15/09/2008
Parto normal ou cesárea: a opinião de um clínico
O parto, além de ser um ato fisiológico, é um ato médico. Muito se discute sobre a decisão de tentar o parto normal ou agendar
a cesárea previamente por fatores que variam da comodidade às crenças populares.
Atualmente, os índices de cesáreas no país vem crescendo, representando, atualmente, 43% dos partos em 2007, segundo o
Ministério da Saúde. O número está muito além dos 15% apresentados pela Organização Mundial da Saúde (OMS).
Na tentativa de normalizar a situação, diversas propostas vêm sendo discutidas entre médicos, governo e sociedade, nem
sempre felizes. A mais recente foi da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), que anunciou um pacote de supostos
benefícios a vigorar a partir de dezembro na tentativa de incentivar o parto normal.
O pacote teoricamente visa a reduzir as cesarianas por meio da oferta de alguns atrativos às mães que optarem pelo parto
normal. Entre eles, a presença do acompanhante antes, durante e após o parto; quartos com até duas gestantes; a possibilidade
de o bebê ficar ao lado da mãe no quarto, se não houver impedimento clínico; e a liberdade de escolha da mulher, também se
não houver impedimento clínico, quanto à posição em que dará a luz: de cócoras ou deitada.
Mas será que a mãe tem realmente pleno domínio desse processo e amplas condições de tomar tal decisão sozinha? A palavra
do médico, sua experiência cotidiana, a bagagem de conhecimento científico não valem nada numa hora dessas?
Ora, a medicina determina algumas situações em que o médico tem de necessariamente optar pela cesárea. Embora em alguns
casos esta decisão possa ser tomada com antecedência, como nos casos de partos cesáreas anteriores ou gestações gemelares,
na grande maioria dos casos ela só pode ser tomada com segurança durante o trabalho de parto. A posição do bebê, a falta de
dilatação uterina ou ainda o sofrimento fetal são os maiores responsáveis pela decisão de se realizar uma cirurgia para a
saída do concepto.
Cabe, portanto, ao médico, decidir, orientar e adiantar para a gestante todas as possíveis complicações e mudanças de
planos que podem porventura surgir até o nascimento.
Como toda cirurgia, a cesariana não é sempre isenta de riscos. Também exige maior tempo de internação e resulta em pós-operatório
que requer mais cuidados nos dias ou semanas seguintes. Já no parto normal, além dos benefícios para a mãe, que não passa
por uma cirurgia, há uma série de vantagens ao bebê, como expansão pulmonar mais natural e menor risco de desconforto respiratório.
Voltando à tentativa do governo de incentivar o parto normal, o que acontecerá com a mãe que, mesmo inclinada a ter seu
bebê pela via natural, tiver de se submeter a uma cesariana por determinação clínica. Se essa for a única forma de o procedimento
chegar a bom termo para ela e para a criança, será mesmo assim punida com a retirada de todos os benefícios que já havia vislumbrado?
É com a perspectiva de criar distorções como esta que este projeto foi anunciado como "uma tentativa de incentivar a humanização
do parto". Humanização? Humanização tem origem na escola, no ensino médico de qualidade, na segurança e no conforto a todas
as gestantes, independentemente da indicação clínica para o tipo de parto.
A humanização deve contemplar maternidades e centros obstétricos e enfermagem obstétrica à altura do bem-estar materno-fetal.
Também envolve extinguir as malfadadas Casas de Parto, que se prestam apenas aos menos favorecidos, enquanto os que as preconizam
buscam para suas filhas e esposas as melhores maternidades e os melhores obstetras. Para completar, nos deparamos com o absurdo
dos cursos formadores de parteiras, em detrimento do direito da enfermeira obstétrica de acompanhar o parto, cuja formação
acadêmica atende às necessidades da boa assistência ao parto.
Dr. Antônio Carlos Lopes - Professor Titular da Disciplina de Clínica Médica da Unifesp/EPM, Presidente da Sociedade
Brasileira de Clínica Médica, e Ex-Secretário Executivo da Comissão Nacional de Residência Médica/MEC