18/11/2007

Planos devem R$ 384 mi ao SUS

As operadoras de planos de saúde privados acumulam com o Sistema Único de Saúde (SUS) uma dívida de R$ 384 milhões desde 2001 até este ano. O valor corresponde ao custo dos atendimentos a pacientes que têm planos, mas recorreram à rede pública. Pela lei, esses gastos, se cobertos pelo plano, devem ser devolvidos à rede pública pelas operadoras, mas elas resistem ao pagamento (leia mais na pág. A16).

Segundo a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), responsável pela fiscalização dos planos e pela cobrança da dívida, até hoje o governo obteve o ressarcimento de R$ 89,9 milhões (desconsideradas multas e juros). Corresponde a 19% do débito contabilizado, calculado em R$ 473,987 milhões. Ou seja, de cada R$ 10 cobrados, conseguiu receber pouco menos de R$ 2.

A ANS consumiu os últimos três anos estudando um novo modelo de cobrança, mas ele ainda não saiu do papel. "A questão é complexa. Já examinamos várias alternativas que acabaram arquivadas por obstáculos jurídicos", diz o diretor de Desenvolvimento Setorial da agência, o médico José Leôncio Feitosa. "O impacto de qualquer mudança sobre os planos tem de ser examinado com cuidado."

A lentidão gera críticas. "A demora em colocar em prática uma alternativa mais eficiente acaba beneficiando as operadoras de planos de saúde", diz o deputado federal Rafael Guerra (PSDB-MG), uma das lideranças da Frente Parlamentar da Saúde. Os recursos que as operadoras deixam de recolher seriam aplicados em ações de saúde - para efeito de comparação, a dívida equivale a praticamente o orçamento anual do Sistema Nacional de Transplantes.

Segundo Feitosa, até o final do ano a agência deve apresentar ao ministro da Saúde, José Gomes Temporão, proposta de medida provisória ou projeto de lei alterando as regras, com punições severas aos inadimplentes, nos moldes da Receita Federal. As regras devem integrar o PAC da Saúde.


Pagamento em queda

Embora a ANS venha aumentando o volume de cobranças, os pagamentos caem ano a ano. Dos R$ 53,1 milhões cobrados em 2003, o governo recuperou 23,3%. No ano passado, as cobranças emitidas somavam R$ 96,2 milhões, dos quais 12,1% foram recolhidos.

A cobrança é alvo de uma ação direta de inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal (STF). Embora o governo tenha uma liminar em seu favor desde 2003, muitas operadoras esperam o julgamento definitivo e adiam o recolhimento do dinheiro.

Das 1.100 empresas com planos sujeitos ao ressarcimento, 398 têm débitos vencidos e estão no cadastro de inadimplentes do governo. As médias e pequenas são as mais resistentes. "As grandes seguradoras, ligadas a bancos, pagam sem discutir", diz Feitosa. O diretor reage às críticas de que falta empenho. Segundo ele, em seis anos, cruzamentos feitos pela ANS para identificar os casos envolveram 80 milhões de internações.


Operadoras dizem que cobrança é indevida

Para entidade, planos não podem ser tratados como 'vilões' no caso

O vice-presidente da Associação Brasileira de Medicina de Grupo (Abramge), Sérgio Vieira, afirma que a dívida total de R$ 473,987 milhões contabilizada pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), referente ao custo dos atendimentos a pacientes que têm planos privados, mas recorreram à rede pública, inclui cobranças indevidas. "São muitos os casos em que o paciente buscou o SUS (Sistema Único de Saúde) porque o seu plano não previa a cobertura daquele atendimento. E as operadoras recorrem."

Para Vieira, as operadoras dos planos não podem ser tratadas como vilãs na discussão. "São R$ 473 milhões acumulados em de oito anos. O número é relevante, mas não é assim tão absurdo se comparado aos valores que o setor de saúde movimenta."

A União aplica na saúde pública R$ 45 bilhões por ano. Somando-se os investimentos obrigatórios de Estados e municípios, o orçamento anual é de aproximadamente R$ 90 bilhões. "Os planos de saúde não estão inviabilizando o SUS quando questionam o ressarcimento", diz.

As operadoras de plano de saúde são contrárias à cobrança do ressarcimento e aguardam o resultado do julgamento da ação direta de inconstitucionalidade contra a legislação que instituiu a exigência, hoje no Supremo Tribunal Federal (STF). Na ação, as operadoras argumentam que a Constituição classifica a saúde como direito do cidadão e dever do Estado. Por isso, os planos não seriam obrigados a pagar por atendimentos prestados a seus clientes na rede pública. O governo instituiu a cobrança por entender que, ao assumir o atendimento em um procedimento coberto por um plano, está, na prática, poupando a operadora de custos.


Conflito

Para o médico e deputado Rafael Guerra (PSDB-MG), que até setembro presidia a Frente Parlamentar da Saúde no Congresso, o governo demora a implantar uma solução para cobrar a dívida das operadoras de planos de saúde porque não quer entrar em conflito aberto com as empresas. "O governo teme que, apertando os planos, haja repasse das cobranças ao preço das mensalidades, atingindo os usuários", diz.

A preocupação federal não envolveria apenas cálculos econômicos. "A clientela dos planos de saúde é formada pela classe média, formadora de opinião. Os pobres, atendidos pelo SUS, não têm voz", afirma Guerra. Segundo ele, hoje 25% da população é cliente do sistema de saúde suplementar. "O governo tem investido menos do que deveria no sistema de saúde público. Se as mensalidades subirem, mais gente buscará o SUS, o que significará mais custos. O governo não quer isso", diz o deputado.

"Não se trata de preservar um ou outro grupo, mas sim de buscar uma solução que não encareça os planos, prejudicando os usuários, o que é absolutamente legítimo", rebate o deputado Pepe Vargas (PT-RS), também médico e integrante da mesma frente parlamentar, que reúne 260 deputados e senadores. "A solução é complexa. Qualquer mudança no sistema de cobrança envolve impactos econômicos e sociais. Não tem como elaborar um projeto de lei sobre o assunto sem estudos aprofundados", diz o petista.

Vargas concorda que a mudança das normas para dar mais agilidade e eficiência à cobrança da dívida dos planos com o SUS é urgente. Como as despesas com planos de saúde podem ser descontadas do Imposto de Renda, o impasse em torno da cobrança da dívida penaliza duas vezes os cofres públicos. "O governo deixa de arrecadar em duas frentes", completa Rafael Guerra.

Entre os parlamentares que atuam na área de saúde, a solução preferida passa pela fixação de um porcentual padrão de recolhimento para as operadoras. Com isso, seriam eliminados os cruzamentos caso a caso e todas as dificuldades associadas a eles, como a falta de estrutura para fazer a cobrança, os erros cadastrais e os adiamentos por parte das operadoras. A ANS informa que a idéia esbarra em obstáculos jurídicos. Um sistema deste tipo poderia ser equiparado à criação de um novo tributo e contestado na Justiça.


Fonte: O Estado de S.Paulo

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