30/08/2012
Pacientes podem registrar em prontuário a quais procedimentos querem ser submetidos no fim da vida
A Resolução 1.995, do Conselho Federal de Medicina (CFM), estabelece os critérios para que qualquer pessoa - desde que
maior de idade e plenamente consciente - possa definir junto ao seu médico quais os limites terapêuticos na fase terminal
Pacientes e médicos contarão, a partir desta sexta-feira (31 de agosto), com regras que estabelecerão os critérios sobre
o uso de tratamentos considerados invasivos ou dolorosos em casos clínicos nos quais não exista qualquer possibilidade de
recuperação. Sob o nome formal de diretiva antecipada de vontade, trata-se do registro do desejo expresso do paciente em documento,
o que permitirá que a equipe que o atende tenha o suporte legal e ético para cumprir essa orientação.
A regra consta na Resolução 1.995, aprovada pelo plenário do Conselho Federal de Medicina (CFM), que será publicada no
Diário Oficial da União no dia 31 de agosto. Assim, o paciente que optar pelo registro de sua diretiva antecipada de vontade
poderá definir, com a ajuda de seu médico, os procedimentos considerados pertinentes e aqueles aos quais não quer ser submetido
em caso de terminalidade da vida, por doença crônico-degenerativa.
Deste modo, poderá, por exemplo, expressar se não quer procedimentos de ventilação mecânica (uso de respirador artificial),
tratamentos (medicamentoso ou cirúrgico) dolorosos ou extenuantes ou mesmo a reanimação na ocorrência de parada cardiorrespiratória.
Esses detalhes serão estabelecidos na relação médico-paciente, com registro formal em prontuário. O testamento vital é facultativo,
poderá ser feito em qualquer momento da vida (mesmo por aqueles que gozam de perfeita saúde) e pode ser modificado ou revogado
a qualquer momento.
Critérios
São aptos a expressar sua diretiva antecipada de vontade, qualquer pessoa com idade igual ou maior a 18 anos ou que esteja
emancipada judicialmente. O interessado deve estar em pleno gozo de suas faculdades mentais, lúcido e responsável por seus
atos perante a Justiça.
Menores de idade, que estejam casados civilmente, podem fazer testamento vital, pois o casamento lhes emancipa automaticamente.
Crianças e adolescentes não estão autorizados e nem seus pais podem fazê-lo em nome de seus filhos. Nestes casos, a vida e
o bem estar deles permanecem sob a responsabilidade do Estado.
Pela Resolução 1.995/2012 do Conselho Federal de Medicina (CFM), o registro da diretiva antecipada de vontade pode ser
feita pelo médico assistente em sua ficha médica ou no prontuário do paciente, desde que expressamente autorizado por ele.
Não são exigidas testemunhas ou assinaturas, pois o médico - pela sua profissão - possui fé pública e seus atos têm efeito
legal e jurídico. O registro em prontuário não poderá ser cobrado, fazendo parte do atendimento.
No texto, o objetivo deverá ser mencionado pelo médico de forma minuciosa que o paciente está lúcido, plenamente consciente
de seus atos e compreende a decisão tomada. Também dará o limite da ação terapêutica estabelecido pelo paciente, Neste registro,
se considerar necessário, o paciente poderá nomear um representante legal para garantir o cumprimento de seu desejo.
Caso o paciente manifeste interesse poderá registrar sua diretiva antecipada de vontade também em cartório. Contudo, este
documento não será exigido pelo médico de sua confiança para cumprir sua vontade. O registro no prontuário será suficiente.
Independentemente da forma - se em cartório ou no prontuário - essa vontade não poderá ser contestada por familiares. O único
que pode alterá-la é o próprio paciente.
Para o presidente do CFM, Roberto Luiz d'Avila, a diretiva antecipada de vontade é um avanço na relação médico-paciente.
Segundo ele, esse procedimento está diretamente relacionado à possibilidade da ortotanásia (morte sem sofrimento), prática
validada pelo CFM na Resolução 1.805/2006, cujo questionamento sobre sua legalidade foi julgado improcedente pela Justiça.
A existência dessa possibilidade não configura eutanásia, palavra que define a abreviação da vida ou morte por vontade
do próprio doente, pois é crime. "Com a diretiva antecipada de vontade, o médico atenderá ao desejo de seu paciente. Será
respeitada sua vontade em situações com que o emprego de meios artificiais, desproporcionais, fúteis e inúteis, para o prolongamento
da vida, não se justifica eticamente, no entanto, isso deve acontecer sempre dentro de um contexto de terminalidade da vida",
ressaltou.
Compromisso humanitário
O Código de Ética Médica, em vigor desde abril de 2010, explicita que é vedado ao médico abreviar a vida, ainda que a
pedido do paciente ou de seu representante legal (eutanásia). Mas, atento ao compromisso humanitário e ético, prevê que nos
casos de doença incurável, de situações clínicas irreversíveis e terminais, o médico pode oferecer todos os cuidados paliativos
disponíveis e apropriados (ortotanásia).
O documento orienta o profissional a atender a vontade expressa do paciente, sem lançar mão de ações diagnósticas ou terapêuticas
inúteis ou obstinadas. "O médico deixará de levar em consideração as diretivas antecipadas de vontade do paciente ou representante
que, em sua análise, estiverem em desacordo com os preceitos ditados pelo Código de Ética Médica", aponta a resolução do CFM.
Segundo o doutor em bioética e biojurídica, Elcio Bonamigo, a mudança decorre do aumento da autonomia do paciente. "Os
médicos deixam de ser paternalistas e os pacientes a cada dia ganham voz nos consultórios. Ele deve ter sua autonomia também
preservada no fim da vida", defendeu o médico, que também integra a Câmara Técnica de Bioética do CFM e colaborou com a formulação
da Resolução 1.995/2012.
