10/05/2021
Faleceu no sábado (8) em SP. Nascido em Curitiba, tinha quase 87 anos e 61 de formação em Medicina pela UFPR. Trabalho em prol dos ribeirinhos da Amazônia teve reconhecimento nacional e internacional
O Conselho Regional de Medicina do Paraná registra com pesar o falecimento do médico pediatra e padre José Raul Matte, que estava prestes a completar 87 anos de idade e tinha 61 de formação em Medicina, grande parte dessa trajetória dedicada a ações sociais e humanitárias aos ribeirinhos da Amazônia, que o fez merecer o reconhecimento nacional e internacional. Natural de Curitiba (PR), ele faleceu no sábado (8), de causas naturais, em hospital de São Paulo. Com transmissão pelo Facebook, a missa de corpo presente foi realizada a partir das 13h da mesma data, na Paróquia Nossa Senhora do Rosário, de Vila Pompeia. O sepultamento ocorreu em seguida no jazigo da Província Camiliana, no Cemitério Santíssima Trindade, na capital paulista.
Deixa legado de amor e doação as suas duas vocações: Medicina e Religião. Costumava usar uma frase para se autodefinir: “Sinto-me como um barquinho solto na vastidão do Amazonas, mas pilotado por Deus”. Tido sido distinguido com três das principais honrarias concedidas a um profissional da Medicina: a Medalha de Lucas – Tributo ao Mérito Médico e o Diploma de Mérito Ético-Profissional, ambas pelo CRM-PR, e ainda a Comenda Zilda Arns Neumann, de Responsabilidade Social, pelo CFM. Em 2008, durante as comemorações dos 60 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos, seu trabalho social rendeu-lhe o Prêmio Cardeal Van Thuân de Direitos Humanos, que lhe foi entregue no Vaticano pelas mãos do Papa Bento XVI. Antes dele, somente outros dois padres tinham sido homenageados por realizarem trabalho semelhante na África.
Trajetória
De família curitibana, o Dr. José Raul Matte nasceu em 5 de julho de 1934. Formou-se em Medicina pela Universidade Federal do Paraná em 1959, tendo seguido para São Paulo para complementar a formação na especialidade que escolheu e levar adiante, a pediatria, concluindo na Santa Casa. Registrou-se no CRM de São Paulo em 1962, obtendo o número 10.036. Em 1967 foi ordenado padre pela Ordem de São Camilo. Registrou-se em 1972 no CRM do Amapá, sendo um dos pioneiros e obtendo a inscrição 67. Sua missão inicial era atuar em hospital particular para atendimento a carentes. Três anos depois, a unidade foi absorvida pelos camilianos e, mais tarde, transformada em Hospital-Escola São Camilo e São Luís. Também atuou no Maranhão, estado onde se registrou em 1984 no CRM local (n.º 1.843).
Barco doado pela Cruz de Malta possibilitou ao padre-médico alcançar as comunidades mais afastadas. No período de 1989 a 2016, foram aproximadamente quatro centenas de missões levando apoio médico e sacerdotal na região da Foz do Rio Amazonas. Além das comunidades que viviam às margens dos “igarapés”, o médico também visitava as aldeias indígenas, localizadas em regiões de difícil acesso e que raríssimas vezes recebem a visita de profissionais da saúde.
“Nem o Amazonas, o maior rio do mundo, é capaz de barrar José Raul Matte. Semanalmente, sem temer tempestades ou águas agitadas, ele adentra a floresta para levar sua mensagem e seu cuidado a milhares de pessoas”, diz trecho de depoimento reunido há pouco mais de 10 anos, quando recebeu homenagem do CFM. Em outra entrevista, ao falar sobre as muitas histórias e aventuras, destacou os obstáculos de locomoção e até mesmo as limitações físicas impostas pelo avanço da idade.
Dizia que, ao chegar nos lares dos povos ribeirinhos, sabia que cada esforço valia a pena e ganhava inspiração para continuar avançando com os trabalhos. “O padre tem a possibilidade de fazer a confissão, então parece que o povo já sentindo esse compromisso do padre de saber dos segredos e não falar pros outros, sentiam que podiam revelar além da sua parte física de doença, alguma causa mais espiritual que muitas vezes é a causa principal da sua enfermidade”, contou o padre-médico em entrevista em 2015 à Rede Amazônica.
Trabalho reconhecido
Em 1997, o CRM-PR conferiu ao Dr. José Raul Matte a Medalha de Lucas, honraria criada no ano anterior e que visava homenagear médicos com reconhecido trabalho social e humanitário. A premiação ocorreu em meio aos festejos do Dia do Médico daquele ano. Na ocasião ele tinha 63 anos de idade e quase 40 de formação médica, já sendo enaltecida sua ação junto aos ribeiros da Amazônia. Quase uma década depois, em 2008, foi distinguido com o Prêmio Cardeal Van Thuân de Direitos Humanos, numa passagem de grande emoção para ele com a entrega pelo Papa.
Em 2009, ao completar 50 anos de formado, o CRM-PR conferiu ao Dr.José Raul Matte o Diploma de Mérito Ético-Profissional, comenda instituída em 1986 para alcançar médicos com histórico ético exemplar.
Em 2012, o padre e médico foi distinguido com uma das principais honrarias do Conselho Federal de Medicina, a Comenda Zilda Arns Neumann de Responsabilidade Social (confira notícia aqui). Nesse período, o Dr. José Raul Matte compartilhava com o Conselho do Paraná o relatório de suas missões juntos aos ribeirinhos. Em setembro de 2013, em entrevista contando um pouco de seu trabalho, falou das dificuldades e carências para assistência aos povos da Amazônia e disse enxergar com pouco entusiasmo a chegada dos “estrangeiros” para reforçar a assistência diante do cenário de falta de infraestrutura (veja mais aqui)
Em fevereiro de 2013, já com suas missões camilianas transformadas em livro, o Dr. José Raul Matte fez visita ao então presidente do CRM-PR, Maurício Marcondes Ribas. Entregou exemplares autografados da obra e descreveu um pouco das situações difíceis que enfrentava e que a hora de se aposentar de ritmo tão intenso começava a se aproximar. O título do livro é "Missões Camilianas da Foz do Rio Amazonas", um relato testemunhal de sua atuação junto a populações marginalizadas. Confira a visita aqui.
A notícia da morte do padre-médico ganhou grande repercussão junto aos meios de comunicação do Amapá, onde concentrou grande parte de sua vida. Nas redes sociais, muitas homenagens. Veja reportagem da primeira edição do Jornal do Amapá.
O Conselho de Medicina do Paraná expressa as condolências da classe médica aos familiares do Dr. José Raul, com especial agradecimento à sua sobrinha médica, a Dra. Beatriz Maria Matte Peplow, gineco-obstetra com atuação em Curitiba e que compartilhou informações que enriquecem o conteúdo deste material em homenagem à memória do médico.l