02/01/2013

Perigos da licença médica vitalícia

Claudio Schvartsman

O grande desafio da medicina moderna é o de estreitar o fosso entre o conhecimento produzido pela comunidade médica de pesquisa e a atuação da comunidade médica praticante, ou seja, os médicos provedores da prática clínica e cirúrgica. A primeira inclui academia, indústria e entidades governamentais, e produz inovações na ciência e tecnologia médica, incluindo novos medicamentos, ferramentas diagnósticas e procedimentos terapêuticos e cirúrgicos. A segunda inclui clínicos e cirurgiões, novatos e veteranos, generalistas e especialistas.

Estima-se que a prática médica mude cinco por cento todo ano para poder acompanhar o ritmo com que recursos diagnósticos e opções terapêuticas tornam-se obsoletas e são substituídas por novas práticas.

Para que a sociedade se beneficie efetivamente com os avanços da ciência, é necessário garantir que a informação produzida pela comunidade de pesquisa seja incorporada com relativa segurança e rapidez pela comunidade médica praticante. Por isso, em quase todos os países com medicina avançada, incluindo Estados Unidos, Canadá e praticamente toda a Europa ocidental, é obrigatória a comprovação de adesão a um programa de atualização para manter válida a licença para atuar.

No Brasil, onde há 370 mil médicos atuando em uma ou duas das 53 especialidades disponíveis, pouco se tem discutido sobre o desenvolvimento profissional continuado, que foca na fase mais longa e complexa da educação médica. Os médicos, cada vez mais, são forçados a manter-se atualizados em relação aos conhecimentos teóricos, continuamente em evolução, com obsolescência rápida, o que requer rapidez de aprendizagem, flexibilidade e adaptação.

Dentro deste contexto, o Hospital Israelita Albert Einstein criou em 2002 seu Programa de Educação Médica Continuada, que valida anualmente a atualização do médico de seu corpo clínico através de um sistema de pontos, obtidos através de cursos, jornadas, congressos, trabalhos científicos, entre outras opções de atualização. Em um esforço consistente e contínuo obteve a adesão crescente de seus médicos e hoje podemos nos orgulhar que chegamos a 100% do corpo clínico contratado.

Em âmbito nacional, a obrigatoriedade de atualização e educação continuada surgiu em 2005 (com a resolução CFM 1.772/2005) quando o Conselho Federal de Medicina, com apoio da Associação Médica Brasileira e todas as sociedades científicas de especialidades, instituiu o Certificado de Atualização Profissional para a revalidação dos títulos de especialista. Para isto, criou um elaborado sistema de pontos para atividades de ensino médico, mantido pela Associação Médica Brasileira e que previa revalidação quinquenal e exigência de um número mínimo de pontos para tal.

No início de 2012, quando a medida começaria a surtir efeito, infelizmente, ela foi revogada pelo Conselho Federal de Medicina, na contramão de uma tendência mundial de garantir a qualificação profissional e a consequente segurança do paciente. Lamentamos que isto tenha ocorrido e entendemos que, para o bem do Brasil, esta decisão venha a ser revista. Nenhum país pode se dar ao luxo em 2012 de ter médicos com licença vitalícia para atuar.

Artigo escrito por Claudio Schvartsman, diretor clínico do Hospital Israelita Albert Einstein, de São Paulo, onde coordena o Programa de Educação Médica Continuada. Publicado no jornal O Globo.

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