30/08/2016
O coordenador da comissão Pró-Sus, conselheiro federal pelo Paraná, Donizetti Giamberardino Filho, falou sobre o tema “A estagnação da remuneração profissional do médico no SUS”.
A realidade de trabalho do médico no Sistema Único de Saúde (SUS) e as perspectivas da aprovação da carreira médica de Estado foram debatidas durante os dias 26 e 27 de agosto, em Salvador, no 3º Pré-Fórum Pró-SUS – Região Nordeste. Uma das constatações do debate realizado na manhã do dia 26 foi a de que apesar da existência de mecanismos legais contrários à terceirização de atividades fins, a precarização do trabalho médico por meio da contratação de pessoas jurídicas ou cooperativas é uma realidade crescente. Os palestrantes também defenderam a criação de uma carreira exclusiva de médicos do SUS, como forma de melhorar o atendimento à população.
A primeira atividade foi a conferência “Carreira médica de Estado no Sistema Único de Saúde”, apresentada pelo 2º vice-presidente do Conselho Federal de Medicina (CFM), Jecé Brandão, para quem a criação da carreira deve ser prioridade absoluta. “É questão fundamental que o governo encare a precariedade que hoje atinge cerca de três milhões de trabalhadores do SUS, incluindo os médicos, mas não só eles”, defendeu. Brandão lembrou que o descaso com o SUS é de todos os governos, de todas as cores partidárias. “Até a década de 1980, o governo federal era responsável por 70% dos gastos em saúde pública. Hoje não chega a 50%”, argumentou.
Pesquisa – O 2º vice-presidente do CFM mostrou o resultado de uma pesquisa realizada sobre a autarquia em 2014, por sugestão do então presidente do Conselho Regional de Bahia, Abelardo Menezes, sobre como os médicos avaliam o trabalho do SUS. De acordo com a pesquisa, 63% não têm interesse em trabalhar para o SUS; 29% se sentem um pouco atraídos e apenas 8% afirmaram ter muito atraídos, por vocação. Questionados se a criação de uma carreira exclusiva de Estado os levaria para o SUS, 96% responderam que sim. Apesar de o CFM defender a criação de uma carreira exclusiva, foi perguntado se os entrevistados aceitariam uma carreira nacional, cujo projeto também está em tramitação no Congresso Nacional, o qual prevê o acesso por concurso público, não estando vinculada à União, com contratação pela Consolidação das Leis Trabalhista (CLT): 78,5% disseram que sim. “É evidente que o percentual diminuiu quando comparado com a carreira exclusiva de Estado, mas há um interesse por esta carreira nacional, já que é melhor alguma segurança, como a CLT, do que a total precarização que existe hoje, muitas vezes com ‘contratos de boca’”, afirmou Jecé Brandão.
Após a conferência, foi realizada a mesa redonda “Prestação do trabalho médico no SUS”, que começou com uma apresentação do coordenador da Comissão de Assuntos Parlamentares do CFM e da Associação Médica Brasileira (AMB) (CAP), Alceu Pimentel, que falou sobre “Os projetos de carreira de Estado em tramitação no Congresso Nacional – importância para a atenção básica”. Após apresentar ações da CAP que resultaram em conquistas para os médicos, como a lei do Ato Médico (12.842/13) e a que determinou reajustes anuais dos honorários na saúde suplementar (13.003/14), Pimentel relatou como está a tramitação das proposições que tratam da criação da carreira exclusiva. Pimentel enfatizou que o CFM defende a aprovação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 454/09, de autoria do hoje senador Ronaldo Caiado, que prevê a criação da Carreira Exclusiva de Médicos do SUS pela União, tendo sido esta a posição externada pelo presidente do CFM, Carlos Vital, em reunião recente com o ministro da Saúde, Ricardo Barros.
Esta proposta sofreu oposição do governo federal, o que levou o ex-senador Vital do Rego a apresentar a PEC 46/13, que prevê uma carreira nacional, a ser gerenciada por meio de um consórcio, e que tem mais possibilidade de ser aprovada. Pimentel explicou que a PEC 454/09 foi modificada para que a aprovação seja viabilizada. A nova versão estabelece, apenas, a criação da carreira exclusiva de Estado, sendo necessária a apresentação de projetos de lei, ou de decretos, regulamentadores. Até porque apenas o executivo pode apresentar projeto de lei que aumente a despesa, caso contrário a lei poderá ser impugnada por vício de iniciativa. “A luta é longa, mas começou há pouco tempo. Uma das nossas vitórias é que agora, quando falamos da criação de uma carreira de Estado para o médico, não somos taxados de loucos, como acontecia no passado”, ressaltou. O coordenador da CAP defendeu o engajamento dos médicos e das entidades médicas em prol da aprovação da carreira exclusiva de Estado na saúde.
Pessoa Jurídica – A palestra seguinte foi da advogada do Sindicato dos Médicos da Bahia Cláudia Bezerra, que falou sobre o tema “O papel do médico autônomo e contratado (CLT) na prestação de serviço ao SUS”. Inicialmente, ela fez uma distinção entre o médico autônomo, que é um profissional liberal, pessoa física, com liberdade de organização e de execução do trabalho; e o regido pela CLT, que trabalha sob regime de subordinação, com eventualidade e remuneração fixa. “O que temos hoje são médicos autônomos trabalhando como contratado. Uma relação que não poderia existir. São contratos nulos, que ensejam a punição da autoridade contratante. O que temos hoje é uma burla ao concurso público”, afirmou.
