbito...
O óbito depende do paciente que foi submetido (à cirurgia), da gravidade do quadro clínico do paciente, da faixa etária.
Tive conhecimento que este paciente era mais idoso. Talvez tenha relação com outra patologia. Esse óbito ainda não foi classificado
como relativo a essa infecção porque ela não tem curso rápido e fulminante.
Se ficar confirmada, a morte pode provocar mudança de alguma ação de controle que vem sendo feita?
Acho que não. Claro que o fato de ter havido um óbito sempre é um alerta, gera mais expectativa de risco, mas, de qualquer
forma, o que está sendo recomendado já sanaria qualquer deficiência que possa ter havido.
Como os hospitais de Curitiba estão atuando? Estão esperando surgir o surto no seu hospital para mudar o processamento?
Acho que não. No dia 6 de dezembro, tivemos reunião e contamos com uma enfermeira de São Paulo, que é principal referência
nacional nesta questão. Nesta data os hospitais já estavam bem preocupados e foram reforçados os cuidados. E desde de abril
de 2007 uma nota técnica recomendou aos hospitais que pratiquem a esterilização ao invés da desinfecção de alto nível. Estamos
com esse alerta feito e todos os hospitais estão bem atentos à esta questão. Nos hospitais que aconteceram o problema, todo
reprocessamento já foi revisado e mudado. Mas nos hospitais que não tivemos casos queremos continuar não tendo. Queremos ajudá-los.
Muitas vezes o foco fica muito em cima dos hospitais que tiveram o problema e esquecemos do outro universo, onde pode vir
a acontecer.
Foram os próprios hospitais que notificaram à Secretaria Municipal da Saúde?
Foram. Acredito que agora, com toda informação na mídia, os casos que temos devem ser esses porque a pessoa que está lendo
provavelmente esteja procurando um auxílio médico. E esses casos devem ser obrigatoriamente notificados. Às vezes o hospital
não notificou - não porque não quis notificar, mas porque nem ficou sabendo do caso, já que eventualmente o paciente não volta
no hospital. Queremos trabalhar isso com as comissões, de ficar ligando para todas as pessoas que fizeram cirurgia para saber
como elas estão. O tempo de infecção não é no pós-operatório imediato e pode parecer de 30 dias a um ano após a cirurgia.
A senhora tem informação de hospitais que deixaram de fazer o procedimento de videocirurgia?
Não. Sei que muitos hospitais estão revendo seus processos, alguns mudando realmente o produto.
Uma nota técnica do Ministério da Saúde, de abril, dizia que os pacientes que se submeteram a procedimentos invasivos
por videoscopia nos últimos três meses na região do Rio de Janeiro deveriam ser convocados para exame clínico. Está acontecendo
isso em Curitiba?
Não. No Rio houve muito mais casos que nós temos e acho que neste momento não é necessário. O que está acontecendo é de
os hospitais que tiveram casos estarem fazendo busca ativa (convocação) retrospectiva dos pacientes que foram submetidos à
videocirurgia.
Em Curitiba a infecção está sendo controlada de forma adequada?
Acho que a secretaria está agindo e o surto sendo controlado de forma adequada. A nota técnica encaminhada em abril já
deu um alerta. Vários serviços revisaram sua rotina, a grande maioria. E o surto aconteceu numa escala menor do que se viu
nos outros centros. Mas como ainda tem casos que podem vir, já que é uma infecção que aparece não tão precocemente após o
procedimento cirúrgico, ainda temos que continuar com esse cuidado. É uma mudança para sempre, não vamos voltar atrás. O lado
negativo, com certeza, é a questão do paciente, todo sofrimento, que você não tem como mensurar. A questão positiva em termos
de assistência é que todos os procedimentos estão sendo muito bem realizados. Vai ser muito mais seguro fazer uma videocirurgia
a partir de agora do que antes. Com isso, são revisados vários problemas que estavam acontecendo e não estavam sendo revisados.
Mais segurança para o paciente então?
Daqui para a frente isso vai se tornar mais seguro porque, além de todo o transtorno das infecções para os pacientes,
equipes médicas e equipe de saúde, ninguém vai querer ter um novo caso e a própria Secretaria de Saúde vai trabalhar de forma
bem focada nisso.
Fonte: Gazeta do Povo