04/08/2014

Para juízes, limite de idade para fertilização é inconstitucional

Em 2013, CFM vetou reprodução assistida a mulheres acima de 50 anos. CNJ fez pacote com orientações para auxiliar o julgamento de ações sobre o tema

A avaliação é do CNJ (Conselho Nacional de Justiça) e contraria norma do CFM (Conselho Federal de Medicina) de 2013, que restringe em 50 anos o limite de idade para fazer a fertilização.

Em um pacote de orientações feito aos juízes em maio, sobre temas de saúde, o CNJ diz que limitar a idade afronta o direito à liberdade de planejamento familiar.

O CFM argumenta que a gravidez tardia traz riscos à saúde da gestante, como hipertensão e diabetes, e do bebê, como a prematuridade.

Para Deborah Ciocci, conselheira do CNJ, a medida pune a mulher e deveria ser banida ou alterada, deixando a decisão a cargo do médico. "Ele é responsável pela paciente e assume os riscos."

Segundo ela, a orientação do CNJ é educacional, para subsidiar o juiz com informações caso ele tenha que julgar uma ação sobre o tema. "Não é jurisprudência."

Tramita no Congresso um projeto de lei que pede a anulação da resolução do CFM. "Não se pode limitar idade de ser mãe. A medicina é uma ciência em que os casos são individualizados", diz o deputado Arnaldo Faria de Sá (PTB), autor do projeto.

Para o ginecologista Eduardo Mota, professor da Unifesp e especialista em reprodução assistida, o CNJ tem razão. "Talvez a norma do CFM devesse ter isso [limite da idade] como recomendação e não como obrigação."

O mesmo pensa o ginecologista Julio Voget, um dos responsáveis pelo sucesso de um tratamento de fertilização in vitro numa mulher de 61 anos (veja à dir.) em 2011.

"É um dilema garantir o direito à reprodução e evitar riscos à saúde, mas acho que o médico é capaz de pesar isso e tomar a melhor decisão."

Ele afirma que já atendeu mulheres na faixa de 40 anos com problemas de saúde que implicavam mais riscos do que outras acima de 50 anos.

Voget diz que, após a resolução, foi procurado por várias mulheres com mais de 50 anos que desejavam ser mães, mas, depois de informadas que deveriam buscar autorização no conselho de medicina, não retornaram.

Literatura médica

O CFM informou que a fixação do limite de idade leva em consideração estudos internacionais que relatam riscos nas gestações tardias. "Em outros países, o limite de idade é menor. Na Dinamarca, é de 45 anos."

Segundo o CFM, a resolução deixou aberta a possibilidade de mulheres acima de 50 anos solicitarem autorização aos conselhos regionais de medicina. "Os casos serão analisados individualmente, a partir de dados clínicos."

O CFM reiterou ainda que "nunca houve a intenção de cercear direitos humanos, individuais ou reprodutivos" e que os conselheiros federais de medicina estão à disposição do CNJ para esclarecer eventuais dúvidas.

O ginecologista Artur Dzik, diretor científico da Sociedade Brasileira de Reprodução Humana, diz que a norma do CFM é pedagógica e alerta sobre os riscos da gravidez tardia. "Evita a banalização."

Depoimento

Mãe aos 62 anos, educadora ainda amamenta filha

Mãe de um casal de filhos e avó de cinco netos, a educadora Márcia Chaves Gamboa engravidou novamente no fim de 2011, aos 61 anos, por fertilização in vitro e com óvulo doado. Deu à luz aos 62.

Marcita nasceu em agosto de 2012, com 38 semanas de gestação. Hoje, com quase dois anos, a menina ainda mama no peito. Leia a seguir trechos do depoimento de Márcia.

"Entre namoro e casamento, estamos juntos há 14 anos. O Silvio não tinha filhos e sempre dizia que queria ter uma Marcita [apelido da filha].

Só que, além de estar na menopausa, tinha feito laqueadura após o nascimento da minha filha caçula. Mas um dia decidimos investigar se a gravidez era possível e todos os riscos envolvidos.

A primeira tentativa não deu certo. Na segunda, quando pegamos o resultado positivo, foi uma emoção muito grande.

Esperamos as festas de final de ano para contar para a família. Quando mostrei o exame, todos ficaram incrédulos. Meu filho [hoje com 39 anos], que é médico, dizia: 'Mainha, como isso é possível?'.

A gravidez foi tranquila, continuei trabalhando [é pesquisadora convidada da Unicamp] e fazendo minhas atividades físicas. A equipe médica e uma nutricionista me acompanharam. Marcita nasceu em 20 de agosto, na 38 a semana de gestação [com 2,3 kg].

Tinha receio de não produzir leite, mas sempre tive bastante. Até hoje, ela mama no peito. É o primeiro lugar que ela procura quando tem fome.

Ter uma filha nessa idade nunca nos impediu de nada. Como pesquisadores, a gente viaja muito e ela sempre está com a gente. Não temos babá, nos revezamos nos cuidados.

Nossos amigos dizem que a gente rejuvenesceu. Acho que esse direito à maternidade não deve ser tolhido das mulheres."

Fonte: Folha de S. Paulo

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