12/08/2014

Padre-médico relata sua 403ª missão humanitária no Amazonas

Com 80 anos de idade completados em julho, ele se diz a serviço da vida e da saúde dos mais pobres e doentes

O padre e médico pediatra José Raul Matte concluiu no último domingo, 10, a sua 403.ª das “Missões Camilianas na Foz do Amazonas”, que alcançou as comunidades dos rios Tartaruga, Boa Vista, Salvadorzinho e São Benedito. Há mais de 40 anos fixado em Macapá (AP) e atendendo aos ribeirinhos e comunidades indígenas da Amazônia, ele iniciou há 25 anos as ações missionárias no interior do Amapá e Pará, com relatos de parte delas contidos em livro lançado recentemente e com título homônimo.

Formado em 1959 pela Universidade Federal do Paraná, esse curitibano de 80 anos (completados em 5 de julho último) inclui o CRM-PR entre os destinatários dos registros que faz de suas missões. Nesta última, ele conta que teve a colaboração da enfermeira Rita Mediros, permitindo realizar 173 consultas, 98 de crianças. A missão teve ainda dezenas de exames de pele para rastreamento da hanseníase, aplicação de flúor nos dentes das crianças de 6 a 13 anos (45), exame preventivo do câncer de útero (5), verificação de pressão arterial (78), curativos (5), verificação de preso (140) e ausculta cárdia em crianças na escola (62). O padre-médico ainda conduziu quatro cerimônias religiosas.

“Embora já estejamos em tempos do nosso chamado verão, ainda as chuvas e ventos se fazem presentes, dificultando um pouco a costumeira travessia do ramal norte do Amazonas, rumo às pequenas comunidades do município de Afuá no Pará. Diante de nossas limitações, escolhemos algumas não muito populosas”, descreveu o Dr. Raul Matte, que reforça: “É evidente que não posso fazer uma consulta como acontece no hospital ou ambulatório na cidade. Há principalmente a limitação dos serviços laboratoriais ou de raio-X e outros mais delicados. O que me chamou a atenção foram o aspecto físico e informações sérias que favoreceram uma conclusão para o devido encaminhamento aos colegas da cidade.”

Na análise das crianças, o pediatra ressalta que o que mais chamou a atenção foi a quase permanente evidência da anemia. Ele tem uma explicação: “Nas regiões ribeirinhas a água dos rios mantém o período de invasão da terra, principalmente durante todo o primeiro semestre, que impede a plantação de verduras. Consequentemente, o povo não se anima a comer verduras e se limitam ao peixe, à caça e farinha e, sobretudo, ao açaí que salva a situação. Já os moradores do interior do nosso estado cultivam a roça e o aspecto das crianças é bem melhor.”

O padre-médico prossegue em seu relato, destacando aspectos motivadores das missões: “Para não fugir às surpresas, encontrei uma menina de 10 anos paraplégica, com deficiência mental, mas que está sendo acompanhada na cidade pelos funcionários da Apae. Outra menina de cinco anos, surda e, consequentemente, muda, porém bastante ativa, manifestando sua alegria em estar brincando com as demais. Também dois meninos irmãos com forte dor de cabeça permanente, que os prejudica nos estudos. Sem dados objetivos para tanto, encaminhei-os aos colegas da Neurologia. Com certa frequência percebo também crianças com deficiência visual que encaminho aos colegas. Na supervisão escolar encontrei uma menina de cinco anos, que então comparecia ao primeiro dia de aula, apresentando um sopro cardíaco. Era franzina e a professora nada ou pouco sabia de sua família. Foi também orientada a ser consultada na cidade com meus colegas da Cardiologia.”

Sobre os adultos, conta que há encaminhamento aos colegas da ‘cidade’, principalmente para o exame de PSA entre os homens, e orientação de exercício (nadar ou andar se possível) para as senhoras obesas ou idosas. “Mas D. Rita, acostumada com ambulatório de saúde na cidade, orientou-as devidamente. Algumas, porém, foram também encaminhadas aos colegas do nosso hospital, reforçou, indicando ainda ter encontrado um senhor de 82 anos que o aguardava ansioso com a esperança de conseguir um remédio para poder andar, embora com a ajuda de uma bengala. “Pena, era suficientemente cego por causa de suas cataratas e sua esposa, que o amparava, também não era muito diferente. Seus filhos distantes, não conseguiam lhes dar a devida atenção, mas a comunidade o quanto possível lhes amparava”.

Prossegue o Dr. Raul Matte: “Já estive há anos na comunidade da Boa Vista e relatei a senhora mãe de 22 filhos. Agora são os netos que também os amparam e a uma das filhas, que já está na 6ª gravidez ,morando com a mãe. Minhas viagens missionárias ainda são possíveis, mas estou contando com a ajuda de meus colegas na cidade, que recebem os meus encaminhados de bom gosto. Ainda neste mês espero contar como meu colega Carlos Valente, que virá de Curitiba com muita vontade de me acompanhar e deixar nossa missão mais eficiente. Aguardo-o com sua amizade que já pude testemunhar noutra ocasião que se propôs a nos visitar.”

Ele finaliza: “A estas alturas só tenho a agradecer a Deus de poder estar presente às necessidade de meus irmãos, para quem fui enviado há tantos anos. Com muita facilidade, edificamos uma amizade fraterna e aqui, todas as vezes que escrevo meus relatórios, não deixo de relatar a minha satisfação íntima de poder construir o bem num mundo esquecido dos homens, mas não de Deus. O grande problema do mundo é a falta da fraternidade entre os homens... A raiz da violência é sempre o problema de aceitar a ser eu, irmão dos que Deus me deu e amá-los como Deus nos premiou. Louvado seja Nosso Senhor Jesus Cristo!!!. Pe. Raul.”

Trabalho meritório

Formado, foi admitido em 1960 como médico do Hospital São Camilo (SP). Ingressou no seminário da Congregação Camiliana e em 1967 foi ordenado padre. Durante esse período, especializou-se em Pediatria em São Paulo e em 1972 chegou ao Amapá, como diretor clínico do Hospital-Escola São Camilo e São Luís. Barco doado pela Cruz de Malta possibilitou ao padre-médico alcançar as comunidades mais afastadas, iniciando em 1989 as missões camilianas. Foram assim centenas de missões, levando apoio médico e espiritual. Além das comunidades que vivem às margens dos “igarapés”, o médico também visita regiões de difícil acesso e que raríssimas vezes recebem a visita de profissionais da saúde.

José Raul Matte já foi distinguido com três das mais importantes honrarias concedidas a médicos brasileiros. Pelo Conselho de Medicina do Paraná ele recebeu o Diploma de Mérito Ético-Profissional, pelo Jubileu de Ouro na atividade, e a Medalha de Lucas – Tributo ao Mérito Médico, por seu trabalho social e humanitário. Em 2012, o Conselho Federal outorgou-lhe a comenda “Zilda Arns Neumann, de Medicina e Responsabilidade Social”. Outra honraria em reconhecimento ao seu trabalho foi o Prêmio Cardeal Van Thuân de Direitos Humanos, que em 2008 recebeu das mãos do papa Bento XVI, no Vaticano, em meio as comemorações dos 60 anos da Declaração dos Direitos Humanos. Além dele, somente outros dois padres foram homenageados por realizarem um trabalho semelhante na África.

Em fevereiro deste ano, o padre-médico esteve em visita ao presidente do CRM-PR, quando entregou um exemplar de seu livro sobre as missões, onde se declara “como um barquinho solto na vastidão do Amazonas, mas pilotado por Deus”.

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