03/09/2007
Por trás da fumaça
Consumo de cigarros entre jovens é alto e começa cedo; as meninas já experimentam tanto ou mais que os meninos
"Conheço os males do cigarro. Mas, hoje em dia, o que não faz algum mal para a saúde? Não é possível que eu tenha que
me privar de tudo para poder chegar aos 80 anos. Prefiro morrer com 50 e ter aproveitado muito bem a vida", diz a estudante
carioca Thais Vieira Griffo, 17. Ela fuma regularmente desde os 15 e colocou o primeiro cigarro na boca aos 12. E não está
sozinha.
O depoimento dela reflete a maneira de pensar de muitos jovens que vão contra a corrente da geração saúde e que entraram
na cortina de fumaça antes de completar a maioridade.
É o que comprova um dos estudos mais amplos já feitos no Brasil, cujos dados começam a ser divulgados nesta quarta. Realizada
pela equipe da Unidade de Pesquisa em Álcool e Drogas da Universidade Federal de SP, a pesquisa mostra que 20,8% da população
brasileira é dependente de tabaco, e a experiência com o cigarro começa aos 13,5 anos.
Entre os jovens que hoje têm 14 a 17 anos, o percentual de dependência é de 6%. E, nesse grupo, as meninas estão experimentando
tanto ou mais que os meninos. "É preocupante porque dois terços deles seguirão fumantes pelo resto da vida e terão doenças
decorrentes do cigarro. E as mulheres são mais sensíveis aos problemas causados pelo cigarro", diz a psiquiatra Ana Cecília
Marques, uma das autoras do estudo.
Dependência não é opção
A maioria dos jovens começa com amigos, por curiosidade, e não pára mais. "Estava na escola, saí para almoçar com umas
amigas que fumavam e resolvi experimentar. Aí comecei a fumar quando ia na casa delas ou quando íamos a alguma festa", diz
a estudante paulista Carol, que tem 13 anos, fuma ocasionalmente desde o ano passado e preferiu não publicar seu nome verdadeiro
para não arrumar briga em casa.
"Só tenho medo de ficar viciada", diz Carol. Para a psiquiatra Sandra Scivoletto, chefe do Ambulatório de Adolescentes
e Drogas da Faculdade de Medicina da USP, a preocupação dela faz sentido: "Quanto mais cedo se começa a fumar, mais fácil
é criar dependência, e mais difícil largar o hábito", diz. E muitos nem percebem que já entraram nesse estágio.
"Eu não pretendo me viciar. Quando reparar que a coisa está se encaminhando para esse lado, eu paro", diz o estudante
Fernando, 17, de Porto Alegre. O detalhe é que ele consome de 3 a 5 cigarros por dia, o suficiente para caracterizar um quadro
de dependência.
"Os adolescentes costumam ter a fantasia de que dependência é uma opção. Mas são raras as pessoas que conseguem usar cigarro
socialmente, até a vida adulta, e não desenvolver dependência", afirma Scivoletto. Mas se parar de fumar é difícil, começar
é outra história.
Cigarro barato
Uma das coisas que ajuda bastante é o acesso que os jovens têm ao cigarro. "Eu fumo desde os 14 e nunca me pediram identidade.
Não tem essa de que vender cigarro é proibido para menor", diz a estudante paulista Bárbara Barbosa Farias, 18, enquanto fuma
um cigarro em frente ao cursinho. Não é só ela que acha fácil.
Mais de 75% dos jovens não precisam mostrar identidade para comprar cigarro, segundo o Vigescola, estudo sobre tabagismo
feito periodicamente pelo Ministério da Saúde em escolas de capitais brasileiras.
"Não acho caro. É mais barato que uma garrafa de cerveja, por exemplo", diz Karla Shinoda, 18, que faz cursinho e ainda
depende da grana dos pais.
Em 2003, a OMS fez um levantamento sobre o preço do cigarro e chegou a uma conclusão parecida com a de Karla: o Brasil
tem o sexto cigarro mais barato do mundo. Um maço que custa R$ 2,80 aqui é oito vezes mais caro na Inglaterra.
Além da boa política de preços, a indústria também tenta atrair os adolescentes com pessoas jovens e bonitas nas propagandas
dos pontos de venda -único lugar onde podem anunciar no Brasil, desde 2001.
Mas muitos jovens não precisam sair de casa para receber alguma influência a favor do cigarro -cerca de 40% deles têm
pelo menos um pai fumante, segundo o Vigescola.
"Minha mãe fumava e meu pai ainda fuma. Eles sempre falaram que cigarro faz mal. Mas acabei fumando também", diz Thais.
A mãe dela, a professora Renata Vieira, 37, reconhece a responsabilidade.
"A gente sabe que nossas atitudes valem mais para os filhos do que o que falamos. Mas nossa influência pode incentivar
o mesmo comportamento ou o contrário, porque ela também viu todo meu sofrimento para parar", diz a mãe, que largou 20 anos
de vício em 2006.
Fonte: Folha de São Paulo