31/08/2016
Luciana Rodrigues Silva e Sidnei Ferreira
O Tribunal de Contas da União (TCU) pediu acesso ao resultado de centenas de fiscalizações realizadas pelos Conselhos Regionais de Medicina (CRMs) ao longo de 2015. Em meio ao calhamaço de informações um ponto se destaca: o descaso para com a infraestrutura da rede pública de atenção primária.
É justamente nas 41 mil unidades básicas de saúde (UBSs) espalhadas pelo País que os pacientes deveriam ter acesso às ações de promoção da saúde, de prevenção de doenças e de cuidados.
Plenamente eficientes, ajudariam a reduzir a incidência de doenças e a controlar os problemas crônicos, com menos sequelas e mortes, esvaziando hospitais e, o que mais gostam de ouvir os gestores, diminuindo custos.
Contudo, os dados mostram uma rede à margem de suas possibilidades. A falta de instalações adequadas, de equipamentos e insumos não permite que as equipes cumpram suas missões.
Das 1.266 UBSs vistoriadas pelos conselhos de medicina, em 2015, um total de 739 (58%) apresentavam mais de 30 itens em desconformidade com o estabelecido pelas normas legais em vigor. Sob a responsabilidade dos atuais gestores deixaram de cumprir exigências criadas pelo próprio Ministério da Saúde.
O descaso transparece em contextos incompatíveis com a dignidade humana e a responsabilidade técnica. Em 41% das unidades não havia um negatoscópio (aparelho para avaliar uma radiografia) e a falta de estetoscópio foi registrada em 23% das fiscalizações.
A precariedade das instalações em locais onde a limpeza é fundamental também foi percebida. Em 3% das UBS visitadas não havia sanitários para os funcionários; em 8% faltavam pias ou lavados; sabonete líquido e papel toalha eram itens faltantes em 16% das unidades.
A pediatria é uma das especialidades que mais sofre com esta situação que beira o surreal. No Brasil, há 35 mil especialistas na área. Pouco mais de 70% deles atuam na rede pública, principalmente nesta rede que carece de quase tudo. Mesmo assim, num contexto completamente adverso, eles têm se desdobrado para oferecer às crianças e adolescentes o mínimo do que precisam.
Por isso, cuidam da saúde de 50 milhões de brasileiros, com idades de zero a 18 anos, que dependem exclusivamente do SUS para ter acesso a consultas médicas, exames, internações e cirurgias. No entanto, no cenário atual, profissionais e pacientes enfrentam situações-limite, que causam desespero nas famílias e impõem dilemas éticos aos médicos, cerceados por fatores que fogem ao seu controle.
Em nome da saúde e do bem-estar dos jovens brasileiros esta realidade deve ser transformada com urgência. Neste contexto, a assistência pediátrica de qualidade tem que ser vista como prioridade, pois se ocupa fundamentalmente daqueles que, mais que todos, precisam de um Governo que respeite a cidadania.
Artigo escrito por Luciana Rodrigues Silva, presidente da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), e Sidnei Ferreira, diretor do Conselho Federal de Medicina (CFM). Publicado no jornal O Rio Branco (AC).
*As opiniões emitidas nos artigos desta seção são de inteira responsabilidade de seus autores e não expressam, necessariamente, o entendimento do CRM-PR.