17/11/2009

Os médicos e a crise

Se a classe médica não tivesse espírito altruísta e humanitário, já teria abandonado a
assistência pelo SUS



A crise nos serviços de Saúde em Londrina não foi criada pelos médicos. Não fomos nós também que relegamos o povo à miséria em que vive, nem somos nós que recebemos bilhões e mais bilhões em impostos que ninguém sabe para onde vão ou no que são aplicados. É preciso lembrar que o médico, como cidadão, também paga pesados impostos. Portanto, só há um responsável por tudo isso: o governo nas suas três instâncias.


Ao cidadão desinformado, vou dirigir algumas perguntas: você ficaria 4 ou 5 meses sem receber salários e sem reclamar? Como pagaria suas contas, como honraria seus compromissos? Escola das crianças, luz, telefone, água... Como você faria?


Perante a lei, nós, médicos, somos cidadãos como qualquer outra pessoa e, portanto, com direitos. Também temos família, filhos, um nome a zelar na comunidade, contas a pagar. Como num país capitalista selvagem igual o nosso poderia o médico sobreviver sem receber? Afinal, é uma profissão como as outras. Nós juramos sim, nos dedicarmos à vida, a melhorá-la ou até mesmo tentar salvá-la quando tudo já parece perdido, mas não juramos que para isso teríamos que passar necessidades, nos tornarmos inadimplentes e passarmos por desonestos porque não conseguimos honrar nossos compromissos.


Você sabia que há 10 anos os médicos recebem apenas R$ 7 por consulta, sem reclamar? Você aguentaria trabalhar 10 anos sem receber nenhum aumento de salário? Nós aguentamos! E, mesmo no atendimento a uma parada cardiorrespiratória, quando o médico devolve a vida àquele que já está morto, esse é o valor: míseros R$ 7. É o que vale a sua vida para o governo!


Você sabia que hospitais e médicos fazem verdadeira ginástica contábil para continuar oferecendo atendimento a uma população de cerca de 140 milhões de brasileiros sem recursos para um plano de saúde? Que há hospitais filantrópicos e casas de saúde fechando as portas pelo Brasil afora por não suportarem o impacto das dívidas? Quantas vezes você já viu passeatas de médicos reivindicando coisas? Protestos públicos por melhores salários? Agitações sindicalistas? Nós temos os mesmos direitos, mas não o fazemos em respeito aos pobres, aos desassistidos que precisam de nós. Certamente você não sabia nada disto.


A ciência avança rapidamente e o médico precisa atualizar-se continuamente, pois ele não pode submeter o paciente a sofrimento por desconhecer novos tratamentos. Você sabe o preço de um livro médico? Entre R$ 300 e R$ 600. Para comprar um livro de R$ 400, o médico precisa fazer 80 consultas-SUS (80 pacientes) que geram R$ 560. Descontados R$ 156 de imposto de renda, sobram R$ 404 (o preço do livro)! Você tem ideia de quanto custa para participarmos de um congresso médico?


Por isso, cidadão, saiba que há décadas os médicos e hospitais carregam nas costas responsabilidades que não são suas, mas do governo. O protesto dos médicos em Londrina é apenas o reflexo do descaso e má vontade das autoridades que gerenciam as questões da Saúde no Brasil. E, só para esclarecer ao leitor, nenhum médico, em nenhum momento, é obrigado a atender quem que seja de graça ou por honorários vis. Isso é lei! Se a classe médica não tivesse o espírito altruísta e humanitário que tem, já teria abandonado a assistência médica pelo SUS há muito tempo. Mas, como diz a velha canção: '(...) é porque neste mundo tem bobo pra tudo'. Perseveraremos, porém, na nossa sina de bobos do governo, ora apedrejados pela opinião pública, ora condenados por uma mídia insaciável, mas continuaremos!


PAULO ANDRÉ CHENSO é médico em Londrina

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