16/06/2015
Festejo ocorre no dia 28 de junho. É a médica paranaense em vida com mais tempo de formada: 75 anos. Suas ações de vanguarda incluem o projeto que deu origem ao Hospital da Cruz Vermelha
Comemorando o centenário de nascimento no próximo dia 28 de junho, com uma festa familiar em Curitiba, a. De acordo com os registros do CRM-PR, entre todos os profissionais de ambos os sexos, o mais longevo é o Dr. Amilcar Rocha Coutinho, que festejou com boa saúde e humor os 100 anos no último dia 8 de maio e que mereceu também reportagem especial nos meios de comunicação eletrônica do Conselho. Contudo, nessa conjugação de tempo e vida, cabe à Dra. Nanna o título de quem há mais tempo está formada. Em 12 dezembro de 2014 ela completou 75 anos de graduação pela Universidade Federal do Paraná, feito alcançado um ano antes que o Dr. Amilcar.
Se uma longa jornada como esta é sinônimo de incontáveis histórias e experiências ímpares para qualquer ser humano, para a Dra. Nanna o efeito parece redemoinhar ainda mais pela inquietude e visão de vanguarda expostas desde a juventude. Ousou escolher a Medicina, contrariando seguir a lógica das moças da sua época, de ser professora, profissão que, aliás, a sua mãe era expoente renomada. Nem estava formada e se engajou no recrutamento e treinamento de enfermeiras em meio a entrada do Brasil na Segunda Guerra Mundial. Nessa época, contratada como secretária executiva da Cruz Vermelha no Paraná, já expunha com mais desenvoltura as suas ideias, como a abrir o pronto-socorro de Curitiba, na Praça Tiradentes, e o hospital da organização humanitária, que o então presidente da entidade Aramis Athayde aprovou e levou adiante.
O Hospital da Cruz Vermelha em Curitiba seria inaugurado, já totalmente equipado, em 12 de outubro de 1947, ponto de partida para que se transformasse num dos principais centros médicos do Estado. Por sua vez, a Dra. Nanna, tão logo se viu titulada, começou a se destacar na assistência médica de família e em cirurgia geral, chamada a operar ao lado dos professores Erasto Gaertner e Dante Luiz Júnior e ainda do Dr. Antonio Jorge Ribeiro de Camargo, no Instituto de Medicina e Cirurgia do Paraná.
Em 1957, a Dra. Nanna levou à Assembleia a proposta de criar o Serviço Médico e de Urgência, que acabou engavetada, retardando por décadas um modelo de serviço que hoje é essencial na cadeia assistencial. Ante a miopia legislativa, o então governador Moysés Lupion convidou a Dra. Nanna a desenvolver um serviço médico no Palácio do Governo. Surgiu então o “Serviço de Assistência Médica e Social e de Turismo”, o qual dirigiu por vários anos.
A presença da médica tem marcas substanciais não apenas no campo médico, mas também no político, cultural e social do Estado, estando à frente de inúmeras iniciativas em prol de carentes e desassistidos. Foi presidente do departamento feminino da UDN, que em 1960 ajudou a eleger Jânio Quadros presidente e Ney Braga governador. Em 1987, com outras amigas idealistas, constituiu um clube rotário comportando mulheres, o Rotary Club Curitiba Gralha Azul. Em 21 de março de 1996, enquanto última descendente de uma geração de islandeses que nasceu no Brasil, ela fundou a Associação Islândia-Brasil, que presidiu até o início dos anos 2000. A instituição constitui-se em importante instrumento de integração dos povos e de suas culturas. Em 2013, Akureyri e Curitiba foram celebradas cidades-irmãs. Akureyri é a quarta cidade islandesa em população, com aproximadamente 18 mil habitantes.