Cláudia Bezerra relatou os casos encontrados pelo Sindimed/BA, como prefeituras em que todos os médicos são contratados como pessoa jurídica e que rompem os contratos das médicas grávidas. Segundo a advogada, podem existir contratos de terceirização, mas de forma complementar e indireta. A advogada também destacou que há um mito do amor pelos médicos pela “pejotização” e que hoje o Sindimed tem 15 ações judiciais coletivas ajuizadas pleiteando o reconhecimento do vínculo trabalhista. Cláudia também alertou que a Receita Federal tem entendido que a contratação por PJ é uma forma de enganar ao fisco e tem autuado os médicos. “O poder público faz vista grossa para a ‘pejotização’ na saúde, mas depois vem cobrar do elo mais fraco na cadeia”, criticou.
Organizações Sociais – “Terceirização do trabalho nos serviços de saúde” foi o tema da palestra dada pelo promotor do Ministério Público do Trabalho Italvar Medina, que explicou sobre os limites da terceirização: realizada nas atividades meio, vedada a precarização, a empresa contratada deve ser especializada no serviço prestado e a subordinação deve ser com a empresa contratada e não com a contratante. “O que temos na saúde é exatamente o oposto”, denunciou. Segundo ele, há casos de empresas de limpeza fornecendo profissionais de saúde para hospitais, que prestam conta de seus serviços à direção médica. O mesmo ocorre com as cooperativas, cuja concepção prevê a adesão voluntária, mas hoje é uma imposição para a contratação dos profissionais.
Medina também criticou o aumento desordenado de contratações de Organizações Sociais. Apesar de terem sido consideradas legais pelo Supremo Tribunal Federal (STF), no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade 1.923/15, a escolha das OS, geralmente, não atende o que o STF considera como legal. De acordo com a ADI, as OS deveriam atuar de forma complementar “e não como únicas responsáveis pelos atendimentos de saúde”, o credenciamento deve ser público, objetivo e impessoal, deve ser vedada a intermediação e a contratação dos funcionários tem de ser por seleção pública. “Não é o que encontramos na maioria dos casos”, afirmou.
Demografia Médica – O coordenador da comissão Pró-Sus, conselheiro federal pelo Paraná, Donizetti Giamberardino, falou sobre o tema “A estagnação da remuneração profissional do médico no SUS”. Donizetti se amparou em dados do estudo Demografia Médica 2015 para mostrar a desigualdade na distribuição dos médicos no Brasil “temos profissionais em número suficiente, mas há um vazio na região Norte e nas pequenas cidades. O problema é que temos um sistema público bem intencionado, dentro de uma lógica de distribuição capitalista”; a dedicação dos médicos ao ofício “83,7% dedicam-se apenas à medicina, o que é um percentual grande, comparado às outras profissões”; a vinculação trabalhista “51,5% trabalham nas iniciativa pública e privada”; e a jornada de trabalho “apenas 24,5% trabalham menos de 40 horas semanais, com colegas trabalhando mais de 60 horas”.
O coordenador do Pró-Sus elencou os problemas enfrentados pelos médicos, como a falta nas condições de trabalho, o desestímulo para a permanência e a responsabilização pelos equívocos de gestão. Também criticou a tabela SUS, “que é uma peça histórica, da década de 1980, não sendo possível sua aplicação nem pela lei, nem pela remuneração”. Ele lembrou que a tabela SUS teve como base a extinta tabela do Inamps e que naquela época uma consulta equivalia a 8% do salário mínimo, o que hoje daria R$ 64,00. A tabela paga hoje R$ 2,50. O resultado da baixa remuneração e da falta de estrutura é um aumento do desinteresse, por parte dos médicos, para atuar no SUS, o que impacta a relação médico-paciente.
Diferentes Vínculos – O secretário-geral do CFM, Sidnei Ferreira, falou sobre a “Precarização do trabalho médico nos serviços de saúde”. “Hoje, quando um paciente dá entrada em um hospital vai ser atendido por profissionais com diferentes vínculos”, constatou. Também criticou o aumento desenfreado das escolas médicas “temos de parar a abertura de novos cursos e rever os que estão funcionando de forma precária” e criticou os ganhos das operadoras de planos de saúde “em 2010, elas respondiam por 44 milhões de vida e tiveram um faturamento de R$ 72 bilhões. Em 2015, eram 55 milhões de vida para um faturamento de R$ 124 bilhões. Alguém está ganhando muito dinheiro com a saúde e não são os médicos”, constatou.
Quanto aos rendimentos dos médicos, o Demografia Médica, também mostrado na apresentação de Sidnei Ferreira, constatou que 20% dos médicos ganham acima de R$ 20 mil e que metade, para ganhar uma remuneração maior, têm três vínculos empregatícios, ou mais. O secretário-geral do CFM mostrou editais de concursos para médicos com salários de R$ 1.755 para 40 horas semanais, contra concursos para procuradores com salários de R$ 22.213,00. “Não é verdade que o médico despreza a estabilidade. Queremos, mas com um salário digno, possibilidade de crescimento na carreira e condições de trabalho”, concluiu.
A presidente dos trabalhos realizados pela manhã e do Conselho Regional de Medicina da Bahia (Cremeb), Teresa Maltez, elogiou a qualidade das apresentações e do debate realizado. “Tivemos a oportunidade de ter uma visão geral sobre os problemas enfrentados pelo SUS, o que nos dá instrumentos para apresentar propostas que melhorem e fortaleçam a saúde pública no nosso país”, conclui. No período da tarde do dia 26 foi realizada uma mesa redonda sobre o financiamento do SUS e na manhã do sábado, dia 27, uma mesa redonda sobre as Organizações Sociais e as Parcerias Público Privadas na saúde.
Fonte: Cremeb