05/09/2008
Os custos sociais do uso abusivo de álcool
O uso abusivo de álcool interfere negativamente na vida do usuário, seja em termos individuais, seja em seu entorno social
imediato ou na sociedade. As implicações sociais do abuso de álcool merecem atenção especial, uma vez que afetam a produtividade
da economia, além de gerar gastos de relevância aos cofres públicos, pois requerem recursos do sistema de saúde, do Judiciário
e de outras instituições sociais.
Assim, entre os danos sociais decorrentes do uso abusivo de álcool, devem ser citados: acidentes de trânsito,
perda de produtividade no ambiente de trabalho, problemas familiares (desestrutura familiar e violência doméstica), violência
urbana, suicídios. Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), o consumo abusivo de bebidas alcoólicas gera, por ano, 1,8
milhão de mortes.
Em relação ao trabalho, o abuso e a dependência de álcool têm aumentado a taxa de absenteísmo e acidentes,
diminuindo a qualidade das relações interpessoais entre os funcionários. Isso, de forma geral, afeta a taxa de produtividade
e, conseqüentemente, a economia.
No ambiente familiar, o abuso de álcool prejudica o comportamento do indivíduo, como pai, cônjuge ou companheiro.
Durante a intoxicação, aumentam os riscos de acidentes ou violência doméstica. A desestabilidade financeira é possível, já
que os recursos são comumente desviados para o uso de álcool ou tratamento das morbidades relacionadas. Além disso, o dependente
de álcool prejudica não só a si mesmo, como também aos outros membros familiares, que têm o desempenho escolar ou profissional
e a saúde mental ou psicológica afetados, requerendo, a longo prazo, algum tipo de tratamento. O abuso de álcool conduz a
família a um grave estado de desestruturação.
Em termos de saúde, o uso abusivo e dependência de álcool estão relacionados a morbimortalidade de 60 tipos
diferentes de doenças, sendo responsáveis por 4% dos casos de morte no mundo. Dessa forma, especialmente para o padrão binge
de uso (ingestão de quatro ou cinco doses alcoólicas em uma mesma ocasião), o álcool aumenta o risco de desenvolvimento de
doenças crônicas, como câncer (de boca, orofaringe, esôfago e fígado), doenças cardiovasculares (trombose, IAM e doenças coronarianas),
doenças digestivas (principalmente cirrose) e transtornos neuro-psiquiátricos (principalmente depressão). Somente no período
de 2002 a 2004, conforme dados do Ministério da Saúde, os cofres públicos gastaram mais R$ 143 milhões com o tratamento de
transtornos mentais e comportamentais devido ao uso abusivo de álcool.
Em termos de conseqüências agudas, o abuso de álcool aumenta os riscos de uma variedade de situações, entre
elas acidentes automobilísticos ou quedas e violência interpessoal. Em países desenvolvidos (EUA e Canadá), a ocorrência de
acidentes de trânsito é a conseqüência de saúde mais relevante associada ao uso abusivo de álcool, merecendo cada vez mais
estudos. No Brasil, constatou-se que 38,4% dos adultos (que têm carteira de habilitação e costumam beber) possuem o hábito
de associar bebida à direção, sendo esse um grande motivo de preocupação.
De forma geral, as informações mencionadas ilustram a extensão das conseqüências e dos custos sociais, diretos
ou indiretos, implicados no abuso de álcool. Diante desse quadro, o primeiro passo é encarar o problema de frente. O fortalecimento
de políticas públicas é uma possível solução para os custos sociais resultantes do uso de álcool. Assim, o controle dos impostos
sobre bebidas, a restrição de acesso, a fiscalização e punição de motoristas que dirijam com alcoolemia acima do legalmente
permitido são estratégias de relevância para a redução dos gastos públicos associados ao uso excessivo de álcool. Sobretudo,
é preciso investir em pesquisas e debates científicos que possam identificar os ramos sociais mais onerados por álcool, guiando
a formulação dessas políticas públicas e das estratégias de intervenção, principalmente de prevenção.
Arthur Guerra de Andrade é Presidente do Centro de Informações sobre Saúde e Álcool (Cisa), professor associado
ao Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP e professor de psiquiatria da Faculdade
de Medicina do ABC