04/07/2013
Editorial do jornal O Estado de S. Paulo
A situação do sistema de saúde é grave, não só porque é ruim hoje, mas porque pode ficar ainda pior no futuro, como mostram estudos que vêm sendo realizados por especialistas. Além de ter de resolver os problemas que o afligem agora - sérios o suficiente para ameaçá-lo com o colapso -, o sistema de saúde tem de se preparar para os enormes desafios que o esperam nas próximas décadas. Em outras palavras, as dificuldades a serem superadas - pelos setores público e privado - para dar à população atendimento digno são maiores do que se poderia imaginar.
Dados importantes sobre essa questão - aos quais as autoridades federais, estaduais e municipais deveriam dar a máxima atenção, já que dividem as responsabilidades nesse caso - foram fornecidos por um seminário promovido pelo jornal Valor e a Associação da Indústria Farmacêutica de Pesquisa. Pode-se dizer, em resumo, que três fatores principais deverão pressionar o sistema de saúde até 2030 - o crescimento da população, cujo ritmo vem diminuindo, mas ainda será significativo, o seu envelhecimento e a ascensão social das camadas mais carentes, que exigirão cada vez maiores cuidados.
O aumento populacional deve ser de 10%, com o número de brasileiros chegando a 225 milhões. Os idosos serão cerca de 40 milhões, quase a população da Argentina (42 milhões). O aumento da expectativa de vida - de 70,4 anos, em 2000, para 73,4 anos, hoje - é um dos mais importantes indicadores de que o Brasil realmente começou a se aproximar dos países desenvolvidos. Mas isso tem um preço elevado, porque um bom número de idosos é de baixa renda - o que exige dos governos maiores investimentos na rede pública de saúde para atendê-los - e porque as despesas com saúde crescem muito nessa faixa etária.
É maior entre os idosos, por exemplo, a incidência de câncer, diabetes, doenças cardíacas e pulmonares e depressão. O tratamento de todos esses males requer medicamentos em geral caros e de uso contínuo. Os procedimentos médico-hospitalares de que precisam os idosos são também mais frequentes e de alto custo. Como diz o secretário de Ciência e Tecnologia do Ministério da Saúde, Carlos Gadelha: "O envelhecimento deve aumentar a demanda por saúde, porque haverá mais intensidade no uso de serviços, ou seja, a indústria terá mais mercado para vender e os médicos e hospitais terão de atender mais".
Para enfrentar os desafios que esperam o País até 2030, é preciso agir logo, atacando os problemas de hoje e, ao mesmo tempo, programando a expansão e a melhoria do sistema de saúde. Um dos problemas, segundo o presidente da Associação Médica Brasileira (AMB), Florentino Cardoso, é o contingenciamento dos recursos da saúde, feito pelo governo para ajudar a fechar suas contas: "Por que o governo deixou de usar R$ 17 bilhões no ano passado? Por que houve esse contingenciamento? O subfinanciamento é o problema mais grave da área".
Investir no sistema público - que atende a grande maioria da população -, reajustando a tabela de procedimentos do Sistema Único de Saúde (SUS), é indispensável, primeiro para salvá-lo e, em seguida, para dar-lhe condições de absorver a demanda do crescimento da população e o seu envelhecimento, nas próximas décadas. Salvar é a palavra correta, porque, com uma tabela que cobre apenas 60% dos custos dos procedimentos, o SUS está a perigo. Corre o sério risco de entrar em colapso a curto prazo, porque nesses termos nem mesmo uma mágica aritmética é capaz de fechar suas contas.
A situação do setor privado - planos de saúde, hospitais e laboratórios particulares - também não é das melhores. Ou investe mais, para aumentar rapidamente sua rede de atendimento, que já não consegue dar conta da demanda, ou se verá logo em sérias dificuldades. Segundo a Associação Nacional de Hospitais Privados (Anahp), é preciso investir R$ 5 bilhões em cinco anos para eliminar o déficit de 14 mil leitos. Esforço do qual o poder público tem de participar.
Editorial do jornal O Estado de S. Paulo, publicado em 1º de julho.