02/01/2007
Perspectiva 2007 - 10 avanços históricos da medicina
A REVISTA VEJA analisa nas páginas que se seguem as inovações médicas e tecnológicas, as idéias e os livros surgidos em 2006
que terão impacto na vida das pessoas em 2007 e nos anos seguintes. Muita gente não sabia sequer que substância é essa que
atende pelo estranho nome de gordura trans. No ano que passou, as pessoas não apenas foram apresentadas a ela, mas souberam
de seus malefícios à saúde de forma tão conclusiva que aprenderam a fugir dela nos supermercados. Ainda no campo da dieta,
firmou-se no mundo científico a idéia de que a única forma reconhecida de prolongar a vida dos animais de sangue quente é
a "restrição calórica" - trocando em miúdos, comer menos, muito menos do que estamos habituados mesmo sob regimes severos.
No campo das idéias, ficou óbvia a noção de que o governo é um ente caro demais para as dimensões da economia brasileira -
e só sua reforma drástica abrirá caminho para o progresso sustentado do país. O Brasil ficou em ponto morto em 2006, mas,
seja pela negação, seja pela afirmação, este foi um ano de muitas e úteis lições. É o que se vai ler nas próximas páginas.
INIMIGO ISOLADO
A gordura trans foi para a berlinda. Utilizada para dar mais sabor, melhorar a consistência e prolongar o prazo de validade
de alguns alimentos, ela está na pipoca de microondas, nos salgadinhos de pacote, nos donuts, nos biscoitos, nas bolachas,
nos sorvetes, na maioria das margarinas ou dos lanches fast-food. De acordo com um estudo americano, além de sua relação com
um aumento nos níveis do colesterol ruim e uma queda nas taxas do colesterol bom, o consumo de trans está associado ao acúmulo
de tecido adiposo no abdômen - o mais nocivo à saúde, por elevar os riscos de infarto, derrame, diabetes e de uma série de
outros distúrbios. A descoberta abre caminho para que, no futuro, o consumo de gordura trans seja abandonado. Em agosto, a
Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) aprovou uma resolução que obriga os fabricantes de alimentos industrializados
a discriminar no rótulo do produto a quantidade de trans contida nele. E, no início de dezembro, a prefeitura de Nova York
aprovou uma lei que proíbe, a partir de julho de 2008, os restaurantes da cidade de usar a gordura trans no preparo de seus
pratos
ATAQUE AO CÂNCER DE COLO DE ÚTERO
Em agosto, foi aprovada no Brasil a primeira vacina contra o vírus HPV, causador do câncer de colo de útero. O vírus ataca
uma em cada sete mulheres sexualmente ativas e é responsável por 70% dos tumores uterinos - atualmente é a terceira causa
de morte por câncer entre as brasileiras. Por isso, as meninas pré-adolescentes são o alvo principal da nova vacina. De acordo
com os estudos feitos até o momento, a vacina é capaz de prevenir sete em cada dez casos de câncer de colo de útero. Os médicos
acreditam que a imunização contra o HPV mudará o curso das contaminações, transformando o câncer de colo de útero numa doença
relativamente rara
SEM MEDO
Dois de cada dez homens com mais de 40 anos sofrem as conseqüências da baixa de testosterona: irritabilidade, alterações
do sono, dores, cansaço físico, desânimo, diminuição do desejo sexual e perda de potência. Até pouco tempo atrás, não havia
consenso sobre a adequação de receitar a reposição desse hormônio como forma de combater esses sintomas. Em 2006, no entanto,
os médicos perderam definitivamente o medo de indicar aplicações de testosterona para homens de meia-idade. Ainda que faltem
pesquisas de controle que atestem seus efeitos a longo prazo, os estudos mais recentes demonstraram que doses extras do hormônio
fazem mais bem do que mal - a testosterona, além de melhorar a qualidade de vida, pode reduzir a incidência de várias doenças.
Apesar do otimismo recente em relação ao hormônio, é preciso ter cautela. A sua reposição é contra-indicada em uma série de
casos e só deve ser adotada com indicação médica
ARSENAL REFORÇADO
Em 2006, foi dado um passo importante para o controle do diabetes, doença caracterizada pelo aumento dos níveis de açúcar
no sangue, que atinge 10 milhões de brasileiros. Trata-se da criação de medicamentos que atuam sobre as incretinas, uma família
de hormônios produzidos pelo intestino, capaz de potencializar a secreção da insulina, o que, em última instância, ajuda a
controlar a absorção de açúcar pelo organismo. Tidos como inteligentes, esses remédios só aumentam a secreção de insulina
quando o corpo precisa, de forma muito parecida à natural, em sintonia com a demanda do organismo. Os antidiabéticos tradicionais
não têm essa característica. Outra conquista para o tratamento da doença foi a chegada ao mercado da primeira insulina inalável,
a Exubera. Esses avanços representam o início de uma era em que o controle do diabetes se torna mais preciso e menos penoso,
sem a necessidade das injeções diárias de insulina - o que facilitará a adesão do paciente ao tratamento e ajudará a reduzir
as conseqüências nefastas decorrentes do controle precário da doença
COMBATE AO TABAGISMO
Com a aprovação, em maio, nos Estados Unidos, da substância varenicline, a medicina deu grande passo rumo ao combate do
tabagismo. Vendida sob o nome comercial de Champix, ela é o primeiro remédio a bloquear a sensação de prazer proporcionada
pela nicotina. Ou seja, mesmo que o paciente sofra uma recaída durante o tratamento, não sentirá satisfação alguma com as
tragadas. Os estudos mostram que 45% dos fumantes que usaram varenicline largaram o vício nas primeiras doze semanas de tratamento.