A personagem
Foi um neto da Dra. Nanna, o advogado Jackson Söndahl de Campos, quem estreitou os contatos para que o editor de comunicação do Conselho de Medicina tivesse a oportunidade de entrevistar essa médica batalhadora. Fomos encontrá-la numa tarde de segunda-feira, final de maio, no apartamento do Alto da Glória onde reside há muitos anos. Estava muito bem disposta e falante. Lamentou não ter “feito cabelo e unhas”, como de hábito, expondo sua vaidade feminina na hora de umas fotos. Salvo a limitação auditiva, corrigida em parte com o aparelho de surdez ou com a tonalidade de voz dos familiares a que está habituada, e ainda o uso de um andador em casa por razão de segurança, a médica se autodiagnosticou: “Estou ótima”.
Ansiosa pela chegada do aniversário e o presente especial, de reunir a família num encontro histórico, também se declarou empolgada com a possibilidade de incluir nos festejos comemorativos a quebra de silêncio de cinco anos com um companheiro de décadas: o piano. Admite que vai precisar de esforçozinho, por estar “enferrujada”, mas já elegeu até a música inaugural: a sua preferida “La Comparsita”, do uruguaio Geraldo Matos Rodríguez, um tango que está entre os mais difundidos do mundo.
A filha Elynice Söndahl Mattar Schueler, juíza de Direito aposentada, e os netos Jackson e Dagoberto – herdeiros da segunda filha, Magnelit Söndahl de Campos – ajudaram a médica a rememorar e descrever muitos dos momentos de sua vida, a receita da longevidade e os detalhes da decoração do apartamento, que traduzem muito de seus prazeres e orgulhos. O piano estava ali, acolhendo em sua armação em madeira lembranças da família e também a da formatura de 1939. Na mesa de centro uma coleção de miniaturas de elefantes, posicionada como se entrando na moradia - para dar sorte, conforme sua crendice.
Numa parede, o diploma com o título de “Cavaleiro da Ordem Nacional do Mérito”, que Jânio Quadros conferiu a sua professora Maria Estrella de Carvalho – mãe da Dra. Nanna – em agosto de 1961, poucos meses após ser empossado Presidente da República. Jânio e Nanna, ambos com 11 anos, concluíram em 1929 o curso primário no Colégio Estadual Conselheiro Zacarias, na Capital. Noutra parede, uma tela que sugere incursão à paisagem da Islândia e outra retratando o sítio na região de Araucária onde familiares residiram.
Foram nos álbuns da família que a Dra.Nanna buscou o registro daquele que computa entre os momentos mais emocionantes da sua vida: a visita, em setembro de 1998, o lugar de origem de seu pai, a Islândia, país nórdico com um dos melhores indicadores de saúde e de desenvolvimento do mundo. Ela conta, com entusiasmo, ter sido recebida junto com os familiares pelo próprio presidente, no palácio de governo, e que na visita a algumas das cidades, que têm baixo índice populacional (o país todo tem menos de 350 mil habitantes), foram tratados como celebridades, concedendo até entrevistas aos veículos de comunicação locais.
A viagem serviu de estímulo para criação da Associação Islândia-Brasil, com sede em Curitiba, cidade que no final do século XIX acolheu um grupo de imigrantes que havia chegado em Dona Francisca (hoje Joinville) e que tinha como meta alcançar a colônia alemã de São Lourenço (RS).
A profissão
A Dra. Nanna recorda que a turma formada em 1939 só tinha duas mulheres, pois uma terceira havia interrompido os estudos. Entre seus colegas, ela recorda dos Drs. Hamilton Asevedo, Rubens Wallbach, Rodolpho Paciornik e Pedro Emílio de Cerqueira Lima Neto, dentre outros com os quais conviveu profissionalmente e que estiveram juntos na homenagem do Jubileu de Ouro do CRM-PR, no Dia do Médico de 1990. Além disso, todos os anos, até aquela data histórica, a turma se reunia para comemorar a formatura.