Adesão
No Brasil estudo realizado, em 2011, pela Universidade do Oeste de Santa Catarina, mostrou que um alto índice de adesão
à possibilidade de cada pessoa estabelecer sua diretiva antecipada de vontade. Após ouvir médicos, advogados e estudantes
apontou que 61% dos entrevistados levariam em consideração o desejo expresso pelos pacientes.
Pesquisas realizadas no exterior apontam que em outros países, aproximadamente 90% dos médicos atenderiam às vontades
antecipadas do paciente no momento em que este se encontre incapaz para participar da decisão. A compreensão da sociedade
e dos profissionais, no entendimento do CFM, coaduna com a percepção de que os avanços científicos e tecnológicos têm que
ser empregados de forma adequada, sem exageros.
Para o Conselho Federal, as descobertas e equipamentos devem proporcionar melhoria das condições de vida e de saúde do
paciente. "Essas novidades não põem ser entendidas como um fim em si mesmo. A tecnologia não se justifica quando é utilizada
apenas para prolongar um sofrimento desnecessário, em detrimento à qualidade de vida do ser humano, também entendida como
o direito a ter uma morte digna", afirmou Roberto d'Avila.
Experiência mundial
A possibilidade de registro e obediência às diretivas antecipadas de vontade já existem em vários países, como Espanha
e Holanda. Em Portugal, uma lei federal entrou em vigor neste mês de agosto autorizando o que chamam de "morte digna". Na
Argentina, lei que trata desse tema existe há três anos.
Nos Estados Unidos esse documento tem valor legal, tendo surgido com o Natural Death Act, no Estado da Califórnia, em
1970. Exige-se que seja assinado por pessoa maior e capaz, na presença de duas testemunhas, sendo que a produção de seus efeitos
se inicia após 14 dias da sua lavratura. É revogável a qualquer tempo, e possui uma validade limitada no tempo (cerca de 5
anos), devendo o estado terminal ser atestado por 2 médicos.
SAIBA MAIS
Qual é a orientação da resolução do CFM?
Os cuidados e tratamentos de pacientes que se encontram incapazes de comunicar-se, ou de expressar de maneira livre e
independente suas vontades, o médico levará em consideração suas diretivas antecipadas de vontade. A norma da entidade também
estabelece que em caso o paciente tenha designado um representante para tal fim, suas informações serão levadas em consideração
pelo médico.
O que são as diretivas antecipadas de vontade (ou testamento vital)?
O instrumento permite ao paciente registrar, por exemplo, a vontade de, em caso de agravamento do quadro de saúde, não
ser mantido vivo com a ajuda de aparelhos, nem submetido a procedimentos invasivos ou dolorosos. Nos países onde existe, o
testamento vital tem respaldo legal e deve ser observado pelos profissionais de saúde; o documento recebe a assinatura de
testemunhas e é elaborado enquanto o paciente ainda está consciente. O testamento também tem caráter de procuração: por meio
dele, o interessado pode indicar uma pessoa de sua confiança para tomar decisões sobre os rumos do tratamento a que será submetido
a partir do momento em que não tiver condições de fazer escolhas.
Esta medida antecipa a morte do paciente?
O Novo Código de Ética Médica, em vigor desde abril de 2010, já explicitou que é vedado ao médico abreviar a vida, ainda
que a pedido do paciente ou de seu representante legal. Mas, atento ao compromisso humanitário e ético, o Código também prevê
que nos casos de doença incurável, de situações clínicas irreversíveis e terminais, cabe ao médico oferecer todos os cuidados
paliativos disponíveis e apropriados.
E se não for conhecida as diretivas antecipadas?
Não sendo conhecidas as diretivas antecipadas de vontade do paciente, nem havendo representante designado, familiares
disponíveis ou falta de consenso entre estes, o médico recorrerá ao Comitê de Bioética da instituição, caso exista, ou, na
falta deste, à Comissão de Ética Médica do hospital ou ao Conselho Regional e Federal de Medicina para fundamentar sua decisão
sobre conflitos éticos, quando entender esta medida necessária e conveniente.
TIRE ALGUMAS DE SUAS DÚVIDAS
As diretivas antecipadas de vontade devem ser registradas de qual forma?
O médico registrará, no prontuário, as diretivas antecipadas de vontade que lhes foram diretamente comunicadas pelo paciente.
As diretivas precisam ser registradas no cartório?
Não é necessário, mas pode ser feito caso o paciente deseje.
É possível cancelar o testamento vital?
Sim, desde que o paciente esteja lúcido para fazer isto. Portanto deve procurar o médico para manifestar esta mudança,
bem como alterar no cartório, caso seja registrado.
É necessário ter testemunhas?
Não é necessário, mas pode ser feito como forma de segurança.
Quem pode fazer?
Maiores de 18 anos ou emancipados, desde que estejam lúcidos.
Posso eleger um representante que não seja da família?
Sim, um procurador pode ser qualquer pessoa de confiança.
Meus parentes tem prioridade acima do meu represente legal?
Não, as diretivas antecipadas do paciente prevalecerão sobre qualquer outro parecer não médico, inclusive sobre os desejos
dos familiares.
Posso solicitar a interrupção de qualquer procedimento?
O médico deixará de levar em consideração as diretivas antecipadas de vontade do paciente ou representante que, em sua
análise, estiverem em desacordo com os preceitos ditados pelo Código de Ética Médica.
Fonte: CFM