22/09/2006
Prioridade aos cuidados paliativos
Cuidar com dignidade dos pacientes vitimados por doenças graves e sem chances de sobrevivência; dar a eles todo o suporte
psicológico, espiritual e emocional, assim como a seus familiares; e oferecer-lhes assistência médica e nutricional de excelência,
para que desfrutem de uma sobrevida de digna e de qualidade. É assim que deve ser a medicina hoje e sempre. Claro que os recursos
tecnológicos são grandes aliados na assistência à saúde. Porém, é mister colocar em primeiro plano, em toda e qualquer hipótese,
a visão humanística.
Temos de irradiar a cultura de que é essencial tratar o doente e não apenas a doença que o acomete, pois sempre há algo
para se fazer pelo doente, independentemente de não ter mais chances de sobrevivência. O problema é que hoje, no Brasil, as
pessoas com doenças graves, sem perspectiva de sobrevivência, estão duplamente castigadas. Primeiro não têm o que fazer contra
a doença. Depois, são praticamente condenadas a ter um triste fim, já que o interesse em tratá-las com dignidade é pouco.
Infelizmente, há planos de saúde que adotam um comportamento antiético e as tiram dos hospitais.
Para eles, representam
custos. Fala-se muito em home care, mas não se não leva em consideração os familiares, o fato, por exemplo, de que crianças
conviverão com aquele doente e precisariam ter uma preparação psicológica, ter um apoio emocional. Outro problema grave é
que muitas instituições públicas simplesmente não têm interesse nesses pacientes. Enfim, é a total falta de respeito e humanidade.
Sou um defensor entusiasta da expansão da medicina paliativa. Faz pouco tempo criamos na Sociedade Brasileira de Clínica
Médica uma Diretoria de Cuidados Paliativos. Seu intuito é, igualmente, o de difundir esse conceito humanístico para os médicos
e suas sociedades de especialidades, o meio acadêmico, instituições de saúde públicas e particulares, como ainda para os gestores
do sistema de saúde em âmbitos municipal, estadual e federal.
É urgente uma política de governo para o atendimento humanizado a esse grupo de pacientes. O estado precisa criar centros
regionalizados de cuidados paliativos que funcionem também como hospital-dia. Assim garantiremos que aquele que não necessita
de internação seja atendido em suas demandas, inclusive liberando leitos para outros. Ele poderá fazer exames, curativos,
receber cuidados gerais, ou seja, um tratamento adequado e competente.
É isso, aliás, o que estamos fazendo na Disciplina de Clínica Médica da Unifesp, da qual sou professor titular. Inauguramos
um ambulatório de cuidados paliativos, no qual, além do atendimento de excelência, promoveremos palestras a familiares, para
debater questões como tratamento, prevenção, entre tantas outras ações. Compreendo que uma política pública com características
semelhantes é inadiável.
O médico que é bom médico tem de acompanhar o paciente sempre, e não largá-lo quando chega ao fim e não possui mais possibilidade
de vencer uma determinada doença. Vivemos tempos de grande avanço tecnológico, mas, como já disse, nada substitui o tratamento
humanizado, nada é mais importante do que o médico que tem nome e rosto e que conhece o nome e o rosto do paciente. Não podemos
aceitar que pessoas sejam tratadas como o doente do quarto 32, 48, 112. Esse é um dos motivos pelo qual desejamos fazer com
que as instituições de ensino contemplem em seus currículos temas de cuidados paliativos. Afinal, oferecer uma assistência
humanizada também passa pelo processo de aprendizado.
Podemos, tenha certeza, promover uma reviravolta muito positiva na relação médico-paciente. E, todos sabemos, a humanização
da prática da medicina passa obrigatoriamente pela assistência digna e pela garantia de sobrevida de qualidade às vítimas
de doenças graves sem esperança de cura.
Artigo escrito pelo Dr. Antônio Carlos Lopes, professor Titular da Disciplina de Clínica Médica do Departamento de
Medicina da Unifesp e presidente da Sociedade Brasileira de Clínica Médica