No último ano de graduação, a médica lembra que estava tentando montar seu consultório quando foi convidada pelo presidente da seção do Paraná da Cruz Vermelha para trabalhar como secretária executiva. Ela ficou na função três meses, tempo suficiente para, a partir de acesso a documentos de propriedade da instituição, contribuir para a permuta de um terreno ao lado do antigo Hospital Cesar Pernetta (hoje Pequeno Príncipe) por outro na Avenida Vicente Machado, vizinho da sede administrativa da organização internacional, possibilitando levar adiante a sua ideia da construção do Hospital da Cruz Vermelha. Sem esperar pela obra, desistiu do projeto de construir um pronto-socorro com colegas no Centro de Curitiba e foi ajudar a montar um serviço médico na sede da CV, mantido com doações. Ela própria passou a morar num pequeno apartamento existente no local, que mais tarde abrigaria outras pessoas empenhadas em trabalhos assistenciais.
Com o ingresso do Brasil na Segunda Guerra, coube à Dra. Nanna a missão de “convocar as enfermeiras samaritanas”, o que foi feito via rádio, o meio de comunicação prevalente na época. Rememora: “Concordei com a convocação, contanto que as mulheres não fossem para a frente de combate. Então, o major Henrique Moss de Almeida garantiu essa prerrogativa, reiterada nos anúncios na rádio. Eu usava de critério para selecionar as moças. Havia aquelas que queriam ir para guerra em busca de aventura ou para morrer mesmo; então, essas eu dava um jeito de dispensar. Fui professora delas em Fisiologia, Puericultura e Anatomia, esta com as aulas passando depois para o Dr. Hamilton Asevedo, que veio em reforço ao nosso convite. Na formatura, não aceitei ser paraninfa, como queriam as enfermeiras, pois entendia que deveria ser a mulher do governador ou do general”.
Na foto histórica ainda presente na Cruz Vermelha, contudo, a Dra. Nanna e o Dr. Hamilton estão ao lado das samaritanas como homenageados. A médica diz que poucas foram as enfermeiras que acompanharam a expedição à Itália, mas tem convicção de que estavam bem preparadas para a missão. A Dra. Nanna é reservista de guerra aspirante, pois no Exército, naquela época, não havia carreira para médica, somente para enfermeira. Entretanto, ela viria a se formar na Adesg (Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra), como forma de elevar sua participação em projetos de cidadania, encorpados quando, em 1987, ajudou a fundar o Rotary Club Curitiba Gralha Azul.
Depois do início de carreira em Curitiba e da experiência como assistente de professores como Erasto Gaertner e Dante Luiz Junior, a Dra. Nanna aceitou o desafio de trabalhar como médica em Videira (SC), levada por um irmão agrônomo. Em pouco tempo já estava integrada à comunidade local e a desenvolver projetos ousados para a época. Foi ela quem lançou a campanha para criação do aeroporto local, que acabaria inaugurado em 1949 com a denominação de “campo de aviação”. Antes de deixar a cidade, ainda lançou a semente do aeroclube, que passou a funcionar junto ao aeroporto e hoje tem até curso de formação de pilotos.
Após o casamento e a passagem pelo interior paulista, onde também deixou sua “marca” na atenção às famílias, sobretudo carentes, a Dra. Nanna retornou a Curitiba, com as duas filhas pequenas, para não mais sair. Em 1952, foi nomeada para quadro médico da Secretaria de Saúde Pública, tendo importante passagem pelo Lar Escola Hermínia Lupion (hoje sede da Pastoral da Criança), inaugurado na metade da década de 50. Ali, não só trabalhou como chegou a morar, expondo satisfação no convívio com as meninas em situação de vulnerabilidade. Atuou também nos hospitais Cajuru e Instituto de Medicina e em consultórios particulares, passando por vários endereços, inclusive na Praça Tiradentes, no Centro, na sobreloja de onde era a Farmácia Stelfeld.
A filha Elynice conta que, ainda criança, acompanhou a mãe em muitos plantões ou atendimentos e que a caridade era um gesto sempre presente em sua vida. “Ela atendia gratuitamente, muitas vezes pagava o táxi do paciente e ainda arrumava amostra grátis de medicamento”, diz. Recorda, também que durante muitos anos a sua mãe residiu no casarão que pertencera aos pais, na Rua Comendador Fontana, de onde era comum ela ser buscada por familiares de pacientes à noite ou de madrugada.
