18/03/2009
O Brasil e seus tristes extremos
O Brasil é historicamente um país de extremos. Nas grandes metrópoles, por exemplo, é comum ver bairros com mansões cinematográficas
e bolsões de pobreza lado-a-lado. Os contrastes se dão em todas as áreas, inclusive naquelas em que somos consideramos referência
no planeta. Veja o caso do futebol: produzimos e exportamos craques de primeira grandeza, mas temos muitos dirigentes de terceiro
mundo. O resultado é que nem aí exploramos adequadamente nossa potencialidade.
O mesmo, infelizmente, acontece com nossa medicina, setor essencial para a qualidade de vida de nossos cidadãos. Também
somos referência nessa área. Temos centros de excelência em praticamente todas as especialidades, um bom número de médicos
com formação impecável, e já nos transformamos num pólo do chamado turismo em saúde. Gente dos mais diversos países vem para
cá em busca de tratamento de qualidade.
O problema é que mesmo nessa área tão brilhante e pujante temos problemas gravíssimos. É triste a realidade do Sistema
Único de Saúde, uma proposta espetacular no papel, mas que ainda não se consolidou por desleixo, descompromisso e omissão
de muitos legisladores e gestores. São filas intermináveis, hospitais sucateados, falta de incentivo aos recursos humanos,
carência de profissionais e assim por diante.
Parcela desse caos tem origem em um ponto conhecido por todos: a escassez de financiamento. Especialmente por parte do
governo federal, que reluta em encarar a saúde como prioridade e liberar sua bancada de deputados e senadores para aprovar
as leis necessárias a ampliar os recursos ao setor. A conseqüência é que o investimento, por habitante, é um dos mais baixos
da América do Sul. Só para ter uma idéia é metade do realizado pela Argentina. Aliás, levando-se em conta a relação investimento/arrecadação,
o gasto brasileiro também é algo em torno da metade do registrado nos demais vizinhos latino-americanos.
Estudo recente da Fundação Instituto de Administração (FIA), ligada à Universidade de São Paulo (USP), atesta que a destinação
à saúde em 2007 e em 2008 (cerca de R$ 50 bilhões) manteve o orçamento do setor no medíocre patamar da década de 90: o equivalente
a US$ 280 anuais por pessoa. Lamentavelmente, estamos bem longe da média mundial de US$ 806 per capita.
A crise não pode ser considerada desculpa, pois o problema perdura desde há muito. Também não é possível explicar o caos
na tão propagada carência de recursos dos cofres públicos, pois não falta dinheiro para viagens nababescas, para contratação
de quadros de confiança a peso de ouro, para os incontroláveis aumentos de salários do legislativo, do executivo e judiciário,
entre outros abusos.
Não podemos dizer, é verdade, que a saúde do Brasil estacionou no tempo. Ao contrário, são diversos e inegáveis os avanços.
Tanto que, como já frisei, somos referência na medicina mundial. Contudo, corremos o risco de por tudo a perder em breve,
se não houver coerência e compromisso público com o setor.
É fundamental preservar os princípios éticos e humanos do SUS, mas é necessária pressão contínua para que se torne um
sistema de fato resolutivo. Isso passa por investimentos racionáveis, por gestão competente, e também pela garantia de boas
condições de trabalho e remuneração aos prestadores. No caso desses profissionais, há urgência de criação de um Plano de
Cargo, Carreira e Salários (PCCS). Tais medidas podem estimular a resolutividade, além de facilitar a fixação de médicos e
demais agentes de saúde no interior e em áreas remotas. Em outras palavras precisamos já de uma carreira de estado e do fim
da remuneração vil.
Os médicos brasileiros temos de puxar essa luta ao lado de outros segmentos democráticos e exigir que a Constituição Federal
seja cumprida. Não há o que discutir: saúde é um direito de todos. Outro ponto indiscutível: os prestadores dessa importante
área social, assim como os pacientes, merecem e exigem respeito.
Jorge Carlos Machado Curi, presidente da Associação Paulista de Medicina.