O abandono acontece progressivamente, o que evita as crises de abstinência e, conseqüentemente, os riscos de recaídas. Apenas
30% dos fumantes conseguem parar de fumar no mesmo período seguindo os tratamentos convencionais. Sem a ajuda de medicamentos,
o índice cai para 17%. A esperança é que a oferta de remédios mais efetivos contra o vício do cigarro, aliada ao rigor das
legislações nacionais, consiga reduzir drasticamente o tabagismo nos próximos anos. O novo medicamento dever chegar ao Brasil
em 2008
COMER POUCO FAZ BEM
A edição de dezembro da revista científica Proceedings of the National Academy of Sciences trouxe os resultados de um
estudo muito esperado pelos especialistas: o impacto das dietas de restrição calórica na saúde de primatas. Pesquisas desse
tipo com ratos já tinham comprovado que comer muito pouco melhora o sistema imunológico e desacelera o envelhecimento. Ao
demonstrar que o mesmo acontece com macacos, o estudo, além de fornecer pistas de que isso também pode ocorrer com humanos,
lança sementes para mudanças nos protocolos de nutrição. Os especialistas prevêem que, no futuro, as dietas de restrição calórica
podem ser indicadas como uma ferramenta para melhorar as funções orgânicas
UMA ESTRATÉGIA PARA CADA TUMOR
Um importante passo rumo ao tratamento individualizado do câncer de mama foi dado em 2006. Em setembro, pesquisadores
da Universidade Brown, nos Estados Unidos, comprovaram a eficácia de um novo método para selecionar as pacientes que mais
se beneficiariam da quimioterapia. A novidade confirma a evolução das técnicas para análise genética dos tumores. Os médicos
apostam que esse tipo de investigação vai revolucionar o tratamento do câncer de mama, já que permite a criação de terapias
muito mais personalizadas - e, portanto, mais eficazes e seguras do que as feitas atualmente
VISÃO PRESERVADA
Foi aberta uma nova frente de combate à degeneração macular, doença que afeta cerca de 5 milhões de brasileiros e constitui
a principal causa de cegueira entre pessoas acima de 65 anos. Os novos remédios agem sobre a formação anormal de vasos sanguíneos
na mácula, uma estrutura localizada no centro da retina, responsável pela captação das luzes e cores do ambiente. O primeiro
da categoria, o ranibizumabe, foi lançado em 2006, nos Estados Unidos, e deve chegar ao Brasil neste ano. As pesquisas com
ele mostraram que, depois de um ano de uso, 40% dos pacientes apresentaram melhora na visão. Outro remédio da classe, o bevacizumabe,
no mercado para o tratamento de câncer de cólon, apresentou bons resultados clínicos contra a degeneração macular, o que encorajou
os médicos a prescrevê-lo antes mesmo da liberação das agências reguladoras para essa finalidade. Até bem pouco tempo atrás,
os únicos tratamentos disponíveis eram indicados a pouquíssimos pacientes e, ainda assim, apenas uma ínfima parte deles tinha
sucesso no tratamento. Abre-se, portanto, a possibilidade de uma mudança efetiva no curso natural da doença
POR DENTRO DO CORAÇÃO
Uma pesquisa americana divulgada em setembro colocou em xeque a segurança da utilização de stents recobertos com medicação,
utilizados para facilitar o fluxo sanguíneo de artérias coronárias. No início dos anos 2000, esse tipo de terapia foi alardeado
como uma das grandes evoluções da cardiologia, já que representava uma opção menos invasiva às cirurgias de revascularização
do músculo cardíaco.
Segundo o estudo mais recente, os stents com medicamentos aumentam (ainda que ligeiramente) os riscos
de formação de coágulos em comparação com os stents não revestidos. O resultado reacendeu uma antiga polêmica: a escolha entre
a cirurgia e a angioplastia, a normalização da circulação arterial por meio de um cateter. Até o momento, porém, os órgãos
reguladores de saúde consideram os dados do levantamento americano insuficientes para recomendar o abandono da técnica. Mas
demonstram a necessidade de que mais estudos nessa área sejam feitos, o que poderá resultar em mudanças nos protocolos de
tratamento cardiológico. É possível, por exemplo, que nos próximos anos os especialistas invistam mais em tratamentos clínicos,
como o uso de medicamentos, dietas e exercícios
CONTRA A OBESIDADE
Em 2006, uma substância presente em grandes quantidades na casca da uva vermelha, o resveratrol, ganhou destaque. Um estudo
da Universidade Harvard, nos Estados Unidos, mostrou que altas doses diárias da substância podem evitar alguns dos males decorrentes
da obesidade. Outro trabalho, esse de pesquisadores franceses, revelou que o consumo da substância melhora a performance física.
Apesar de esses estudos ainda serem preliminares - ambos foram feitos com ratos -, eles abrem a possibilidade para o desenvolvimento
de medicamentos contra os males decorrentes da obesidade.
Fonte: Revista Veja - 30/12/2006