24/05/2016
Drauzio Varella
O conceito de que placebos são preparações inertes deve ser abandonado. O efeito causado por eles é definido como "a melhora dos sintomas resultante da participação da pessoa doente num encontro terapêutico, com seus rituais, simbologias e interações".
É um efeito precipitado pelo contexto e o ambiente em que acontece a intervenção, seja realizada por médicos e outros profissionais da saúde, curandeiros ou charlatães.
A diversidade de sinais e comportamentos associados ao placebo inclui o avental branco, o estetoscópio, o ambiente hospitalar, o contato com as mãos que examinam e a empatia.
A neurobiologia do efeito é mais complexa do que imaginávamos. Envolve neurotransmissores (endorfinas, canabinoides e dopamina) e a ativação de regiões cerebrais de alta relevância funcional (córtex pré-frontal, ínsula e amígdala), os mesmos circuitos ativados por diversos medicamentos.
Pesquisas recentes conseguiram identificar alguns genes presentes nas pessoas mais suscetíveis à ação dos placebos. A elucidação desses mecanismos básicos trouxe credibilidade científica aos placebos. Sua atividade é mediada por fenômenos biopsicossociais que vão além das remissões espontâneas das doenças e das flutuações dos sintomas que as caracterizam.
O que aprendemos sobre eles, nos últimos anos?
Primeiro: Embora sejam capazes de aliviar sintomas, eles não curam nem alteram a fisiopatologia das enfermidades.
Por exemplo, não há evidência de que consigam reduzir as dimensões de massas tumorais, mas podem aliviar sintomas do câncer e os efeitos indesejáveis do tratamento: fadiga, náuseas, vômitos, dores ou ondas de calor da menopausa induzida.
Nos casos de asma, não melhoram os índices das provas de função pulmonar, mas podem diminuir a intensidade das crises de falta de ar.
Respostas semelhantes foram encontradas em afecções neuromusculares, gastrointestinais e urogenitais.
Segundo: O impacto da simbologia e das interações com o médico podem potencializar a eficácia dos medicamentos tradicionais.
Há um estudo em que pessoas com enxaqueca foram divididas em dois grupos: um deles recebeu um comprimido que continha 10 mg de rizatriptano, rotulado erroneamente como placebo; ao outro, foi administrado um comprimido de placebo com o rótulo de rizatriptano. Com a troca de rótulos, o alívio da cefaleia foi idêntico em ambos os grupos.
Quando os mesmos pacientes receberam os 10 mg de rizatriptano rotulados como tal, o efeito analgésico foi 50% superior ao do placebo. Resultados semelhantes foram descritos com morfina, diazepan e fentanila.
Terceiro: Os mesmos fatores psicossociais que promovem os benefícios dos placebos, podem dar origem a efeitos indesejáveis (efeito nocebo).
É o caso das náuseas antecipatórias dos pacientes que vomitam ao chegar no hospital, antes de entrar na sala de quimioterapia.
Num estudo, portadores de aumento benigno da próstata medicados com finasterida, previamente informados de que a droga poderia interferir com a potência sexual, queixaram-se três vezes mais desse inconveniente, do que aqueles tratados com a mesma droga, sem ter recebido essa informação.
Num estudo com um anticonvulsivante no tratamento da enxaqueca, pacientes que receberam comprimidos de talco (placebo), aparentemente idênticos aos do medicamento, queixaram-se de perda de memória e do apetite.
Um levantamento de vários ensaios clínicos mostrou que em 4% a 26% dos casos, os participantes interrompem o placebo por causa de reações colaterais.
Uma variedade infinita de placebos é receitada por vizinhos, curiosos, avós, religiosos e navegadores da internet. Os benefícios obtidos fazem a fama de curandeiros e de alguns médicos que trabalham na área da assim chamada medicina alternativa. A elucidação dos mecanismos neurobiológicos envolvidos na ação dos placebos começa a dar sentido ao bem-estar que certos pacientes referem sentir com eles.
Por outro lado, precisamos aprender como a atenção, a empatia, o exame físico cuidadoso e as palavras de conforto podem tirar partido da neurobiologia do efeito placebo, na prescrição dos medicamentos de alta eficácia à disposição da medicina moderna.
Artigo escrito por Drauzio Varella, médico cancerologista, dirigiu o serviço de Imunologia do Hospital do Câncer. Um dos pioneiros no tratamento da Aids no Brasil e do trabalho em prisões. Publicado no jornal Folha de S. Paulo.
*As opiniões emitidas nos artigos desta seção são de inteira responsabilidade de seus autores e não expressam, necessariamente, o entendimento do CRM-PR.