25/05/2018
Guarapuava havia ganho este ano escola particular e pode começar 2019 com faculdade estadual
O Conselho Regional de Medicina do Paraná vê com preocupação o lançamento da 21.ª escola médica no Estado, a segunda em Guarapuava, que neste 2018 já havia inaugurado o curso da Faculdade Campo Real, com 55 vagas de ingresso. O Decreto n.º 9.675, assinado pelo governo do Estado em 17 de maio e publicado no Diário Oficial no dia seguinte, cria o curso de medicina na Universidade Estadual do Centro-Oeste (Unicentro), com início previsto já em 2019 e com 40 vagas anuais. A comissão de coordenação do processo de implantação já está constituída para firmar as ações administrativas e pedagógicas.
Na visão das entidades médicas, os principais entraves residem na dificuldade de estruturação de corpo docente qualificado e com específico direcionamento ao ensino médico e, também, especialistas em número suficiente às exigências para a boa formação dos alunos, ainda mais com dois cursos numa mesma cidade e a concorrência imposta pela expansão que mais que dobrou os centros formadores no Paraná na última década. Neste cenário, delega-se a não-médicos o ensino de medicina nos primeiros anos, o que compromete a confecção de correlações úteis e a aplicação prática das cadeiras básicas observadas quando ministradas por profissionais médicos que detêm conhecimento clínico.
As limitações orçamentárias são outro sério empecilho, como já observado em anos passados, quando chegou a ser assinado outro decreto com a mesma finalidade de oferecer à região de Guarapuava um curso médico sob a tutela do governo estadual, ou, ainda, os problemas recorrentes registrados nas universidades públicas com cursos médicos e hospitais-escola, pela complexidade a que estão envolvidos. A questão, aqui, está longe de colocar em xeque a capacidade administrativa e técnica da Unicentro nos 67 cursos de graduação que já oferece – presenciais e a distância – e que se somam a outros 21 de mestrado ou doutorado.
A faculdade de medicina da Unicentro é projetada para ser a sexta estadual, juntando-se às da Universidade de Londrina (80 vagas), Maringá (40), Ponta Grossa (40), Unioeste de Cascavel (40) e Unioeste de Francisco Beltrão (40), fechando o total de 280 vagas de ingresso. Com as federais de Curitiba (190), Toledo (60) e Unila de Foz do Iguaçu (60) e mais 12 escolas privadas, o Paraná passará a contar com 1994 vagas anuais a partir de 2019, salvo se não surgirem novos cursos apesar da “moratória” de cinco anos anunciada pelo governo federal.
O Paraná tem hoje 26.137 médicos em atividade, sendo 395 na Regional do Conselho de Medicina em Guarapuava, que congrega 21 municipalidades. Na cidade-sede estão 300 profissionais (205 homens e 95 mulheres), mas com carências em várias especialidades, como anatomia patológica, cancerologia, citopatologia, fisiatria, hematologia, neuropediatria, medicina do esporte, alergia e imunologia e cirurgias vascular, oncológica ou torácica, que têm apenas um ou nenhum profissional atuando na região.
O Hospital Regional do Centro-Oeste tende a ser inaugurado em breve e vai exigir muitos investimentos para suprir suas necessidades de funcionamento, em especial no que se refere a recursos humanos, e também para sua manutenção enquanto hospital-escola e possível referência de assistência para 180 mil habitantes de Guarapuava e outros 300 mil dos municípios vizinhos, que vêm perdendo muitos de seus serviços de saúde face dificuldades financeiras e administrativas. O Hospital Santo Antonio, de Cantagalo, fechou as portas recentemente, depois de 40 anos, seguindo o destino do Estrela de Belém, da própria Guarapuava, entre outros que suspenderam atividades.
O CRM-PR reitera a sua posição de que não é enfaticamente contra a abertura de escolas médicas, mas sim das que surgem desprovidas do objetivo ou das condições necessárias para formar médicos bem capacitados. Não há dúvida de que cursos de medicina há muito se transformaram em instrumento sedutor por fomentar dividendos econômicos, políticos e sociais. Contudo, dentro de suas atribuições legais, o Conselho reafirma o compromisso de cobrar responsabilidade do aparelho formador em lançar no mercado profissionais ética e tecnicamente preparados para oferecer o melhor na atenção à saúde da população.
A sociedade precisa ter consciência de que a expansão territorial dos cursos médicos está longe de assegurar a presença de profissionais nos vazios assistenciais. Seja no polo de Guarapuava ou de qualquer outro do País, é irreal supor o enraizamento dos que se formam, possibilitando encorpar a cobertura médica. Estudos estatísticos atestam que o problema é histórico e está dissociado da quantidade de profissionais. Tem origem na falta de atrativos técnicos e financeiros para a fixação do médico nos menores centros, com o que as entidades médicas há muito vêm defendendo a constituição de um plano de carreira de Estado, em moldes semelhantes aos que envolvem outras carreiras, como magistratura, ministério público e magistério.
O “Mais Médicos” representa um paliativo, com prazo de validade, pois está distante da amplitude das reais necessidades da população no melhor na atenção à sua saúde. Muita propaganda e exposições estatísticas maquiadas não encobrem a assistência deficiente e que impactam em indicadores negativos na saúde, como o recrudescimento de doenças primárias e que há muito pareciam erradicadas.
O Brasil está no momento com 316 cursos de medicina, recorde
mundial se considerado nosso índice populacional. São mais de 32 mil vagas e sob expectativa de que mais de 40 cursos autorizados
antes da chamada “moratória” ainda possam emergir. São mais de 450 mil médicos em atividade e a perspectiva desse número dobrar
em uma década, inflada pela chegada de milhares de brasileiros que estão estudando ou já se formaram em escolas da América
Latina e Caribe, em especial Bolívia, Argentina e Bolívia, e que formam contingente vultoso de concorrentes à validação de
diplomas. É passada da hora de adoção de medidas efetivas para que seja aferida a qualidade de nossas escolas e suspensas
ou extintas as que ignoram os rigores do processo formador, lançando no mercado profissionais despreparados e mais vulneráveis
a desvios éticos em situações de imperícia, imprudência ou negligência.
Confira artigos de opinião sobre formação
médica:
https://www.crmpr.org.br/Escolas-medicas-demais-saude-de-menos-13-48586.shtml
https://www.crmpr.org.br/Escolas-medicas-a-historia-se-repete-13-48613.shtml
https://www.crmpr.org.br/Medicos-sao-liberados-para-a-vida-profissional-sem-controle-de-qualidade-13-48614.shtml