08/04/2014

O crack e o gelo

Antonio Geraldo da Silva

Agora que alguns meses já nos separam das manifestações de junho de 2013, é possível vermos os fatos com um pouco mais de clareza e observar que a única atitude concreta do Governo Dilma Rousseff em resposta às reivindicações do povo foi o programa Mais Médicos. E qual o balanço atual da iniciativa? O recente apelo por asilo e a desistência de dezenas de médicos do programa, antes mesmo de completar um ano de existência. São profissionais que podem ser chamados de médicos em Cuba, mas não no Brasil, já que seus diplomas não foram reconhecidos, em mais uma artimanha promovida pelo governo com a finalidade de viabilizar seu projeto.

Será que é isso que a nação esperava quando centenas de milhares de pessoas ganharam as ruas das maiores cidades do país? E a qualidade do atendimento nas cidades “beneficiadas” pelo programa? O Mais Médicos é um bom exemplo da política de saúde federal: um programa confuso, ineficiente, desastroso, em suma, natimorto.

Enquanto as autoridades importam médicos, uma verdadeira tragédia social se agiganta a cada dia debaixo do nariz do Governo: o uso do crack cresce diariamente. O que antes era restrito às grandes cidades, espalha-se para os municípios de médio e pequeno portes. Pesquisa recente da Universidade Federal de São Paulo calcula em 2,8 milhões de usuários de crack em todo o Brasil. Este número dobra a cada dois anos.

O ministro José Eduardo Cardozo afirmou que o programa foi o segundo em verbas destinadas pelo Ministério da Justiça. No mínimo, esta declaração é constrangedora quando sabe-se que, dos R$ 4 bilhões prometidos para a luta contra o crack, insuficientes R$ 368 milhões foram de fato empregados.

O site do ministério orgulha-se ao afirmar que cabe aos municípios apresentar um plano de ação local, via internet, entre outras etapas burocráticas para contar com apoio federal. Será que é isso que impedirá que novos três milhões de usuários de crack ganhem as ruas brasileiras até 2016? Ainda que a autoridade municipal ultrapasse estas barreiras, quem a orientará? Que formação têm os bem intencionados funcionários municipais para sugerirem tais ações?

Preocupada com o apagão de energia elétrica, a política míope da presidente não lhe permite enxergar o grave apagão da saúde, especialmente a psiquiátrica. Não há sistema ambulatorial que ofereça consultas, não há medicamentos, não há nada. Em vez de fechar hospitais psiquiátricos, o governo deveria qualificá-los e readequá-los.

A Associação Brasileira de Psiquiatria defende um sistema em rede, com atendimento primário, secundário e terciário, como prevê, no papel, a atual política de saúde mental do Ministério da Saúde. A associação já se prontificou a ajudar o governo federal, oferecendo consultoria gratuita. Até agora, nada. As autoridades devem saber o que estão fazendo. A única conclusão possível é que o Brasil continua enxugando gelo quando o assunto é o combate ao crack e a assistência aos seus dependentes.

Artigo escrito por Antonio Geraldo da Silva, Presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria

* As opiniões emitidas nos artigos desta seção são de inteira responsabilidade de seus autores e não expressam, necessariamente, o entendimento do CRM-PR.

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