16/12/2008
O médico e a formação profissional
"Tem sido tudo o homem neste planeta. Tem adotado na sua longa trajetória pela Terra as mais variadas profissões. Tem sido
médico, advogado, músico, professor, pintor etc. O de que mais se tem esquecido é de ser profissional da mais elementar profissão:
a profissão de homem, simples e humanamente homem". A frase, escrita pelo professor Milton Carneiro em 1934, serve como ponto
de partida para uma reflexão sobre a formação médica.
Não há profissional de quem se deva exigir maior moralidade do que o médico. A edificação da moralidade de cada um é,
também, o melhor caminho de fazer surgir o "eu" interior. Receber determinada informação apenas nos dá conhecimento do assunto.
Para que sejamos educados, é preciso que tenhamos oportunidade de interiorizar a informação e incorporá-la aos princípios
que já temos para que, assim, possamos utilizá-la em nossa prática profissional. Os princípios são incorporados no lar, com
a família, com as pessoas que nos rodeiam, com aquisição de cultura, com exemplos, com vivência.
Toda a fase de formação profissional, etapa de aprendizado das competências e habilidades, deve incluir a educação sobre
o exercício profissional, desde antes do início dos estágios práticos.
Ao completarmos a formação, fazemos um juramento, que significa nossa adesão e comprometimento com a categoria profissional
onde formalmente ingressamos. Isto caracteriza o aspecto moral da ética profissional, esta adesão voluntária a um conjunto
de regras estabelecidas como sendo as mais adequadas para o seu exercício.
É preciso salientar que há uma série de atitudes que não estão descritas nos códigos de todas as profissões, mas que são
comuns a todas as atividades que uma pessoa pode exercer.
A humildade intelectual é um traço indispensável no caráter do médico. Não devemos nos envergonhar de corrigir os erros
e mudar de opinião, pois não devemos nos envergonhar de raciocinar e aprender. Aprender é o que faremos o resto de nossas
vidas. Aprenderemos a boa técnica, aprenderemos as relações humanas. Seremos competentes quando utilizarmos a ciência com
ética, respeitando as particularidades de cada individuo.
A aceitação do profissional no ambiente onde deseja trabalhar depende de sua postura e de seu comprometimento com as pessoas.
A inclusão, o respeito e, principalmente, o prestígio por parte dos colegas e da comunidade são conquistas que só chegam por
meio do tempo. E, mais do que competência, é necessária muita sensibilidade.
Caridade e amor ao próximo são qualidades inerentes às boas pessoas e, por conseguinte, ao bom médico. São virtudes inatas.
Somos aquinhoados com maiores ou menores porções delas, mas é certo que estes valores também podem ser aprendidos e aprimorados.
O amor do qual se espera estar o bom médico investido deve ser autêntico e espontâneo. Deve privilegiar o próximo com ações
que expressem solidariedade e generosidade.
A profissão que escolhemos é baseada em relacionamento. Vamos nos relacionar com pacientes e familiares, com outros profissionais
médicos e profissionais com outros saberes. A medicina tem acumulado conhecimentos, produzindo inovações e afastando, sempre
mais, o ser humano da doença, distanciando-o da morte. Vamos trabalhar com pessoas. É com pessoas que iremos aprender. Ao
respeitarmos as pessoas devemos preservar sua dignidade e proteger sua fragilidade.
Isto requer estudo e treinamento. O fortalecimento da pessoa que somos deve ser diário; precisamos nos conscientizar de
nossa cidadania. Devemos contribuir com o saber adquirido para que a sociedade seja construída com sólidos alicerces para
manutenção da justiça, da paz e da vida. Afinal, o alvo de toda atenção do médico é a saúde do ser humano e seu bem-estar.
Ao buscarmos o aprimoramento podemos nos defrontar com o erro. Ao aprendermos com nossos erros, alcançamos a sabedoria.
O encontro com a sabedoria é um caminho que deve ser percorrido com paciência e perseverança. Quem deseja percorrer um caminho
longo tem que aprender que a primeira lição é superar as decepções do início.
O profissional que queremos formar é o profissional que a sociedade precisa. Seus valores, comportamento, postura e comprometimento
devem ser debatidos também no contexto social. Precisamos refletir sobre os valores atuais da sociedade e qual o perfil profissional
necessário para atender suas necessidades.
Miguel Ibraim Abboud Hanna Sobrinho é presidente do Conselho Regional de Medicina do Paraná e professor do Departamento
de Clínica Médica da UFPR.