A Dra. Nanna foi médica no Palácio do Governo do Estado até o Governo do Ney Braga nos anos 60, vindo a aposentar-se na década de 80 como médica da Saúde Pública, diminuindo de forma progressiva a partir de então as suas atividades profissionais, sobretudo depois de ir morar num apartamento do Alto da Glória, onde está até hoje. Seu histórico ainda inclui ações em defesa do meio ambiente e a criação de curso de hipnotismo em 1956, ponto de partida para o surgimento do Centro Paranaense de Hipnotismo, com o Prof. Kar Maya (Fernando Avelino do Valle), que acabaria perdendo a finalidade original com o decorrer do tempo.
A família
Filha da professora Maria Estrella de Carvalho e do engenheiro civil e professor Magnus Söndahl, nascido na Islândia e que imigrou para o Brasil aos 12 anos, Nanna nasceu em 28 de junho de 1915 em Vila Izabel, no Rio de Janeiro, então Capital Federal. Tinha 11 meses de idade quando os pais vieram para o Paraná, radicando-se em Paranaguá. Nesta cidade do litoral o imigrante islandês faleceu aos 55 anos; Nanna tinha apenas cinco. Casou em 1948 com Farid Mattar, fixando residência em Guaratinguetá (SP), onde foi diretora da maternidade local e da Casa da Criança. Após o nascimento das duas filhas, separou-se e em 1952 voltou ao Paraná. A filha mais nova, Magnelit, é casada com o médico Dagoberto de Campos, com atuação no interior de São Paulo, e tem três filhos: Jackson, Dagoberto e Josmara, nutricionista e que é mãe de João Vitor, 9 anos, e Maria Eduarda, 12. Como recorda a Dra. Nanna, a família viveu importantes momentos de estreita convivência durante o período de 1981 a 2003, enquanto manteve uma casa de veraneio em Itapoá (SC). “Eram temporadas maravilhosas”, resume, destacando que, aos poucos, os netos foram seguindo seus caminhos e a casa perdeu o encanto inicial, sendo vendida.
A receita da longevidade
Para a médica, não há receita certa para longevidade, além de uma coincidência genética e hábitos saudáveis, em especial na alimentação e prática de exercícios. Proclama-se como vegetariana e, embora em seu cardápio às vezes tenha peixe ou camarão, a carne vermelha “não passa nem perto”. Ela sempre gostou de caminhar, o que deu mais intensidade a partir dos “setenta e poucos”, quando parou de dirigir. Até dois anos atrás era percorria diariamente as ruas da vizinhança. Agora, os passeios são de carro, na maioria das vezes com o neto Dagoberto, que mora com ela, ou com a filha Elynice, residente em Caiobá, mas que “volta e meia” está em Curitiba.
Para Dra. Nanna, bebida alcoólica é algo tão desprezível quanto a televisão. O aparelho da sala só é ligado quando de visitas. Ela nem lembra quando foi a última vez que assistiu a um programa televisivo. Em compensação, ela adora ler, em especial jornais, para estar antenada aos fatos do momento. Por isso, mantém assinaturas da Folha de S. Paulo e Gazeta. Quando o assunto é corrupção ou as mazelas da saúde de hoje, ela faz “cara feia” e balança a cabeça negativamente, mas nada diz. Futuro da Medicina? Sorri e decreta: “Temos de acreditar nos jovens médicos e, eles, nas tantas lições que estão à disposição. Humildade e respeito aos pacientes é o primeiro passo”.
Frase
"Quando uma estrela brilha de forma tão intensa e por tanto tempo, é para bem iluminar o caminho dos bons exemplos. É deste amanhecer de humanidades, de reiteração dos valores éticos, que nossos jovens médicos devem escolher como companhia para jornada que se iniciam. Parabéns à Dra. Nanna e aos familiares na passagem desta data histórica". Luiz Ernesto Pujol, presidente do CRM-PR.
Curiosidade
17 de junho é a data comemorativa da Independência da Islândia, que neste ano festeja 61 anos.