26/01/2015

O futuro da medicina está no seu smartphone

Eric J. Topol

Ao longo dos últimos anos, os smartphones mudaram radicalmente vários aspectos da nossa rotina diária, desde transações bancárias até compras e diversão. A medicina é o próximo. Com tecnologias digitais inovadoras, computação na nuvem e aprendizado mecânico, o smartphone médico vai revolucionar todos os aspectos da assistência médica. E o resultado é que o paciente, pela primeira vez, estará no comando das ações.

Com a revolução do smartphone, um novo conjunto de ferramentas cada vez mais poderosas — de acessórios que podem diagnosticar uma infecção de ouvido ou medir batimentos cardíacos a um aplicativo que pode monitorar a saúde mental — poderia reduzir nossas consultas médicas, cortar custos, acelerar a velocidade do atendimento e dar mais poder aos pacientes. Os avatares digitais não substituirão os médicos. Eles ainda serão consultados, mas a relação será radicalmente alterada.

Tudo isso levanta sérias preocupações sobre privacidade e ataque de hackers que ainda não foram discutidas — e a precisão de todas essas ferramentas precisa ser testada. As pessoas também estão certas ao se preocuparem com uma potencial erosão da relação paciente-médico, que reduziria o lado humano da medicina. Mas a transformação já começou.

Digamos, por exemplo, que você tem uma coceira que precisa ser examinada. Hoje, é possível tirar uma foto com seu smartphone e fazer o download de um aplicativo para processar a imagem. Dentro de poucos minutos, um algoritmo dedicado enviaria um texto com o diagnóstico. Essa mensagem poderia incluir os próximos passos do tratamento, como o uso de uma pomada tópica ou uma visita a um dermatologista.

Os smartphones já podem ser usados para medir pressão sanguínea ou mesmo fazer um eletrocardiograma. Aplicativos para eletrocardiograma já foram aprovados para uso pela FDA (a agência que regula alimentos e remédios nos Estados Unidos) e validados em muitos estudos clínicos. Os dados dos aplicativos são imediatamente analisados, transformados em gráficos, exibidos em telas e atualizados com novas medições, armazenados e compartilhados (a critério das pessoas). Eu achava que já tinha visto de tudo em décadas de prática como cardiologista, até que, recentemente, recebi pela primeira vez um eletrocardiograma num e-mail enviado por um paciente. A linha de assunto: “Estou com uma fibrilação atrial. O que faço agora?” Percebi imediatamente que o mundo havia mudado. O telefone do paciente não havia apenas gravado os dados; ele os interpretou.

Agora, a qualquer hora do dia ou da noite, você pode pedir e obter uma consulta médica por um vídeo transmitido com segurança via smartphone nos Estados Unidos, e pelo mesmo custo (cerca de US$ 30 a US$ 40) que a típica taxa mínima cobrada pelos planos de saúde oferecidos por empregadores. Pode parecer exótico, mas várias consultorias — como Deloitte e PricewaterhouseCoopers — já previram que as consultas a médicos virtuais (em substituição às consultas físicas) serão a norma. A Deloitte informa que uma em cada seis visitas a médicos em 2014 já foi virtual. Muitas pesquisas mostram que os pacientes querem obter informação sobre os custos de seu atendimento médico, mas não conseguem. No futuro, o custo não será mais o principal obstáculo da medicina: aplicativos de transparência de custos já existem e estão rapidamente se expandindo para cobrir também testes laboratoriais, exames, procedimentos e consultas.

Mudanças ainda maiores estão por vir. O uso no corpo de sensores sem fio vai permitir que o smartphone gere dados médicos, incluindo a taxa de oxigênio no sangue e níveis de glicose, pressão arterial e batimentos cardíacos. E no caso de uma mãe suspeitar que o filho tem uma infecção de ouvido, um acessório anexado ao smartphone permitirá que ela mesma faça um breve exame no tímpano que pode rapidamente diagnosticar o problema sem uma visita ao pediatra.

Outros dispositivos de vestir estão sendo desenvolvidos, como colares que monitoram a função cardíaca e checam o volume de fluidos dos pulmões, lentes de contato que podem monitorar os níveis de glicose ou pressão ocular (para ajudar no acompanhamento do glaucoma), e bandanas que podem capturar ondas celebrais. No futuro, meias e sapatos poderão analisar o andar de uma pessoa para, por exemplo, informar um paciente com Parkison se seus remédios estão fazendo efeito ou alertar alguém que um membro idoso da família está em risco de cair.

Sensores em desenvolvimento serão capazes também de monitorar, através de smartphones, a exposição a radiação, poluição do ar ou pesticidas em alimentos. E nossos remédios serão logo digitalizados para fornecer lembretes e garantir que sejam tomados conforme a receita.

Não são só quartos de hospitais que serão menos usados, mas laboratórios também. Em breve, acessórios de smartphones permitirão a realização de uma série de testes laboratoriais de rotina via telefone.

Nos próximos dez anos, será possível — em circunstâncias especiais — monitorar quase todos os órgãos do corpo, à medida que empresas começam a produzir nanossensores que podem ser inseridos na corrente sanguínea. Com todas essas novas ferramentas, não é de surpreender que alguns cogitem a possibilidade de uma medicina “sem médicos”. Mas é preciso não exagerar. Ainda iremos consultar médicos — só que com muito mais controle.

A expansão das capacidades do “faça você mesmo” evitará a escassez de médicos que se previa antes. Mas um setor que já registra escassez de profissionais — o da saúde mental — pode ser particularmente beneficiado pelos smartphones. Novos aplicativos podem quantificar seu estado mental ao registrar um conjunto de dados em tempo real: tom e inflexão de voz, expressão facial, padrão de respiração, batimento cardíaco, resposta galvânica da pele, pressão arterial e até mesmo a frequência de e-mails e mensagens de texto.

Por outro lado, apesar dos grandes avanços na captura de informações médicas pessoais, ainda estamos muito atrasados no manuseio desse dilúvio de dados. Muito pouco foi feito para impedir que dados médicos sejam acessados por hackers ou vendidos para terceiros. Também somos inócuos na análise dos dados: armazenamos grandes volumes de dados e fazemos muito pouco para extrair informações significativas deles. Para piorar, nenhum dos novos dados gerados por pacientes — através de sensores, testes laboratoriais, autoexames, sequenciamento de DNA ou autoimagem — está fluindo para os registros tradicionais de médicos ou de hospitais. Creio que esses problemas podem ser solucionados, mas isso vai exigir esforço.

De fato, a verdadeira revolução não vem de ter seus dados médicos armazenados de forma segura em seu smartphone. Ele vem da nuvem, onde se pode combinar todos os dados individuais.

Quando essa enorme quantidade de dados for organizada, integrada e analisada corretamente, ela oferecerá um enorme potencial em dois níveis — para o indivíduo e para a população geral. Uma vez que todos os dados relevantes forem registrados e processados para identificar tendências complexas e interações que ninguém poderia detectar sozinho, seremos capazes de eliminar muitas doenças.

Eric J. Topol é cardiologista, autor de vários livros e diretor do Instituo de Ciência Translacional Scripps, em La Jolla, na Califórnia. Ele é consultor do Google, AT&T, Walgreens, entre outros. Artigo publicado no jornal Wall Street Journal e no Valor Econômico.

*As opiniões emitidas nos artigos desta seção são de inteira responsabilidade de seus autores e não expressam, necessariamente, o entendimento do CRM-PR.

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